ESCOLA E COVID-19: EDUCAÇÃO E SAÚDE MENTAL DOS JOVENS EM TEMPOS DE PANDEMIA

UPE - UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO

CURSO DE PSICOLOGIA

DISCIPLINA DE BASES SOCIOANTROPOLÓGICAS DA PSICOLOGIA

RAUL MAGALHÃES BRASIL

ARCOVERDE, 2020

Resumo.

É impossível falar do contexto atual da sociedade sem falar das transformações pelas quais ela está passando. Neste sentido, a pandemia de coronavírus tornou-se fator de transformação nos mais diversos nichos da sociedade. Dentre esses nichos, este ensaio procura dar conta das transformações na educação pela pandemia e pelo isolamento social. Procura-se investigar quais foram os impactos dessas transformações no aprendizado e na saúde mental de estudantes do ensino fundamental ao ensino médio e ainda, como estão lidando os profissionais da educação com as questões emergentes relacionadas à pandemia e à migração para plataformas digitais. Para tanto, a pesquisa procurou aliar parte da literatura de pesquisas e artigos já publicados sobre a temática em questão com entrevistas feitas com alunos de faixas etárias diversas. As entrevistas foram feitas online, respeitando as medidas de prevenção e o distanciamento social.

Introdução.

Como educar em tempos de pandemia? Essa é a pergunta que os profissionais de ensino estão se fazendo diariamente. Esse súbito contexto trouxe obstáculos inesperados a esses profissionais, que agora enfrentam diariamente desafios para lidar com as questões que emergiram com a pandemia do Covid-19. O primeiro dos grandes desafios enfrentados foi a migração para plataformas digitais, as escolas foram pegas de surpresa com a necessidade do isolamento social, e com isso tiveram que tomar decisões sobre como dar procedência aos métodos de ensino numa tentativa de não prejudicar o ano letivo de seus alunos. Com a impossibilidade das aulas presenciais, que durou meses, houve uma migração em massa das escolas para plataformas digitais, e assim foi adotado o modelo de ensino EAD(Ensino à Distância).

Dentro do horizonte de possibilidades esta parecia ser, de fato, uma das únicas saídas para essa problemática que surgiu. Afinal, cancelar o ano letivo seria impensável isso pois, traria prejuízos não só para as escolas(muitas teriam que fechar) mas também para o desenvolvimento do país. Insistir nas aulas presenciais também era impensável, visto que o governo proibiu essa prática em detrimento do isolamento social, logo, o ensino a distância parecia ser a melhor(e talvez única) opção.

Essa migração não se deu de forma orgânica e natural, como se esperava ou se planejava, isso pois, a migração envolveu diversos problemas, os quais pouquíssimas instituições de ensino estavam prontas para lidar. Muitos professores são fiéis ao método tradicional de ensino, à moda do “quadro e giz” e pouco estão habituados aos modelos online de ensino. Aderir a esse modelo que envolve transformações metodológicas por parte dos docentes e organizacionais por parte das instituições foi dificultosa, muitos profissionais apresentaram resistência para tanto. O mesmo aconteceu com os alunos, embora em nossa sociedade seja perceptível a afinidade com a tecnologia por parte das jovens, a migração para essas plataformas foi custosa, isso pois, como antes dito, envolve transformações metodológicas e organizacionais inesperadas, e assim sendo, lidar com toda uma nova realidade e todo uma nova estratégia de ensino não foi fácil para a maioria dos alunos, muitos apresentaram resistência, o que acabou por dificultar seu aprendizado durante a pandemia.

Essa mudança no formato de ensino trouxe consigo uma série de inseguranças para as instituições e para os profissionais de ensino, há uma preocupação constante no que concerne a conseguir compensar uma possível queda na qualidade de educação, como há também uma preocupação em não conseguir dar conta da grade curricular de ensino. Segundo pesquisas(FERMAU, Jackline. 2020), a forma com a qual esses profissionais vêm lidando com essas questões traduz-se em uma improvisação irrefletida e imatura. Isso porque, a solução aparente é passar ainda mais atividades e matérias, o que acaba sendo o que muitos profissionais têm feito. No entanto, embora seja uma resposta imediata para essa insegurança pedagógica, não é a mais adequada, isso pois, é uma estratégia de ensino que causa impactos negativos na saúde mental dos alunos, estes, por sua vez, além de terem que lidar com o estresse da mudança do método de ensino e com o estresse da pandemia de um novo vírus desconhecido, têm que lidar ainda com o estresse de professores que passam cada vez mais atividades e matérias. O que é extremamente inadequado, visto que o contexto pandêmico de ensino requer novas metodologias pedagógicas e novos métodos avaliativos para dar conta de alunos que não se encontram com saúde mental e disposição suficientes para suportar fatores estressores desnecessários, como é a torrencialidade de atividades que os professores têm enviado.

