Arte Pra Quê?

 
Escolher a Arte como suporte de vida é saber esta vida com belezas e dores. Por essência, a abstração dos sentimentos que a envolve não desperta interesse em muita gente. A Pintura, a Gravura, Escultura, o Teatro, a Dança, Cinema e Música (as três últimas pensadas como produções de expressões artísticas, longe da prática para consumo), são quase restritas a um público específico que teve acesso a conhecimentos fundamentados sobre elas. As escolas têm em seus currículos a disciplina Artes como obrigatória, mas o seu conteúdo é planejado apenas para “constar” da obrigatoriedade, sendo matéria que não reprova. Raríssimas são as que a tratam como relevante para a construção do pensamento crítico e consequente formação do aluno como um ser político no mundo.  Em muitas dessas escolas Professores de Artes se veem na condição de “organizadores de murais”, “decoradores” de festas juninas, Natal, Dia das Mães e segue. Além do fato de se verem classificados como “professores de submatéria” pelos próprios pares, é bastante comum vermos pessoas referindo-se à disciplina como “recreativa”, “pausa nas matérias conteudistas de ‘relevada’ importância”, entre outras interpretações depreciativas.
 
Levantarei aqui breves questões sobre as Artes Visuais, disciplina com a qual trabalho. Ressalto que o que precisamos lembrar é que a Educação Artística, para além do seu conteúdo teórico, que é importante como fonte de referência e conhecimento, carrega no seu processo de condução à criação a necessidade de promover a observação, o pensar, a contextualização (histórica, social e antropológica), para então, com os conceitos de História da Arte aprendidos, facilitar a construção, e não apenas o absorver teores. As experiências vividas pelos alunos durante as práticas artísticas, aquelas em que eles podem desenvolver a sua autonomia, são absolutamente relevantes para o seu crescimento enquanto produtores de ideias e, consequentemente, virem a tornar-se sujeitos críticos das suas construções e dos outros. Essas experiências trarão, também, posteriores enriquecimentos ao aprendizado geral, a partir do momento em que ele apreende a necessidade do pensar para intuir e realizar.
 
Mas, afinal, para que a Arte?
 
Primeiramente precisamos dissociar a palavra Arte da palavra Museu. A Arte não está restrita apenas a este espaço. Ela está presente tanto no teclado no qual digito esse texto quanto no quadro que ornamenta a minha ou a parede do leitor. Também é preciso pensar que, ademais do exprimir sentimentos e percepções do mundo, nos valemos da Arte para expor a visão do momento em que vivemos e que contará adiante sobre nossos tempos, haja vista a Arte Rupestre, que muito nos revelou sobre o homem pré-histórico, por exemplo.
 
Dito isso, é válido salientar que, além de servir  à apreciação estética, à livre expressão e à historiografia, a Arte Visual está presente em todos os momentos do nosso cotidiano, tais como: na casa onde moramos, no design dos seus móveis, utensílios, eletrodomésticos e eletrônicos, objetos de decoração e têxteis que a compõem; no paisagismo das ruas onde estão localizadas, nos veículos que transitam por elas; no jogo de videogame de toda criança, jovem ou adulto e no jeans que usamos, enfim, para tudo o que nos cerca, temos a criação de um artista visual. Os engenheiros e arquitetos precisam do desenho geométrico tanto quanto os cineastas e figurinistas precisam do desenho livre para apresentarem seus projetos. Como, então, não ser necessário aprender sobre o que nos rodeia?
 
Certa vez um aluno do Ensino Médio, rolando a tela do celular enquanto falava - num provocativo desdém, questionou o porquê de ter aulas de Arte. Não via a menor importância na matéria. Aproveitei o mote dele ter o telefone em mãos e comecei a falar sobre os ícones, que identificam cada aplicativo, que estavam contidos ali. Alguém os tinha pensado e desenhado. Mencionei o modelo daquele aparelho usando o mesmo argumento. Como poderia não haver importância em algo que o levou a escolher determinado tipo em detrimento a outro? Ele compreendeu, sem que precisasse me alongar. E eis que ao solicitar uma atividade com tema livre em formato de projeto, e respeitando a autonomia e método individuais, o aluno surpreendeu apresentando um excelente trabalho de criação sobre ícones, símbolos e signos, além de trazer uma pesquisa muito bem fundamentada. A conversa e a pesquisa permitiram a construção do pensamento e o conhecimento enriqueceu sua produção. Esse é apenas um dos muitos exemplos em que o protagonismo (autonomia) do aluno nas ações artísticas práticas estimulam a criatividade a partir do raciocínio. O professor age apenas como um facilitador para a execução dessas ações. 
 
Finalizando esse esboço de artigo, digo que não, não é a Arte a grande “redentora” das dificuldades de assimilação do aluno, mas a que propicia um caminho, de maneira lúdica, para tal.

 
 

"A arte existe porque a vida não basta" (Ferreira Gullar)


Sugestões para leitura:

- História da Arte - Graça Proença
- Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte - Ana Mae Barbosa
- A Organização do Currículo por Projetos de Trabalho - Fernando Hernandez
- Pedagogia da Autonomia - Paulo Freire
- Como Estimular um Olhar Curioso e Investigativo nos Alunos dos Anos Finais do Ensino Fundamental - Carlos Arouca






Imagem: Google
Marise Castro
Enviado por Marise Castro em 30/08/2020
Reeditado em 19/08/2022
Código do texto: T7049910
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.