VIRÁ, DESTA VEZ, O SEXTO CANECO?

Sérgio Martins Pandolfo*

“Vuvuzelas prometem tirar a paz dos adversários da África do Sul”.

Manchete dum jornal da paulicéia.

Nosso sempre querido e jamais esquecido Garrincha, em sua primeira Copa (1958), quando o Brasil sagrou-se campeão e recebeu o tão disputado troféu da FIFA, saiu-se com esta: “Tanto esforço por causa de um caneco?”. Pois é. Desta feita nossa intenção é conquistar o sexto “caneco”!

Seguidamente os habitantes deste patropi somos tidos como exagerados: ou apregoamos ser os melhores do mundo em algum aspecto ou, reversamente, nos proclamamos os de mais acentuada negatividade em outros setores. Tudo em função do animus de nossa gente no momento, ou do problema em causa.

Este mês de junho, todos sabemos, ocorrerá, na África do Sul, mais uma Copa do Mundo e, como aconteceu em todas as outras, o Brasil estará lá (salvo engano ou exagero somos o único país a disputar, porque sempre classificado, todos os torneios) e, a redizer o sempre lembrado e atual Nelson Rodrigues, lá estará “a Pátria de chuteiras”. O brasileiro transporta-se, como num sonho, para onde vão ou estão os craques canarinhos a defender o nome e o prestígio do País.

Neste aspecto, não há ponta de dúvida, somos mesmo os melhores do mundo: no assim chamado esporte bretão (?). Somos a única nação a ostentar cinco estrelas na gloriosa camisa “canarinha”. Pentacampeões mundiais de futebol e, consequentemente, único esquadrão que poderá – e é franco favorito para tal proeza! – sagrar-se Hexa. Parece um sonho, mas é real et pour cause o brasileiro há já algum tempo “só pensa naquilo”. Há pelo menos dois meses que o verde e amarelo impera e campeia por todos os lados e ocupa todos os espaços, presentes em itens os mais variados, como camisas, calções, sapatos, lenços, bonés, bandeirolas, chaveiros, bolas, adesivos, tatuagens, tênis, camisetas, pulseiras, apitos, pandeiros, roupas “de baixo”, rótulos de bebidas e até preservativos, ademais da beleza da ornamentação urbana. Todas as ruas, em todos os rincões deste pernil brasílico, sejam centrais ou nos mais alonjados arrabaldes recebem pintura alusiva e alegórica em seus leitos, além dos indefectíveis cordões com fitinhas verdes e amarelas, milhões delas, que são afixadas à custa e exclusivo labor dos moradores dessas vias e vielas, que se esmeram e disputam os melhores efeitos. É uma festa para os olhos e para o coração, que se precisa cuidar para não parar. Sente-se o orgulho e a brasilidade do povão à flor da pele, que a todos nós contagia.

Nosso patriotismo, tão duramente posto à prova nestes tempos de CPIs, “Arrudagate”, mensalões, valeriodutos, rebeliões nas penitenciárias e febéns, violência urbana e outros que tais, se acendra e inflama com a perspectiva de mais uma vez sermos campeões mundiais de futebol. Os jogadores convocados, aqui e “no estrangeiro”, são guindados a salvadores da pátria e os cento e noventa e três milhões de técnicos e mais um se esmeram em elogiá-los, compará-los, confrontá-los, escalá-los. Nossa onzena não tem outra que se lhe equipare. O técnico oficial (selecionador) é o mais competente! (conquanto sempre haja controvérsias, non e vero, Dunga?). “Hinos” são criados e cantados a cada Copa. Com o brasileiro não há quem possa! E essa onda vai num crescendo avassalador, enquanto o escrete estiver ganhando ou, pelo menos, não perdendo. Os nacionais esquecem suas vicissitudes, suas agruras do dia-a-dia, de causas várias, estufam o peito e passam a jogar todas as suas esperanças numa possível vitória final auriverde.

Cremos ser esse exagero de brasilidade altamente salutar e compensador. Por força de suas conquistas e da inquestionável – e inigualável – categoria de seus craques, que por esse fato estão em toda parte, compondo ou dirigindo clubes do mundo inteiro, o Brasil torna-se popular e reconhecido em todos os sítios deste terráqueo planeta. Nossa gente e nossa fama levam a cultura nacional urbi et orbi. Nossa língua, principalmente (muitos têm que enrolar as suas para falar a nossa), mas também nossos hábitos e costumes, música, culinária, indumentária, enfim nosso “jeitinho” brasileiro. Somos reconhecidos, mundo afora, por nossa simplicidade sem afetação, a convivência harmônica e feliz de craques de todos os matizes cutâneos (exemplo para um mundo em que o racismo ainda é uma chaga, em especial para o país-sede da competição) e todos os sotaques regionais (o “carioquês”, o “parauarês”, o “pampiano”, o “mineirês”), verdadeira “invasão de outras praias”.

Durante a fase de concentração pré-campeonato e por ocasião dos jogos oficiais, o nome, as coisas e a gente deste imenso torrão verde e amarelo “e bonito por natureza”, como cantou Simonal, são levados a todos os cantos do mundo, graças às transmissões televisivas, às ondas de rádio e à instantaneidade da Internet. O Brasil cresce e aparece. A alegação de que o País pára nos dias de jogos da Copa não é verdadeira ou absoluta. Milhões de outros afazeres e labores são criados ou ampliados durante a competição oficial. As indústrias produzem a todo vapor nos intervalos para suprirem a demanda aumentada. Inúmeras funções e ofícios são criados. Bares, restaurantes, casas de espetáculos aumentam suas atividades em função da clientela maior, de forma que o somatório disso resultante suplanta, de longe, o que aparentemente cessa ou encolhe. Há democracia, crescimento e repartição de renda.

Contudo - e acima de tudo! - a preparação febricitante do brasileiro para a Copa permite demonstrar aos povos deste rotundo Globo “que somos o último país feliz do mundo” como o definiu o cineasta Franco Zeffirelli, cordial, pacífico, engenhoso, além do sabido e cada vez mais evidente demonstrativo de desenvolvimento cultural, científico e social, que nos põe hoje em lugar destacado como uma das maiores e mais importantes nações do planeta. A pretérita aleivosia que nos era imputada desairosamente por países ditos “de primeiro mundo”, de que éramos tão somente o país do carnaval e do futebol tem sido clamorosamente desmentida e todos eles, para usar aqui uma expressão muito apropriada e feliz do Zagalo, “vão ter que nos engolir”.

Ah...! Íamos esquecendo: a supradita vuvuzela nada mais é que uma corneta danada de barulhenta, com cerca de um metro de comprimento, tradicionalmente usada por torcedores da pátria de Mandela em jogos de futebol pelo Continente Africano. E outra novidade: a Jabulani (significa celebração em zulu), especialmente concebida e fabricada para este torneio, será a bola oficial adotada pela FIFA para a Copa 2010. Entusiasmado e confiante, até compusemos a trova:

Nesta Copa a Jabulani

vai rolar para o Brasil;

que a vuvuzela proclame

e o hexa venha a mil!

Por ora só nos resta torcer e esperar pelo caneco!

-------------------------------------------------------------------------------

(*) Médico e Escritor. SOBRAMES/ABRAMES

E-mail: serpan@amazon.com.br - www.sergiopandolfo.com

Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 08/06/2010
Reeditado em 08/06/2010
Código do texto: T2308372
Classificação de conteúdo: seguro