Dois Jogos, Dois Brasis, Uma Grande Vitória e Uma Trágica Derrota

Este ano comemorou-se 61 anos de dois eventos futebolísticos muito importantes e que marcaram muito para o Brasil, tanto a Seleção como o quase centenário clube de Pelotas, a cidade que adotei como minha.

Em âmbito nacional, foi o famoso "Maracanazzo" uruguaio que desgraçou milhões de brasileiros na Copa realizada aqui no Brasil e em âmbito regional, houve um daqueles clássicos empolgantes entre o Brasil e o Pelotas que decidiram o título citadino no mesmo dia do jogo.

Para marcar essas datas importantes, reescrevo um dos trechos do meu livro A História dos Bra-Péis que fiz com o companheiro áureo-cerúleo Sérgio Osório há quase três anos atrás e que tem um título bem interessante:

O Bra-Pel da Dupla Tragédia (Alegria para os Xavantes) – 1950:

Naquele ano houve um clássico que, por coincidência, realizou-se no dia da decisão da Copa do Mundo entre o Brasil e o Uruguai no estádio do Maracanã. E realmente o Brasil ganhou. Mas não foi o time de branco (Somente em 1952 o Brasil começou a utilizar a camisa amarela) e sim o rubro-negro, que se sagrou tri-campeão pelotense em cima do seu maior rival, cuja partida foi realizado no campo do Bancário (Estádio Getúlio Vargas).

Nesse caso, podemos dizer que o rubro-negro fez os seus torcedores felizes em dose dupla devido ao fato de meses antes, ter derrotado a Seleção Uruguaia em pleno estádio Centenário por 2 x 1, provocando uma crise no Selecionado Uruguaio que forçou a várias mudanças. E estas fizeram com que a Celeste Olímpica sagrasse campeã mundial de futebol.

Para descrevermos sobre esse empolgante jogo, temos o artigo do jornalista José Luiz Allgayer Mendonça intitulado Minha Dupla Tragédia no 16 de Julho de 1950:

“Para mim e para muitos dos meus companheiros de torcida foram dois acontecimentos fatais, funestos e por isto mesmo trágicos. Aconteceu no verdor dos meus 15 anos, no viço de minhas emoções mais autênticas, exacerbadas e não raro, incontroláveis. E eu chorei como se o mais precioso dos gestos fosse o pranto e não o riso. Tudo porque senti na carne e no coração os efeitos de dois acontecimentos esportivos, ambos ocorridos no tristemente inesquecível 16 de Julho de 1950. Naquele dia aguardava-se com nervosa expectativa duas decisivas partidas de futebol: uma quando se conheceria no estádio do Clube Atlético Bancário o campeão pelotense do ano, no clássico Bra-Pel e a outra no estádio Municipal do Maracanã, quando jogariam Brasil e Uruguai pela decisão da Copa do Mundo de 1950.

Naquele tempo não havia televisão no Brasil e o instrumento onde nossas emoções esportivas ficavam confinadas em uma pequena caixa metálica onde locutores vibrantes, nervosos e via de regra exagerados, nos traziam acontecimentos dos gramados de futebol: o rádio.

Munido do meu radinho de pilha e na companhia de alguns amigos do peito dirigimo-nos ao estádio do Bancário, cientes, de que para não perdermos nenhum desses dois espetáculos maiúsculos, a Liga Pelotense de Futebol instalaria, como de fato fez, vários alto-falantes espalhados á margem do campo, a fim de que os olhos e os ouvidos do público nada perdessem da dupla festa.

É verdade que em relação a Copa do Mundo todos os brasileiros já antecipadamente haviam colocado no peito sua simbólica faixa de campeões mundiais. Afinal o Maracanã, na sua majestade de maior estádio do mundo, estava a espera da hora em que se tornaria o panteão especialmente construído para ungir a glória dos heróis nacionais. Quem ousaria resistir ao Brasil dentro desse templo e enfrentar a mais vasta torcida jamais reunida no mundo? È o que nos diz Paulo Perdigão em sua obra “Anatomia de uma Derrota” – (BPM Editores).

Mas em relação ao Bra-Pel as coisas se dividiam já que tanto Pelotas quanto Brasil levaram ao estádio sua lotação máxima, pintando o estádio do Bancário de azul e amarelo e de vermelho e preto, proporcionando uma bilheteria de CR$ 44,500,00, um recorde na época. Tentei o pavilhão social, onde se comprimia a torcida áureo-cerúlea, mas tudo em vão. O estádio estava tão lotado que não cabia sequer uma mosca. Não me restou outra alternativa se não escalar com sacrifício, o muro relativamente baixo que delimitava a goleira de entrada do campo e nele, equilibrado precariamente, tratar-me de manter sentado com o radinho na mão. O jogo da Seleção começou primeiro as 14 horas e 55 minutos.

A torcida pela Seleção estava forte: movimentou a bola Ademir de Menezes para Jair da Rosa Pinto que a atrasou para Bauer. Bauer na frente para Zizinho, mais a frente para Ademir de Menezes que devolve a Zizinho. O “mestre Ziza” progride, atrai Schiaffino e o dribla e passa a bola para o Queixada (apelido de Ademir) que é desarmado por Matias Gonzalez. Ele lança para Miguez que chuta em cima da zaga e consegue o primeiro escanteio do jogo. Logo a Seleção Brasileira retoma a posse de bola e começa a fustigar a defesa inimiga, conseguindo três escanteios em seqüência.