Nesse quesito, em entrevista para o fundetec(Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul), o médico psiquiatra André Véras atentou para essas questões e comentou sobre o despreparo e a insegurança das instituições de ensino:

[...] durante a pandemia professores e alunos buscam compensar uma possível queda na qualidade do ensino devido à migração para a educação a distância. “Tem se visto que tanto da parte dos professores como da parte dos acadêmicos, acaba havendo, para tentar compensar os prejuízos, um hiper oferecimento ou no caso dos acadêmicos, uma hiper busca por conteúdo. Essa busca tenta sanar uma insegurança quanto a qualidade pedagógica neste contexto. Há uma necessidade improvisada de tentar oferecer os conteúdos e isso, por ser ainda imaturo, produz insegurança. A busca por compensação é excessiva”, esclarece. (FERMAU, Jackline. 2020).

Na mesma entrevista, André Veras fala sobre como essa maneira imediatista de tentar sanar o problema acaba por afetar de maneira negativa a saúde mental dos alunos e alimentar ainda mais a ansiedade:

O esforço, no entanto, pode causar ainda mais ansiedade e estresse. “É nesse momento de uma resposta mais ansiosa a essas dificuldades, com excesso, que acaba se produzindo um estresse acadêmico, um sofrimento ligado ao contexto pedagógico especificamente e que vai retroalimentando uma ansiedade, uma insegurança, experiências de insuficiências e de incapacidades”, relata. (FERMAU, Jackline. 2020).

Desenvolvimento.

É de conhecimento geral que o modelo atual de escola é ineficiente e não dá conta das individualidades de seus alunos. Historicamente falando, o âmago da escola enquanto instituição é reproduzir discursos que permeiam e conservam as relações de poder da sociedade, seu caráter tecnicista é extremamente adoecedor e não abrange as diferentes formas de inteligência e de aprendizado que têm os alunos. Essas questões ficaram ainda mais claras com a pandemia do novo coronavírus e com isso, tornou-se evidente uma necessidade de reformas no modelo de ensino escolar.

Um fator para o qual educadores, pedagogos e psicólogos vêm chamando a atenção é para a necessidade da horizontalização das instituições de ensino. Isso pois, o modelo atual de escola é muito mais opressor do que transformador, a verticalidade da instituição, que se traduz nas relações de poder “direção-professores-alunos” pode ser um fator estressor no contexto da pandemia em que estamos inseridos tanto para os profissionais de ensino quanto para os próprios alunos. A comunicação e a busca por compreensão das dificuldades das partes se faz necessária nesse cenário, onde todas as partes precisam agora, de entendimento e apoio emocional.

Tendo isso em vista, uma pergunta é levantada: Qual a maneira correta de acolher alunos e professores em tempos de pandemia? Talvez essa questão seja tão importante quanto a tentativa de implementação das novas estratégias de ensino, os fatores estressores que envolvem a pandemia e a migração do ensino são, de fato, os principais obstáculos para o aprendizado e a educação dos alunos no contexto atual da sociedade. Como apontado por Érika Dias e Fátima Cunha Ferreira Pinto:

Não podemos esquecer que saúde física e saúde mental andam juntas. A duração prolongada do confinamento, a falta de contato pessoal com os colegas de classe, o medo de ser infectado, a falta de espaço em casa – torna o estudante menos ativo fisicamente do que se estivesse na escola – , e a falta de merenda para os alunos menos privilegiados são fatores de estresse que atingem a saúde mental de boa parte dos estudantes da Educação Básica e das suas famílias. Estimular a solidariedade, a resiliência e a continuidade das relações sociais entre educadores e alunos nesse período é fundamental, pois ajuda a minorar o impacto psicológico negativo da pandemia nos estudantes. Agora, importa prevenir e reduzir os níveis elevados de ansiedade, de depressão e de estresse que o confinamento provoca nos estudantes em quarentena (MAIA; DIAS, 2020 apud DIAS; PINTO, 2020).

