Histórias deseducativas: a revista Nosso Amiguinho

Quem era criança nos anos 80 certamente pelo menos ouviu falar da revista Nosso Amiguinho, publicada pela Casa Publicadora Brasileira, que é uma editora pertencente à Igreja Adventista do Sétimo Dia. A revista fez parte da infância de muitas pessoas por causa dos seus conteúdos educativos, falando de história, geografia e valores morais e cívicos. Porém, sendo uma revista adventista, ela defendia o criacionismo e criticava a teoria da evolução de Darwin. Em várias histórias, protagonizadas ou pela turma do Noguinho ou por outros personagens, sempre se pregava que a teoria evolucionista não merecia crédito.

Uma destas histórias é O caso dos ossos pré-históricos, protagonizada por Noguinho e pelo resto da turma. Nesta história, a professora de ciências da turma está doente e um cientista, chamado Dino, vai dar aulas como professor substituto. Esse cientista se gaba de ter achado ossos de dinossauro e defende o evolucionismo. As crianças dizem que não entendem como alguém pode não acreditar que Deus é o criador do universo e, numa visita que fazem à professora gripada, contam sobre o que pensam a respeito do professor. A professora então diz que tudo “começou com um homem chamado Darwin”, que surgiu dizendo que todas as espécies eram resultado de uma evolução e que inclusive os seres humanos também eram fruto de um processo evolutivo. A turminha não se conforma e resolve que vai falar com o professor. Chegando à casa do professor Dino – que parece uma casa de filme de terror – a turma acaba espionando pela janela e descobre uma máquina que produz ossos falsos. No fim da história, o nome do professor sai como o de um farsante e a turminha conclui que tudo aquilo prova que nós somos fruto da criação de Deus.

Vamos analisar a história com clareza. O que a mentira do professor prova? Prova que a teoria da evolução é uma farsa? Não, prova apenas que o professor mentiu. A farsa de uma pessoa é suficiente para desmontar toda uma teoria, sujar o nome de Charles Darwin e desmerecer todas as descobertas feitas no campo da paleontologia? Uma história dessas é um belo exemplo de desonestidade intelectual. Cada dia mais surgem mais evidências de que as outras espécies e nós mesmos somos fruto de um processo evolucionário e um belo exemplo é o fato de que foi provado que nosso DNA é cerca de 90% similar ao dos chimpanzés. Imaginemos que alguém afirma que descobriu evidências de uma civilização extraterrestre e depois fica provado que a pessoa tinha mentido. A mentira dessa pessoa não é suficiente para mostrar que não há civilizações extraterrestres. Do mesmo jeito, a revista Nosso Amiguinho agiu de forma desonesta, tentando desmerecer a paleontologia, descobertas feitas no campo da evolução e até mesmo da genética.

A revista agiu de forma tendenciosa, atacando a ciência para defender o ponto de vista criacionista. Na vida real, não são poucos os religiosos defensores da teoria criacionista que tentam atacar o ensino de ciências nas escolas. Entretanto, como sabemos bem, contra fatos não há argumentos e, se a ciência tem até agora conseguido encontrar mais evidências que comprovam a teoria de Darwin, não há crenças que consigam provar que as descobertas científicas são mentiras falaciosas. Há quem pergunte: “mas você prefere acreditar que descendemos do macaco e duvida que somos fruto da criação Divina? “ Não é questão de acreditar, mas de aceitar. Se está mais do que provado que somos primatas e parentes do macaco, nossas crenças não mudarão esse fato. Além disso, Darwin nunca disse que viemos do macaco, mas que o ser humano e o macaco tinham um antepassado em comum.

Outro desrespeito da revista foi desconsiderar que Darwin era um cientista sério, que chegou às suas conclusões após anos de estudos e observações. A maneira como a história o colocou ¬ - como se ele fosse um simples aventureiro - foi mentirosa e inconsequente. Não se pode tentar desmentir alguém que lança uma teoria com bases em crenças. Se se quer contestar quem defende uma teoria isso tem que ser feito com base em fatos e evidências críveis devidamente comprovadas. E, até agora, não surgiu ninguém que tenha conseguido provar que Darwin estava errado ou que sua teoria era uma fraude.

Assim sendo, vamos ser honestos intelectualmente e nos perguntar como se pode chamar uma história como a analisada neste texto de educativa. Esse tipo de história é um desrespeito a todas as descobertas científicas feitas no campo das ciências naturais. E isto não é tudo porque sabemos bem que há pessoas que defendem o ensino religioso nas escolas e acreditam piamente que o mundo foi criado em sete dias, o homem foi feito do barro e a mulher gerada a partir de uma costela. Tomemos cuidado com isso.