ANTES DO ECA - CÓDIGO DE MENORES

BREVE HISTÓRICO

Aprofundando o tratamento da questão correspondente a infância e juventude brasileira. Antes, porém, há que introduzir-se ao passado que historicamente, foi marcado pela exclusão social onde não havia a priorização da criança e do adolescente como pessoa peculiar em desenvolvimento e sujeitos de direitos. Objetivando compreender de forma concreta como o processo de produção referente aos velhos paradigmas que envolveram o atendimento concedido ao público infanto juvenil, para então, entendermos e refletirmos sobre os ditames que são empregados na contemporaneidade de acordo afirmação de Pinto e Lemos (2011), se faz necessário considerarmos alguns aspectos legais que envolvem essa historicidade.

No ano de 1923, foi criado o primeiro Tribunal de Menores no Brasil através do Decreto Federal nº 16.273, de 20 de dezembro de 1923, bem como as primeiras normativas que visam a proteção dos “menores abandonados e delinquentes” através do decreto anterior a este. Pinto e Lemos (2011).

A legislação brasileira a priori, regulamentou uma orientação doutrinária para a efetivação do direito da Criança e do Adolescente, o qual dividiu-se em três correntes, a saber: a) A Doutrina do Direito Penal do menor; b) A Doutrina da Situação Irregular; e c) A Doutrina da Proteção Integral. A Doutrina do Direito Penal do Menor, através do Código Criminal de 1830 a 1890 defendia a seguinte concepção, a intervenção do estado se dava no acometimento de um ato de delinquência pelo menor, tendo um olhar sobre este de um menor que cometeu delinquência e não de um menor enquanto ser cidadão, postula Ferreira (2008).

Ainda segundo o autor, a segunda refere-se a Doutrina da Situação Irregular, através do Código de Menores – Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979 em que os menores de 18 (dezoito) anos eram considerados apenas sujeitos de direitos. Neste sentido, o estado fazia intervenções com os menores considerados em situação irregular, sendo assim os demais que não se enquadrassem na situação irregular descrita pela Lei, não tinham amparo legal. E por fim, a Doutrina da Proteção Integral, pautada na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, documentada internacionalmente como Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada na Assembléia das Nações Unidas em 20 de outubro de 1959.

A partir deste momento, não utilizando-se do termo menores em situação irregular seja pelo abandono ou delinquência, estes são tratados como crianças e adolescentes sujeitos de direitos, aponta Amaral e Silva (apud Pereira, 1996, p.27). Diante disso, a Constituição Federal de 1988 promulga a determinação legal postulado no artigo 227, em que faz a seguinte declaração:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.CF (1988) Art.227.

Vale destacar que este dispositivo legal, nos arremete ao atendimento dos direitos de proteção integral infanto juvenil, tendo em vista a sua condição peculiar como pessoa em desenvolvimento social, mental, espiritual, físico e moral. Estando este sob a responsabilidade da família, da sociedade e do Estado de acordo com ECA (1990).

Do ponto de vista das postulações referentes ao art.227 da CF 1988, observamos a priori a posição da família, ela esta em primeiro lugar na obrigação de proteção, é possível retratar que por ser a primeira instituição social que o sujeito faz parte desde o seu nascimento onde aprende as regras e procedimentos do convívio social, é possível afirmar que esta é a base da formação humana. Reforçando essa ideia no art. 229 da CF de 1988 determina como dever da família o de educar, assistir e criar os filhos menores.

Nesta perspectiva, abordando ainda sobre a proteção integral, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, é possível destacar três atributos dados no tratamento de crianças e adolescentes, primeiro a sua condição de sujeitos de direitos, segundo a absoluta prioridade e terceiro o respeito a sua condição de um ser em desenvolvimento, ou seja, os mesmos necessitam de cuidados especiais nesta fase da vida.

Aprofundando o tratamento da questão, o ECA em seu art.4º, parágrafo único apresenta a compreensão do que vem a ser a garantia de prioridade, são eles: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; e d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude, Ferreira (2008). Diante dessa citação, basicamente visualizamos algumas das obrigações do poder público na efetivação e garantia dos direitos da criança e do adolescente.

Através do Decreto nº 17.943- A, em 12 de outubro de 1927 foi sancionado o primeiro Código de Menores no Brasil, que consolidou as leis de assistência e proteção aos menores, o Código Mello Mattos, levou este nome em homenagem ao primeiro Juiz Titular do Juizado de Menores, Dr. José Cândido Albuquerque Mello Mattos, em 1924. O Código priorizava o menor abandonado ou delinquente e nos artigos 26 definia menor abandonado de 18 anos: I- como aqueles que não possuíam habitação fixa, nem meios de subsistência em razão de seus pais serem falecidos, desaparecidos ou desconhecidos, ou por não terem tutor ou estar sob a guarda de alguém; II- Os que se encontravam sem habitação fixa, e sem meios de subsistência, em razão da indigência, enfermidade, ausência ou prisão dos pais, tutor ou pessoa encarregada pela sua guarda; III- Que tinham pai, mãe ou tutor, ou encarregado da sua guarda reconhecidamente impossibilitado, ou incapaz de cumprir os seus deveres para com o filho, ou pupilo, ou protegido, afirma Ferreira (2008).

