A QUALIDADE DE ENSINO EM ANGOLA: documento certo, artigos errados

São vários os factores que concorrem para a falta de qualidade de ensino num determinado país. Podemos aqui citar, entre os vários que existem, a remuneração miserável dos professores.

Há outros factores que, sem dúvida alguma, também subtraem qualidade naquela área, entretanto, queremos aqui olhar para um aspecto em torno do qual também nos parece ser urgente reflectir: a adopção do sistema de ensino monolingue num Estado claramente plurilingue.

No artigo 16.° da Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino (LBSEE), lê-se que o português é, em Angola, a única "língua de ensino". Dito de outro modo, o Estado angolano reconhece, por meio desse documento, unicamente a Língua Portuguesa como veículo de transmissão de saberes nas escolas públicas e privadas.

Diante disso, uma pergunta em particular não se deixa abafar: quais implicações pedagógicas essa Lei traz para o estudante da escola angolana?

Desde o remoto século XV, a Língua Portuguesa, em Angola, partilha o mesmo espaço com outras línguas, as quais recebem o estatuto de línguas nacionais. Porém, apesar do contexto plurilingue do país, o português continua a ocupar um papel de exclusividade no ensino (só para citar um caso), ou seja, continua a sobrepor-se às demais línguas, e, até ao momento, não se verificou, pelo menos não em termos concretos, um pronunciamento explícito dos ministérios responsáveis pela estruturação de políticas linguísticas (existe?) e educativas no país sobre as vias legais que se devem tomar, com a urgência que a situação exige, para a regularização desse fenómeno que já idade avançada tem.

Em Angola, segundo os dados do censo de 2014, há cidadãos, sobretudo nas zonas afastadas das grandes cidades, que não falam o português.

A título de exemplo, queremos aqui destacar Luquembo, um dos municípios da província de Malanje, que é composto por áreas, como a comuna de Capunda, mormente o sector de Caionde, onde os estudantes não têm o português como língua veicular, e a actual LBSEE simplesmente desvaloriza esse facto importante, que é geral.

Na nossa opinião, esse fenómeno, apesar da desatenção que tem recebido das entidades responsáveis pelo ensino no país, acaba por influenciar na qualidade de ensino e, até certo ponto, no plano cognitivo do estudante angolano, uma vez que, fora do contexto escolar, não é a Língua Portuguesa que ele utiliza para traduzir a sua realidade material e espiritual e, também, pelo facto de o ensino estar a ser efetivado numa língua que não acompanha a realidade de muitos, como veremos no parágrafo a seguir.

Dentro da sala de aula, o estudante aprende, na aula de Língua Portuguesa, um conjunto de regras gramaticais que não influem na sua vida diária, facto que o leva a esquecer-se delas vertiginosamente.

Por aprender numa língua estranha, como o é o português para 28, 9% da população angolana, segundo estatísticas de 2014, ele sente-se estrangeiro no seu próprio país, e o ensino deixa de ser significativo, já que o estudante se torna neutro na actividade pedagógica.

E, sobre a pergunta inicial que se fez acima, vale olharmos também para alguns estudos ligados à aprendizagem das línguas. No entender de alguns especialistas, quando o indivíduo "recebe a sua educação formal na sua L1 nas classes iniciais e transita [...] para os conteúdos académicos na L2,[...] aprende a língua segunda com facilidade" (Fernando, 2020, p. 191).

Por outro lado, Hagège (1996) assevera que a educação é significativa quando se tem, entre as línguas consagradas para o ensino, pelo menos uma que seja materna do estudante, pois, deste modo, a transmissão dos saberes respeitará os aspectos socioculturais e linguísticos ligados a ele.

Com base em tudo isso, depreende-se que, para um país plurilingue, o sistema de ensino que melhor se adequa à sua realidade é o bilingue, por este reflectir melhor as realidades sociocultural e sociolinguística do estudante.

Recomendamos, portanto, que o artigo apresentado anteriormente, 16.°, da Lei 17/16, seja revisto, (re)analisado e adaptado à realidade do estudante da escola angolana, que é constituída por um conjunto de manifestações linguísticas.

Famoroso José
Enviado por Famoroso José em 14/12/2021
Reeditado em 26/12/2021
Código do texto: T7407460
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