O "não" que a tudo vai contaminando

Todo mundo conhece alguém que inicia as falas com a palavra "não", mesmo as afirmativas.

- João, pode me emprestar o lápis?

- Não, está aqui, pode pegar.

Atenção às vírgulas. João não disse que não posso pegar. Dupla atenção com a negativa da negativa, existe a filosófica e a da língua portuguesa, que, longe de se tornar afirmação, reforça a negação. Exemplo?

- Já trabalhou hoje, Pedro?

- Hoje não fiz nada. Não fiz coisa nenhuma.

Isso é de pirar qualquer nativo de outros idiomas... Se Pedro não fez nada, não fez coisa nenhuma, então fez coisa alguma, e isso deveria significar alguma coisa. Mas não. Coisa alguma é nada. E alguma coisa é algo. Afinal, Pedro trabalhou ou folgou? Folgou, por certo. Não fosse Pedro lusófono, teria trabalhado. Teria feito negócio = negado o ócio = não ócio.

Mas, retomando o mote deste dardo, já temos problemas demais com a própria estrutura da língua que nos serve de suporte à comunicação.

Há expressões idiomáticas que aparentam ser o inverso do que são, como, por exemplo, "pois não", que, incrivelmente, é afirmativa! Já pararam para pensar nisso?

Creio ser ato descuidado exceder a quantidade de partículas negativas na nossa comunicação. Já temos demasiados "não" no próprio idioma. Para quê poluir a comunicação com outros tantos?

E, para além da interpretação linguística, há a mental. Por que criar tal campo repulsivo a quem nos dirige a palavra, já lhe respondendo uma negativa desnecessária? Entendo que é um mero vício originado de uma longa ênclise, tal qual esta:

- João, pode me emprestar o lápis?

- Não, está aqui, pode pegar.

E isso, na verdade significa:

- João, pode me emprestar um lápis?

- Não (há dúvida de que sim, eu posso - está aqui), pode pegar.

Mas, reitero, por que perpetuar tal vício? Sejamos mais positivos, iniciando por remover o excesso de negatividade da nossa própria linguagem! É uma singela proposta que faço...