Em relação ao jovem delinquente, no art. 68 menores de 14 anos aborda que estes não seriam submetidos ao processo penal, nem mediante autoria de crime ou contravenção penal. Já o adolescente maior de 14 anos e menor que 18 anos de idade seriam submetidos a um processo especial. As medidas tomadas em relação aos menoristas abandonados e delinquentes no art.231 do Código de Menores determina a inibição do pátrio poder e a perda da tutela por seus responsáveis legais. Analisando o código e suas determinações, é possível identificar a inexistência de um objetivo maior relacionado a emancipação cidadã, outrossim, de um controle social dos excluídos e marginalizados socialmente. Desta foma, segundo Ferreira (2008), os menores eram depositados em lugar que fosse considerado conveniente para a garantia da educação e ficarem sob vigilância. Nesse sentido, corroboramos para o entendimento de que a escola de fato, não estava preocupada com a educação e desenvolvimento do menor, sobretudo, a do controle social.

Posterior ao Código Mello Mattos, inúmeras leis foram sendo sancionadas em relação à criança e ao adolescente, como o Código Penal de 1940, que trouxe nova perspectiva para a responsabilização penal do menor, através do sistema jurídico em 1943 apresentaram a questão do trabalho do menor, através do Decreto nº1.313 de 17 de janeiro de 1891, com a instituição da carteira de trabalho através da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, de acordo Ferreira (2008). Vale destacar, que o Serviço de Assistência a Menores (SAM), foi criado através do Decreto nº 3.779/41, a fim de atender os considerados “ desvalidos e infratores”; No ano de 1964, através da Lei nº 4.513 criou-se a Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FNBEM) que logo após fora designada como Funabem, de acordo com Ferreira (2008) foi durante esse período que surgiram as Fundações Estaduais de Bem- Estar do Menor (FEBEMs).

O Código de Menores – Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979 a criança e os adolescentes eram caracterizados como “situação irregular”. Para melhor apreensão deste entendimento, cabe aqui mencionar o artigo 2º que trata sobre isso comparando-a com as legislações podemos verificar a inclusão da questão infracional, considerado uma evolução no processo de responsabilização do adolescente pelos seus atos, entretanto, apresenta lacunas no que se refere ao trato sobre o desenvolvimento enquanto ser social e pessoal no que tange aos aspectos relacionados a educação. É importante, destacar este ponto, sobre a educação, pois segundo Brandão (2008, p.7):

"Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação."

Brandão (2008, p.7)

Tendo como ponto de vista, a educação possibilita o crescimento do sujeito em vários aspectos do convívio social e pessoal, não permitindo que este fique alienado e apolítico as questões e situações recorrentes na sociedade, sabendo o momento de reivindicar e lutar por seus direitos, em detrimento do cumprimento dos seus deveres. Nos faz refletir também, que dentro desse processo histórico desde as Doutrinas vigentes da época da atenção aos menores de 18 anos, até os dias atuais em que a proteção integral esta vigente. Surgi o questionamento, seria interesse do poder público de que às crianças e adolescentes da sociedade brasileira neste momento de transição, tornassem cidadãos autônomos? Cabe aqui, colaborando para este sentido mencionar Paulo Freire, ao referir que:

"Seria uma atitude muito ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitissem às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de forma crítica."

Paulo Freire (1980, p.15)

Abarcando a posição de Paulo Freire, fazendo uma interface com Maria da Glória Gohn (2006) sobre os movimentos sociais, nos deixou uma reflexão do que de fato é o exercício da cidadania, esta acontece porque o cidadão tem direitos, da igualdade no nivelamento no aspecto econômico, cultural e social que todos precisam ter acesso a todos os bens de consumo que a constituição lhe garanti, esse saber politizado traz a consciência dos direitos e deveres políticos e cívicos.

Neste sentido, considerando os ditames legais a criança e o adolescente são pessoas em desenvolvimento, sendo importante para a sua formação humana e integral a compreensão do ser cidadão. De acordo Gohn (2006) cidadania esta articulada com a educação, desta forma impossível dissociá-las.

REFERÊNCIA

BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. São Paulo: Cortez, 1990.

BRASIL. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo- SINASE/ Secretaria Especial dos Direitos Humanos- Brasília. CONANDA, 2006.

LIPP, Marilda Emmanuel Novaes. O adolescente e seus dilemas: Orientação para pais e educadores. 2ª Ed. São Paulo: Papirus, 2011.

COSTA, Antônio Carlos Gomes. A doutrina da proteção integral e o paradigma do desenvolvimento humano. Módulos Faciendi. 1998.

FERREIRA, Luiz Antônio Miguel. O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Professor: reflexos na sua formação e atuação. São Paulo: Cortez, 2008.

ROESLER, Marli Renate von Borstel; BIDARRA, Zelimar Soares (org). Socioeducação: Reflexões para a construção de um projeto coletivo de formação cidadã. Cascavel: EDUNIOESTE, 2011.

BRASIL, Fundo de População das Nações Unidas. Direitos da população jovem: um marco para o desenvolvimento. 2ª ed. Brasília: UNVPA, 2010.

PEREIRA, T. Da S. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.

NadySantos
Enviado por NadySantos em 01/07/2019
Reeditado em 03/07/2019
Código do texto: T6685532
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