Afinal, como ensinar a esses alunos sem cansá-los fisicamente e psicologicamente? Como fazer uma intervenção que seja transformadora e não opressora nesse contexto de pandemia?

Algumas instituições de ensino conseguiram driblar os problemas que emergiram com a pandemia, articulando-se num modelo de ensino horizontalizado, numa tentativa sincera de dar conta da saúde mental dos alunos e das expectativas e limites de seus familiares. A revista Educação explorou em uma matéria este fenômeno na educação em tempos de pandemia, em entrevista com a coordenadora de ensino Bianca Ventura foi discutido sobre o modelo adotado no Colégio Anglo 21, localizado na zona sul de São Paulo.

[...] os canais de escuta e articulação entre a comunidade escolar têm estreitado o relacionamento entre pais e professores, sendo assim, gerando resultados positivos nos estudantes. “Nós fazemos enquetes periódicas com pais e alunos, nas quais conferimos o tempo de dedicação às atividades online, percepção de aprendizagem e sensações, e a partir deste ponto, alinhamos novos combinados em outros fóruns, como reunião de pais e assembleias de classe no formato online. Essas revelações foram fundamentais para que pudéssemos ajustar questões práticas para melhoria das aulas, das avaliações e do acolhimento de modo geral”, afirma. (EDUCAÇÃO, 2020a)

A coordenadora comenta ainda de outras atitudes tomadas pela direção da escola que contribuíram para com o cuidado e com o acolhimento da saúde mental desses alunos nessa instituição de ensino:

A saber, uma das estratégias utilizadas pelo colégio foi montar uma roda de conversa online com a comunidade escolar para debater sobre os diversos temas relacionados ao contexto atual, com foco no fortalecimento do senso de comunidade e pertencimento, o Diálogos 21. “Nossa próxima rodada se chama Como reduzir o estresse durante a pandemia e contaremos com a participação de três mães que vão trazer contribuições das suas áreas profissionais para tranquilizar o dia a dia de alunos, pais e professores. A intenção desses encontros é unir a comunidade escolar, pois sentimos muita falta do ambiente presencial”, explica Bianca. (EDUCAÇÃO, 2020a)

É, portanto, notória a importância de uma comunicação entre os indivíduos que realizam a educação: a direção, os professores, os familiares e os alunos. A fórmula parece relativamente simples: comunicação das partes aliada ao acolhimento das dificuldades, que é o método que instituições como o Colégio Anglo 21 têm tomado. Mas é preciso relembrar que esse é um recorte bastante específico e não condiz com a realidade que presenciamos na maioria das escolas pelo Brasil. Na verdade, parece ocorrer o extremo contrário do que percebemos nesse recorte. Há um déficit gritante de comunicação entre direção e professores, e maior ainda entre professores e alunos. As direções de ensino parecem negligenciar a necessidade de mudança e procuram continuar reproduzindo o modelo tradicional, mesmo na emergência de uma pandemia que requer transformações metodológicas de ensino. Essa negligência do contexto em que estamos inseridos soma-se ao despreparo, à desinformação e à insegurança desses agentes de ensino, o que gera mobilidades e intervenções ineficazes e até mesmo danosas por essas instituições. As direções, por vezes, acabam não dando o apoio emocional e organizacional necessários aos professores e esses se sentem perdidos em como dar conta dos desafios emergentes que encontram com a migração do ensino para as plataformas digitais.

Como apontado em uma matéria pela revista Educação, nos dois primeiros meses da migração do ensino, 83% dos professores não se sentiam preparados para as aulas online, tendo por base a pesquisa do Instituto Península “Sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do coronavírus no Brasil” a revista nos traz dados que são de importante análise:

Desde o meio de março as escolas brasileiras começaram a fechar as portas e uma parcela passou a dar aulas online. Contudo, essa experiência que já dura dois meses aponta que 83%% dos professores brasileiros não se sentem preparados para o ensino remoto e 88% revelam ter dado a primeira aula virtual após a pandemia. (EDUCAÇÃO, 2020b)

A pesquisa reforça o despreparo e a negligência das direções para com os professores, estas, implementaram as novas estratégias de migração do ensino sem dar a preparação, as ferramentas e as tecnologias necessárias para que os profissionais de ensino pudessem dar aulas em boas condições:

