O IHGB e a História do Brasil

Antônio Astor Diehl, no capítulo O Instituto Histórico Geográfico e a Ilustração, discorre, do livro A cultura historiografia brasileira: do IHGB aos anos 1930, primeiramente, sobre como se pensou a história no século XIX, uma disciplina com um discurso de cientificidade e discurso historiográfico pautado no positivismo. É nesse contexto, da História vista como ciência, que se desenrola a questão do IHGB como mola propulsora dessa ciência humana no Brasil. Vale ressaltar que esses institutos, tanto na Europa quanto no Brasil, surgem em meio às questões de nacionalidade, quando nações como Itália e Alemanha, fragmentadas em vários estados, buscam construir uma unidade política e cultural.

A História, no Brasil, não se desenvolve nas universidades, mas sim nos institutos de membros eleitos, ao molde das Academias Ilustradas europeias dos séculos XVII e XVIII. Em 1838 surge, na capital do Império do Brasil, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, espaço privilegiado que por quase um século dominaria o que fosse produzido sobre a história do país. Estava no centro dessa academia o Estado Brasileiro, inimigo das repúblicas latino-americanas, mas ainda distante de constituir uma unidade política sólida, tendo em vista as revoltas que explodiam do Norte (Cabanagem) ao Sul (Revolução Farroupilha). Ele não rompe com a ideia de se desligar do antigo agente colonizador, o português, mas se vê como o continuador do projeto de conquista iniciado em 1500.

A historiografia produzida no IHGB construía uma visão homogeneizada da nação brasileira, comandada pelas elites, imbuídas, do topo, de encaminhar as demais classes sociais em direção ao progresso. O Instituto vivia entre a inovação e o tradicionalismo: a partir de 1851, foram incluídos estudos etnográficos, arqueológicos e linguísticos, mas história continuava presa a uma concepção linear e progressista. Em 1847 é lançado um concurso de ensaios sobre como se deveria escrever a História do Brasil, um país de dimensões continentais e socialmente diversificado. Venceu o alemão Carl Friedrich Philipp von Martius que sugeriu, em sua tese: a história do Brasil deveria ser escrita a partir do estudo das três raças que o compõe – índios, negros africanos e brancos europeus. O indígena remete aos primórdios de nossa civilização, ao mito da nacionalidade vista de forma romântica; o negro é visto como um fator de impedimento ao progresso, estereotipado como inadaptável a qualquer sistema econômico, que ao lado do indígena se rebelou diversas vezes contra o colonizador; e o branco europeu, o conquistador, redentor das outras raças, o único capaz de absorvê-las e encaminhar o país para o progresso.

Astor cita dois membros do IHGB para a análise da produção da segunda metade do século XIX: Adolfo Varnhagen e Capistrano de Abreu. Adolfo Varnhagen foi um historiador metódico, com uma obra alicerçada em rigorosa erudição. Sua abordagem, em alguns pontos considerada distante e fria, se preocupa com problemas do presente, no qual busca explicações no passado para delinear um bom futuro. O autor afirma que os únicos atributos de realce em sua obra são sua erudição histórica e a posição de pesquisador. Adolfo também foi um grande historiador político, abordando temas como a organização do Estado, seu papel na estruturação social, a centralização do poder político, a função do Estado na condução do processo de constituição da nação e do homem brasileiro. Varnhagen se preocupa com o papel da classe dominante no Império. Acontece que, para esse autor, durante o período colonial, a classe dominante, escravagista, era forte. Com a Independência, e as constantes pressões pelo fim do tráfico negreiro durante o Segundo Reinado,o índio e o negro passavam a ser incluídos como cidadãos da nação brasileira, o que era um problema para Varnhagen, que idealiza um Estado comandado pelo branco brasileiro. Sobre o Império, tinha o seguinte projeto político: a constituição de uma nação branca e de descendência europeia; a criação de um Estado forte e centralizado, constituinte da nação; constituição do homem branco brasileiro. Formas de manter a unidade: miscigenação forçada; centralismo e autoritarismo. Em síntese, Varnhagen entendia que era necessário manter a Lei, a Ordem e a Religião.

Capistrano de Abreu renovou a historiografia brasileira, prezando por uma história imparcial, sendo um contraponto ao defensor do Império, Varnhagen. Em sua abordagem, substituiu o conceito de raça pelo de cultura e seus estudos indígenas renovaram a etnografia; deu também importância para a história social e dos costumes, e sugeriu novos problemas para a historiografia brasileira: o regime de terras, a história da legislação e do parlamento, e os partidos políticos. Capistrano tem forte ligação com a análise sociológica alemã, e vê que os fatos são uma etapa da interpretação, que deveria ser regida por leis e regras da sociologia. O método crítico de Capistrano está baseado em três regras simples: o privilégio da testemunha visual, daquela que assistiu pessoalmente aos eventos que reconstrói; a ênfase ao caráter lógico do relato das testemunhas, como se a ambiguidade fosse sinônimo de equívoco ou falsidade, e à coerência, um pré-requisito para se acreditar na correspondência entre o texto e a realidade, e a utilização do número e da quantidade de documentos que contivessem afirmações contrárias, embora satisfeitas as exigências anteriores. Ele utiliza o empirismo, aliado à coerência lógica e o número de testemunhos como forma de se alcançar a verdade. Ele também foi crítico da memória, na medida em que ela se distância dos fatos abordados.