O panorama do primeiro tempo era a de domínio total do time brasileiro tanto que a primeira defesa do goleiro Barbosa só se dá aos 10 minutos do primeiro tempo e assim com relativa facilidade.

De repente estremece o estádio do Bancário: o Brasil entra em campo e é recebido por entusiasmo com sua torcida e logo em seguida, era a vez do Pelotas ser recepcionado por sua torcida com rojões e bandeiras, sendo respondido da mesma forma pela torcida do Brasil.

As duas equipes vieram com seus uniformes tradicionais. O Brasil com sua camisa vermelha, calções pretos e meias brancas e o Pelotas com sua tradicional camiseta azul com gola amarela, calções brancos e meias brancas com barra azul-ouro.

Agora as atenções gerais estão praticamente concentradas no clássico Bra-Pel. O jogo começa e os ataques se revezam de lado a lado. As defesas vão aos poucos tomando conta dos atacantes adversários e o jogo de meio-campo é o termômetro de um verdadeiro equilíbrio de forças. O jogo parece se arrastar para um justo empate sem gols.

No Maracanã termina o primeiro tempo com um surpreendente zero a zero. Mas as estatísticas favorecem o Brasil que chutara 17 vezes ao gol do extraordinário Roque Máspoli, ao passo que os uruguaios só tinham conseguido chutar seis vezes ao gol de Barbosa.

As 16 horas começa o segundo tempo de Brasil e Uruguai enquanto que o clássico Bra-Pel seguia indefinido ainda no primeiro tempo.

Então acontece o previsto: Zizinho lança o ponta-direita Friaça aos 2 minutos do segundo tempo. Ele invade a área uruguaia pela direita e com um chute forte faz a bola morrer no fundo das redes de Máspoli. O Maracanã estremece e começa a comemorar o campeonato do mundo já que um simples empate basta ao Brasil para tornar-se campeão.

Aqui começa o segundo tempo e o Brasil empurrado por sua fanática torcida, torna-se mais agressivo. Darcy, Manoelsinho e Galego provocam pânico na área do Pelotas com tabelas bem feitas acabando com chutes perigosos de Mortosa que todos sabem tem um morteiro em sua perna direita. Joãosinho vê-se obrigado a grandes defesas para garantir o empate e a torcida do Pelotas, por sua vez, parece pressentir o perigo e já não vibrava como antes.

Finalmente o que muitos áureo-cerúleos temiam acontece: aos 10 minutos, Darcy e Galego tabelam na área do Pelotas, Damião rebate fraco e Galego, sempre oportunista, chuta colocado no canto esquerdo de Joãosinho, abrindo a contagem. A massa xavante delira, os foguetes voltam a espoucar e as bandeiras rubro-negras tremulam, agitadas por uma multidão ensandecida no clímax da euforia. O Pelotas sente o impacto do gol e não consegue se articular por um bom tempo no jogo, do que se vale o Brasil para adonar-se do campo. Os poucos cruzamentos para Pacheco, que era um bom cabeceador, são uma a uma anuladas pela eficiente marcação do zagueiro Taboa e as avançadas do ponta Bentinho são contidas pela técnica de Tavares, um gigante em campo. O árbitro, o inglês Mr.Barrick, contem com firmeza as jogadas mais violentas de ambos os lados. Não é a toa que é considerado o melhor juiz em ação no futebol gaúcho.

No Maracanã, nuvens negras começam a inquietar o torcedor brasileiro quando o grande Obdúlio Varela abre na ponta direita para Ghiggia. Bigode tenta cortar de carrinho e falha lamentavelmente. Ghiggia cruza na área, Schiaffino emenda de primeira e é o gol de empate uruguaio aos 21 minutos do segundo tempo.

No estádio do Bancário a conquista uruguaia não chega ainda a preocupar, mesmo porque o Bra-Pel mantem-se acirrado, com o Pelotas agora tentando de todas as maneiras o gol de empate.

Até que a primeira tragédia ocorre no Maracanã: Miguez e Júlio Perez tabelam e este último lança em profundidade para Ghiggia. Este corre em direção a linha de fundo, Barbosa não sabe se o ponteiro vai cruzar outra vez e abre um pouco o seu ângulo esquerdo. Ghiggia não hesita e chuta quase sem ângulo, marcando o segundo gol ,virando o marcador e desgraçando toda uma geração de torcedores brasileiros. Alguns anos depois, ele diria uma frase lapidar: “Apenas três pessoas com um único gesto calaram o Maracanã com 200 mil pessoas: Frank Sinatra, o Papa João Paulo II e eu”.

No estádio do Bancário meu coração recebeu seu segundo impacto: Mr.Barrick dirige-se ao centro do campo e com as duas mãos para o alto dá por encerrada a partida. O Brasil tornou-se tri-campeão pelotense.

Lágrimas brotaram soltas de meus olhos, sem nenhuma vergonha. Foi o meu grande sonho de adolescência que desvanecia naquele momento. E estas se tornaram mais amargas ainda quando estarrecido, vi após o jogo um jogador do Pelotas que acabara de perder o campeonato, dar pulinhos de satisfação no campo: o ponta-esquerda Tejera, o uruguaio do clube".

MarioGayer
Enviado por MarioGayer em 30/07/2011
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