[...] os docentes revelam ainda que não tiveram qualquer suporte ou capacitação durante o isolamento social para ensinar fora do ambiente físico da escola (55%), mas que gostariam de receber apoio e treinamento (75%). (EDUCAÇÃO, 2020b)

É inegável: educar em tempos de pandemia é um verdadeiro desafio. E mais inegável ainda é o fato de que as instituições de ensino não estão preparadas para lidar com esse desafio. A partir dos fatos e das colocações citadas no tópico anterior, é possível perceber que a pandemia apenas agravou os abismos educacionais que a instituição escola possui, aumentando ainda mais a desigualdade entre os alunos, a deficiência de ensino e a ineficácia das metodologias tradicionais. A pandemia do Covid-19 denunciou as incoerências da escola enquanto instituição de ensino, onde ela se mostra, muitas vezes, como uma instituição de opressão que muito mais se preocupa em reproduzir modelos tradicionais que são ultrapassados, opressores e ineficazes, do que se mobilizar na tentativa de uma abordagem horizontal. A escola deveria procurar uma comunicação e um entendimento entre os agentes de ensino, para assim, saber tratar das limitações e da saúde mental de professores e alunos, driblando os desafios e obstáculos que a pandemia do novo coronavírus trouxe consigo. No entanto, o que a escola faz de fato é retroalimentar um quadro de adoecimento de seus alunos, não se responsabilizando pelo dano que a sua negligência e despreparo vêm causando a alunos e professores neste contexto de pandemia.

O que os alunos têm a dizer?

Procurando entender, de forma mais aproximada, as afetações dos estudantes nesse contexto em que se encontram inseridos e procurando afirmar as críticas levantadas no decorrer deste ensaio, foram realizadas entrevistas com alunos do ensino fundamental ao ensino médio de instituições de ensino diferentes. A entrevista consiste em três perguntas que procuram dar conta de entender como a pandemia e a migração do ensino afetaram seu aprendizado e sua saúde mental neste período de isolamento social. As perguntas foram feitas a 10 entrevistados e foram realizadas através da troca de correspondências virtuais, respeitando as medidas de prevenção e distanciamento social.

Com a primeira pergunta, buscou-se levantar as considerações dos estudantes sobre como a migração do ensino no período pandêmico e o isolamento social afetaram o seu desempenho escolar e a sua saúde mental, que foram questões discutidas na introdução da pesquisa. Em seguida, procurou-se entender se os alunos consideram que a instituição na qual estão inseridos estão conseguindo cumprir com seu papel educacional durante o período da pandemia, e dando o apoio e o suporte necessário para seus alunos. A última pergunta tenta levantar apontamentos dos estudantes sobre a atuação dos profissionais de ensino, e se essa atuação, diante do período pandêmico, tem sido opressora ou transformadora.

1. Você considera que a pandemia e a migração do ensino para plataformas digitais causaram uma diminuição no seu desempenho escolar? Você considera ainda, que essas questões afetaram a sua saúde mental no período de isolamento social? Comente sua experiência.

Sim, eu acredito que o isolamento social e o estilo de aula ead me deixaram confusa e desatenta, por ser em si uma grande e importante mudança, mas também por causa do modo e momento que esse método foi aplicado, separando você dos seus amigos, mudando a tática de ensino com qual você é acostumado e botando ainda assim pressão para um bom desenvolvimento em meio a tudo que estamos passando, também creio que meus problemas de ansiedade tenham piorado durante esse período,onde eu cheguei até a não conseguir assistir aulas sem ter crises de ansiedade. (E2)

Sim, com as aulas online minha motivação pra fazer minhas atividades, e até mesmo assistir às aulas, diminuiu muito. Minha saúde mental está ótima, mas a sensação de tédio e inutilidade estranhamente aumentou. (E6)

A migração do ensino para as plataformas digitais causaram uma diminuição no meu desempenho escolar. A minha instituição de ensino está exigindo demais de seus alunos, não levando em consideração que estamos em um tempo que nunca tínhamos presenciado e não sabíamos como lidar. Sempre exigi bons resultados escolares de mim e quando notei que o meu desempenho tinha diminuído com a quarentena isso acabou afetando a minha saúde mental. (E1)

