O futebol como mercadoria

Que o futebol é uma paixão nacional não tenho dúvida, mas daí falar que o Brasil é o país do futebol me parece um exagero nas partes e no todo. O futebol no Brasil certamente teve grande espaço e reconhecimento no final dos anos de 1950, nos de 1970 e foi relembrado na década de 1990 nos tempos do técnico Telê Santana. Tratava-se de um futebol diferenciado, romântico até, e jogado por craques, onde se valia mais a arte do drible e de um gol do que a do ganho simples e feio do jogo. Atualmente, o futebol não é o que se espera ou se esperava dele.

O esporte inventado pelos ingleses, em primeiro lugar, não é mais de craques. Hoje vemos bons jogadores que correm como doidos, levam a bola com patas fortes e possuem um físico invejável. Raras vezes não saíram de clubes organizados que de olho no capital de pernas tratam logo de ganhar dinheiro através do corpo do jogador, o qual, com muitas dificuldades conseguiu um lugar de destaque. Lugar de poucos e para poucos, em contraste direto dos muitos esquecidos pelo tempo. Machucados dos joelhos aos pés e dos joelhos à cabeça, sabe-se que a maioria convive com micro e macro contusões, sem falar da curta e frágil vida útil como jogador profissional. O fato é que o tempo joga contra o atleta de futebol, bastando para isso que se chegue aos 30 anos para ser considerado velho e passível de “pendurar as chuteiras”. Neste mundo da juventude potente e hedonista muitos jogadores ficam no caminho e os que persistem e alcançam o destaque serão com o tempo lembrados com nostalgia.

Outro ponto importante no futebol moderno é que o menos interessante é o jogo com a bola rolando, principalmente para aqueles que vivem da produção de cada partida, os famigerados "cartolas". Salvo um jogador que se aventura em dribles o que interessa no futebol é o mundo da publicidade alimentado que é pelo mercado de jogadores que movimenta muito capital. O esporte nada mais é nos dias de hoje que um grande espetáculo de marcas, produtos e estilos globalizados pelas empresas multinacionais. O jogador e o jogo de 90 e poucos minutos é somente a atração. É a minhoca na ponta do anzol. A Helena de Tróia ou gladiador à espera da morte. Daí a importância de muitos jogadores irem para o exterior. Lá eles são reconhecidos e apesar das bananas e do sofrimento calado não deixam de ganhar um bom dinheiro. Mas nada que não seja efêmero.

Por último, e para não render muitas linhas em tempo de copa é importante indagar que, se o futebol tem dono, como pode ser dos brasileiros e produzir orgulho e amor? A revista Veja trouxe na edição de 14 de maio do presente ano que 452 milhões de reais foi o faturamento da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) em 2013. Descreve que é o maior faturamento da história da organização que é totalmente privada. Segundo a revista, o presidente Jose Maria Marin, presidente da empresa, aumentou sua arrecadação em 277% desde o ano de 2007. Detalhe importante, 278 milhões de reais da empresa vieram de patrocínios de grandes empresas, talvez a maior fonte de renda da organização. É justamente por isso que se é o João, o Pedro ou o Antônio que estão jogando pouco faz a diferença. Dito de outro modo: o futebol, como tudo neste mundo, está nas mãos de organizações poderosas, muitas são multinacionais, como o Barcelona, por exemplo. É óbvio, tal como reza a cartilha do mercado, que os proprietários do futebol (por ressonância também quem vive dele) não desejam dividir o tamanho do bolo. A copa é somente a cristalização de tudo isso. Mostra a coisa tal como é. As mercadorias correm de lá para cá e muitas delas - o que é até sensato - sonham com dias melhores, com patrocínios milionários, times reconhecidos e, se tudo der certo, carreira em uma boa organização que seja da Europa porque jogar na América Latina ou na África é permanecer na periferia do espetáculo do futebol. Na periferia é muito mais difícil virar “celebridade”, mas é fácil cair no ostracismo ou virar político de segunda divisão.

Mas o fato é que ver um jogo de futebol é muito bom. Se for de copa do mundo, melhor ainda. As crianças ficam emocionadas, os idosos mais soltinhos e sábios e os adultos, tanto homens como mulheres se tornam verdadeiros técnicos. Todavia, não atrapalha ter a consciência de que os clubes, as confederações e as federações - com tentáculos na política e no governo – são monopolizadas por donos do futebol. Pouco ou nada é compartilhado. Nos dias de hoje o que certamente valeria à pena é a torcida para que os jogadores desse belo esporte, especialmente no Brasil, não fiquem somente em algumas mobilizações para melhorar a distribuição de jogos. Vamos torcer para que os jogadores tomem as rédeas do jogo; passem pelo complexo processo de organização e luta por direitos, fundação de sindicatos, cooperativas e que façam um gol de placa na participação dos lucros e dos resultados. Do jeito que as coisas andam a maioria está perdendo de goleada e uma mudança tática pode pelo menos levar o jogo para o empate.