NAQUELE DIA ELE VOLTOU

Aquela era uma segunda-feira não mais como as outras.

O veículo que o levaria até à escola havia passado em frente à sua casa para ir pegar outros alunos e depois, na volta pegá-lo. Esse era o itinerário natural de todos os dias, mas as coisas costumam mudar...

Sua cabeça estava um turbilhão, confusa entre por que aquilo acontecera e como seria de agora em diante. Será que um dia tudo voltará a ser como antes?

As incertezas, às vezes, nos entristecem, deixam-nos inseguros. Ele adorava brincar com o pai, fazer peraltices, ser carregado no colo, jogar bola, andar de bicicleta, correr de pé no chão, mas a partir do dia anterior já não tinha mais certeza do que sentiria e como preencheria o vazio que se fizera, então.

Diante das dores, sentimo-nos sozinhos e a pessoa mais infeliz do mundo, e nada nos apruma. Queremos que o chão se abra e que nos engula e só queremos sair quando tudo estiver passado. Por favor, não me acorde antes de tudo terminar...

Tudo havia começado com um gole, uma tragada, numa roda de pessoas, não de amigos, onde ele pensou que já que era lícito, também podia; já que outros fazem eu também posso fazer, esquecendo-se de que tudo nos é lícito, mas nem tudo nos convém. Em alguns casos, acompanham ou querem ser acompanhados para contaminar ou serem contaminados, viciar ou serem viciados, sofrer ou ter sofrimentos.

Nem toda companhia é um amigo.

Nem todo acompanhante é uma boa companhia.

Nem tudo que brilha é ouro.

Nem tudo que é belo é divino.

Nem tudo que é bom faz bem.

Mas nunca é tarde pra dizer não. Sempre é tempo de recomeçar.

O veículo já estava voltando para o transportar. Parece que demorou muito mais que os outros dias. É a teoria da relatividade. Ele volta para se despedir do pai e lhe dar um abraço, o abraço de sempre, mas o pai não estava mais naquela sala para abraçá-lo. Consumira uma droga lícita e fora consumido por ela. Um destruiu o outro e juntos destruíram sonhos. A morte havia tirado daquela criança o abraço de sempre, o pai amigo, o abraço antes de ir para a escola como comumente fazia. Ele entra no carro, vai para a escola, mas a escola não era mais a mesma. Tudo se movia sem sair do lugar.

Quem vendeu?

Quem induziu?

Quem indicou?

Quem aceitou?

São muitos cúmplices, vasto enredo, estranha trama. Cúmplices de um fragmento de vida que destrói uma vida inteira..

Naquele dia ele voltou, mas ele não estava mais lá.

Drogas: Um caminho com longas voltas e uma curta despedida, sem mais abraços.