Sim, causaram não só diminuição no meu empenho escolar, bem como o desinteresse quase total em participar ativamente da rotina da escola, agora EAD. Num contexto onde mais de 1000 pessoas chegaram a morrer todos os dias, levando em conta problemas pessoais e afins, eu poderia dizer que o Ensino a Distância apenas contribuiu para o aumento da minha ansiedade, instigou meu nível de procrastinação por nos submeter à tarefas e lições repetitivas, e aumentou minha insegurança, por entender pouquíssimo do que me era ensinado. (E3)

Sim, essa mudança causou uma deficiência de aprendizagem para mim durante o isolamento social, já que no começo foi muito difícil meu processo de adaptação no modelo EAD. Desde o começo do isolamento social e do ensino a distância minha saúde mental encontra-se abalada, creio ter ficado mais nervosa e ansiosa com os assuntos passados, junto com uma falta de concentração nas aulas e um desânimo ocasionado por essa mudança súbita. (E7)

Todos os entrevistados sentiram que seu desempenho escolar foi afetado pela súbita migração do ensino e pelo contexto pandêmico inesperado. É muito difícil para esses estudantes saber o que fazer e como lidar com essa situação que estão passando atualmente, comumente espera-se que suas instituições de ensino atentem para o fato de que os estudantes não deveriam cobrar de si uma performance ideal em um período como este, assim como os próprios professores não deveriam fazê-lo, no entanto, percebemos, não é isso o que acontece. Na fala de E2, ela considera como precipitado o modo e o momento em que as novas estratégias de ensino foram implementadas, e de fato foram, como apontado anteriormente, o imediatismo e a insegurança das instituições de ensino, que se viram obrigados a mudar a contragosto suas metodologias de ensino, forçosa e dificultosamente realizaram uma migração para plataformas digitais extremamente precária, e nesse novo cenário não souberam como reavaliar seus métodos avaliativos, continuando a cobrar um desempenho ideal de seus alunos, o que se torna uma intervenção adoecedora e opressora na vida desses jovens. Isso fica ainda mais evidente na fala de E1: “A minha instituição de ensino está exigindo demais de seus alunos, não levando em consideração que estamos em um tempo que nunca tínhamos presenciado e não sabíamos como lidar”. Nas perguntas seguintes, os entrevistados reiteram esse apontamento.

Também é notório o fato de que o contexto da pandemia e a migração do ensino afetou a saúde mental da maioria dos entrevistados. Com exceção de E6, todos os outros entrevistados passaram a se sentir muito mais ansiosos e inseguros com o período pandêmico e com a migração do ensino, em perguntas seguintes veremos que a maneira com a qual os profissionais de ensino e suas instituições de ensino têm atuado durante esse período foi um fator chave para o agravamento do quadro de insegurança, estresse e ansiedade de seus alunos,

2. Você crê que a instituição de ensino a qual você faz parte tem lidado de forma eficaz com a com seu papel educacional no contexto da pandemia? Você acha que a mesma tem dado o suporte(emocional e informacional) necessário aos alunos? Comente sua experiência.

Não. A cada dia os professores têm passado mais tarefas, mais conteúdo, além de cobrar muito mais do que o necessário. (E6)

A instituição de ensino a qual frequento nunca dava o suporte emocional necessário para seus alunos antes deste período da pandemia. Depois que aplicaram o ensino remoto a situação se agravou, e é evidente que a diretoria não está pensando na saúde mental de seus alunos. (E1)

Com certeza nāo. Muitos professores se mostram despreparados com o ensino remoto, e passam mais atividade do que realmente ministram as aulas explicando o conteúdo. Também não há uma comunicação clara entre a direção e os alunos, e as notícias sempre são dadas de última hora, nos deixando mais despreparados ainda. Não há suporte emocional, a direção não se pronuncia sobre isso e a psicóloga da escola fez, até agora, uma única reunião no meet para falar sobre esse assunto. (E4)

[...] eu senti falta em um apoio maior, em um diálogo maior com os alunos, me causando uma certa angústia, como se não tivessem interesse em saber o que achamos de coisas que eles decidem que eu acho que seria interessante nos consultar. (E5)

Absolutamente não. Apenas 3 ou 4 professores têm sido eficazes e ouvintes durante essa pandemia, de forma isolada, puramente por vontade própria. Falando da escola em si, não houve nenhuma ou quase nenhuma demonstração em atos de preocupação referente aos seus alunos e sua qualidade de ensino. Os professores estavam apenas agindo conforme sua personalidade e caráter, exigindo, em sua maioria, coisas que exigiriam apenas num contexto de sala presencial, e que deveria ser repensado dado o atual modo de ensino. Além disso, alguns professores chegaram ainda a passar mais conteúdos e atividades do que o recorrente nas aulas presenciais, demonstrando aproveitarem-se da situação para exigirem mais dos alunos. Também digo que a escola em si não pareceu preocupar-se com a opinião dos alunos, visto que no começo do EAD fizemos reclamações e apenas uma minoria de professores atendeu aos nossos pedidos e concordaram em nos ajudar a melhorar a qualidade de ensino. Os professores também não foram privilegiados, visto que muitos não receberam materiais que receberiam em condições normais, e tiveram que trabalhar mesmo doentes ou com dores de cabeça. (E3)

Todos os entrevistados se queixaram da falta de comunicação e do descaso da direção e dos professores para com a frágil situação em que se encontram. Dos entrevistados, apenas E5 elogiou a atuação dos agentes de ensino na instituição em que estuda, ainda assim, guarda queixas sobre a falta de comunicação da direção da escola com seus alunos. Como E5 disse: “eu senti falta em um apoio maior, em um diálogo maior com os alunos” e essa falta de comunicação, como apontado em sua fala, lhe causa angústia e um sentimento de desamparo, “como se não tivessem interesse em saber o que achamos de coisas que eles decidem”, nesta fala podemos perceber a verticalidade opressiva das instituições de ensino, e como elas são danosas para a saúde mental e bem-estar dos alunos, principalmente no contexto pandêmico. Notoriamente, esse relato parece se relacionar com o de E1, segundo suas palavras, sua instituição de ensino não dava o apoio necessário aos alunos nem mesmo antes da pandemia, situação que veio a se agravar com a adoção do método de ensino à distância. A verticalidade e a falta de comunicação e empatia das instituições de ensino está presente em todas as entrevistas, o que reforça os pontos argumentados durante o desenvolvimento deste ensaio: A escola, enquanto instituição, se preocupa muito mais em reproduzir modelos decalcados de ensino do que em amparar e acolher as dificuldades dos estudantes. A péssima atuação dos profissionais de ensino(professores, coordenadores e diretores) é um fator estressor e adoecedor na vida destes jovens.

A má atuação desses profissionais de ensino fica ainda mais evidente nas falas dos entrevistados E4 e E3. E4 aponta um notório descaso e despreparo da sua escola em lidar com o contexto pandêmico e com as demandas emocionais e informacionais dos alunos. Os professores dessa instituição passam atividades demasiadamente, e, segundo E4, passam mais atividades do que ministram suas aulas. Esse fator estressor é agravado pela falta de organização da direção de ensino, que se mostra ineficiente em dar o apoio informacional e organizacional necessário aos alunos, dando informações e comunicados importantes “de última hora” sobre provas, horários e eventos virtuais. E3 por sua vez, elogia a atuação de alguns profissionais de ensino, que se esforçam na direção de serem mais compreensivos e atenciosos no contexto pandêmico, mas como percebemos em sua fala, estes são a minoria nas instituições de ensino, quando o que comumente se percebe é o extremo oposto. É ainda apontado que em momento algum houve qualquer movimentação de sua instituição de ensino que indicasse uma preocupação para com os alunos, nenhum tipo de instrução, conversação ou convocação. O descaso e a falta de comunicação são perceptíveis, os professores dessa instituição, assim como os professores das instituições dos outros entrevistados, demonstraram seu despreparo para atuar nesse contexto com métodos avaliativos injustos, cobrando dos alunos o desempenho escolar que nenhum deles conseguiria ter diante desse contexto em que se encontram, alguns desses péssimos profissionais de ensino vão ainda mais longe e, segundo E3, estão exigindo ainda mais dos alunos no contexto pandêmico do que exigiam no contexto de antes da pandemia. É ainda apontado que a escola em questão não se preocupa com as demandas dos alunos, visto que diversas reclamações foram feitas e levadas à direção e pouquíssimas dessas queixas foram levadas em consideração pela mesma, apenas alguns professores procuraram atender a essas demandas e modificar suas metodologias de ensino e métodos avaliativos, a instituição como um todo, buscou conservar e reproduzir as metodologias de ensino pré-pandêmicas que, num contexto de pandemia, são injustas e se tornam fatores de adoecimento mental para os alunos. E4 fala ainda da falta de apoio aos professores, onde sua instituição, ao adotar o estilo de ensino à distância, não deu nenhum apoio nesta migração do ensino para os profissionais, não bastando isso, a escola exigiu que esses profissionais trabalhassem em condições desfavoráveis, onde tiveram que ministrar aulas mesmo doentes e cor dores de cabeça.

A pergunta seguinte da entrevista procurou levantar as afetações e experiências dos entrevistados em relação à atuação dos agentes de ensino de suas escolas. A argumentação da pesquisa aponta que a atuação desses profissionais têm sido opressiva e danosa para os estudantes. Como é possível ser visto, as respostas dos entrevistados dialogam com os argumentos defendidos na pesquisa.

3. Como você avalia a atuação dos agentes de ensino(professores, coordenadores, diretores e etc) no contexto da pandemia? Você acha que a atuação desses profissionais afetou seu desempenho escolar e saúde mental? Comente sua experiência.

Avaliaria como confusa. Eles não parecem estar lidando bem com essa situação, não sabem o que fazer exatamente. Afetou minha motivação, por passarem tantas atividades, não consigo fazer todas e acabo me sentindo inútil. (E10)

No geral, têm sido satisfatória, continuam dando as aulas e nos passando trabalhos e atividades, assim como recuperações de nota e fazendo o possível para nos passar conteúdo. Contudo, às vezes, esses trabalhos, testes e tarefas acabam nos sobrecarregando já que não mais passamos o dia todo na escola, tendo outras obrigações a cumprir; esse processo me deixa ansiosa e frustrada quando não consigo dar conta de todas e certamente têm um impacto negativo na minha saúde mental. (E8)

Na minha visão como aluna, o meu colégio está totalmente despreparado. Com uma rotina em que os assuntos são aplicados de maneira muito mais superficial, dezenas de avaliações são exigidas em prazos absurdos, a minha saúde mental foi muito prejudicada e atualmente eu não consigo assistir as aula online sem ter crises de ansiedade. (E1)

Com toda a certeza a atuação de vários professores piorou a minha qualidade de vida em questão física e mental, considerando a carga horária imutável, seguindo à risca o cronograma tradicional do ensino físico, desconsiderando totalmente as dificuldades pessoais que cada aluno e até mesmo professor poderiam apresentar com essa rotina exaustiva e até mesmo desumana. Alguns professores começaram a usar de abuso psicológico leve e implícito para colocar pressão sobre os alunos e obrigá-los a seguirem suas "regras", realizando atividades em todas as suas respectivas aulas, mesmo que a explicação dos assuntos fosse mínima. Alguns alunos, incluindo eu, chegaram a ter crises de choro/ansiedade pela pressão imensa de certos profissionais que não se comportavam assim no ensino presencial, mas tornaram-se imensamente mais autoritários, antipáticos e inalcançáveis durante o EAD. (E3)

[...] eles parecem ignorar as dificuldades que o aluno pode vir a ter, e não demonstram empatia. Com certeza isso afetou a minha saúde mental, porque a falta de consideração é clara e estão sempre buscando uma falsa ideia de produtividade, principalmente relacionando ela com quantidade, e levando os conteúdos em ritmo muito rápido, que dificultam o aprendizado o que, por muitas vezes, faz o aluno se sentir incapaz e invalidado. (E9)

Tais relatos dialogam com os relatos anteriores e complementam o desenvolvimento da pesquisa. E8 foi a única que avaliou positivamente a atuação dos agentes de ensino em sua instituição, ainda assim, atentou para o fato de que muitas vezes, mesmo sob uma atuação positiva, os professores sobrecarregam seus alunos, E8 levanta questões importantes, pouco visitadas anteriormente. Com sua fala podemos atentar ao fato de que a escola não tem conhecimento nem tampouco compreende a situação do aluno no contexto pandêmico, ela atua como se, preso em casa, o aluno tivesse ainda mais tempo para se dedicar às atividades da escola, quando o que acontece na maioria dos casos é o oposto. É justamente por estarem em casa que os alunos se encontram ocupados, alguns têm que cuidar de irmãos mais novos, ou passam a ter que ajudar mais ativamente nas atividades domésticas da casa, alguns precisam ajudar os pais no trabalho, fora uma série de outras problemáticas que surgem com a pandemia e que a escola se esforça para ignorar.

Por sua vez, E9 reitera em sua fala o discurso opressivo da sua instituição de ensino, que impõe um ideal de produtividade irreal, sobretudo no contexto pandêmico, e passa a cobrar e exigir dos alunos esse ideal de forma desumanizada, se preocupando mais com o desempenho escolar dos alunos do que com seu bem-estar e saúde mental. Podemos perceber os efeitos da péssima atuação desses profissionais de ensino de forma mais clara e evidente nas falas de E3 e E1, dentre os entrevistados estas foram claramente as mais afetadas pela atuação insensível dos agentes de ensino. E1 fala como as excessivas tarefas e a cobrança desumana por desempenho aliadas ao descaso e à insensibilidade dos agentes de ensino prejudicaram sua saúde mental, de tal forma que ela não consegue mais assistir às aulas online sem ter crises de ansiedade. Esse caso não é isolado, é um fator alarmante e aponta para deficiências gritantes da instituição escola que devem ser questionadas e denunciadas. E3 relata que alguns profissionais utilizam de abuso psicológico implícito para pressionar os alunos e forçá-los a seguirem suas regras, mais uma vez, passando atividades excessivamente, cobrando resultados de forma insensibilizada, não apresentando empatia ou compreensão, não se preocupando em dar aulas com qualidade. Ela relata que diversos alunos, inclusive ela, e assim como E1, tiveram crises de choro e ansiedade em decorrência de todos esses fatores que essas atuações causaram. Ela aponta por fim, que esses profissionais estão cobrando dos alunos ainda mais do que cobravam no período presencial, se tornando mais antipáticos, autoritários e inalcançáveis.

Conclusão e Considerações.

A pesquisa se mostra importante pois investiga de forma mais aproximada a atuação das instituições de ensino no período da pandemia do novo coronavírus e aponta para a intervenção negativa e adoecedora que essas instituições têm feito na vida dos alunos. Embora o tema da educação e das metodologias de ensino das escolas na pandemia tenha sido muito explorado nesse período, é notório o fato de que muitas vezes as pesquisas e entrevistas nessa área desconsideram as afetações e relatos dos próprios alunos. Neste sentido, essa pesquisa buscou dar voz a estes jovens que se encontram em uma situação fragilizada e delicada, que afetou muito diretamente a sua motivação, o desempenho e sobretudo a saúde mental. Ficou mais claro com as entrevistas que assim como a escola foi um dos nichos da sociedade mais afetados pela pandemia do novo coronavírus. a saúde mental dos jovens tem sido também uma das mais afetadas por essa súbita mudança dos paradigmas na contemporaneidade. Esses fatores explorados realizam mudanças em nossa visão socioantropológica sobre os eventos que ocorrem quotidianamente e alimentam um olhar crítico sobre a atuação das instituições de ensino. Através desses fatos explorados fica perceptível o caráter opressivo e punitivo da escola, que se demonstrou antipática e adoecedora nesse contexto pandêmico. Deste modo, essa pesquisa aponta para o fato de que é preciso questionar a competência das instituições e dos agentes de ensino, isso pois, conclui-se que suas atuações têm sido ineficientes e que reformas nesse âmbito da sociedade se tornaram mais necessárias do que nunca no contexto da pandemia do coronavírus em que estamos inseridos.

Referências.

DIAS, Érika; PINTO, Fátima C. F. A Educação e a Covid-19. Scielo, 2020. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/ensaio/v28n108/1809-4465-ensaio-28-108-0545.pdf>.Acesso em: 12 de nov. de 2020.

EDUCAÇÃO. Como acolher os alunos em tempos de aulas remotas. Revista Educação, 12 de agosto de 2020. Disponível em: <https://revistaeducacao.com.br/2020/08/12/saude-mental-alunos-covid/>. Acesso em: 12 de nov. de 2020.

EDUCAÇÃO. Covid: 83% dos professores não se sentem preparados para dar aulas online. Revista Educação, 19 de maio de 2020. Disponível em: <https://revistaeducacao.com.br/2020/05/19/covid-professores-aulas-online/>. Acesso em: 12 de nov. de 2020.

FERMAU, Jackline. Pandemia impacta diretamente na saúde mental dos estudantes. Fundetec, 2020. Disponível em: <https://www.fundect.ms.gov.br/pandemia-impacta-diretamente-na-saude-mental-dos-estudantes/>. Acesso em: 11 de nov. de 2020.

Raul Brasil
Enviado por Raul Brasil em 17/11/2020
Código do texto: T7113418
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