Inimigos do esporte

Nacib Hetti

A recente invasão do CT do time do São Paulo, com a agressão de atletas, nos remete para uma época quando a civilidade reinava nos estádios. Contra todas as expectativas de evolução da educação social, está havendo uma regressão civilizatória nos campos de futebol. Na invasão em pauta, além da agressão, os “torcedores” roubaram diversos objetos do clube e dos jogadores. O fato expõe a complacência dos dirigentes, da polícia e da justiça. Existe um medo de punir, como se as torcidas organizadas representassem um segmento da sociedade da qual deveríamos respeitar. Na realidade é um bando de delinquentes a ser extirpado do meio esportivo.

Nos anos 60 eu adquiri uma cadeira cativa no Mineirão, procurando estar perto dos meus amigos que também compraram, sem a preocupação de saber quem era atleticano, cruzeirense ou americano. A convivência dos antagônicos no ludopédio era harmônica, e nossas "brigas" não iam além das discussões sobre a qualidade dos craques e os alegados roubos dos juízes. Como éramos solteiros, nossas discussões se prolongavam pelos botecos da vida ou continuavam no bar do estádio até encontrar um ônibus vazio. Bons tempos aqueles, quando se podia torcer para qualquer time, sem risco de ser insultado ou agredido.

Para ilustrar a cordialidade que reinava no Mineirão, vale lembrar a odisseia de um radialista que, em todos os jogos entre Atlético e Cruzeiro, fazia uma caminhada com a camisa do Cruzeiro ao longo da torcida do Atlético, tocando um bumbo, até chegar à sua torcida, no lado direito das cadeiras cativas. O máximo que acontecia com ele era ouvir algumas referências sobre a sua progenitora. Hoje, uma atitude igual é impensável, com consequências trágicas. Mesmo se fosse o inverso, o provocador atleticano estaria frito, também.

Se o retorno da cortesia esportiva ao futebol é um sonho, precisamos encontrar uma saída prática para acabar com a estupidez reinante, permitindo a convivência civilizada entre os diferentes na cor das camisas. Se não existe uma fórmula que contemple uma mudança comportamental espontânea, e eu penso que não existe, que se procure outras com mecanismos coercitivos e coativos. O que não pode é a continuação de cenas de selvageria entre torcedores que não têm a percepção de que o futebol é um entretenimento ou lazer de fim de semana. Para alguns, o objetivo parece ser a manifestação de bestialidade, idiotice ou imbecilidade.

Não é somente no futebol brasileiro a ocorrência de agressões e outros crimes através de torcidas organizadas, com características de gangues. Devem ser lembradas as diversas badernas ocorridas no futebol europeu, provocadas pelos hooligans, com origem na Inglaterra. No início, suas ações eram tratadas com tolerância, como simples manifestações de alegria ou descontentamento. Havia, por parte das autoridades, certa benevolência. Somente após algumas tragédias, a Justiça europeia passou a tratar os distúrbios como produto do crime organizado.

Aqui, no Brasil, estamos ainda passando a mão na cabeça dos torcedores que são verdadeiros criminosos. Já na Europa a violência nos estádios foi bastante reduzida, com medidas policiais e judiciais, condenando os baderneiros a penas altas, enquanto, no Brasil, o agressor é condenado a, simplesmente, deixar de frequentar o estádio durante um tempo, como se isso fosse uma solução. Parei de ir ao estádio, mas penso em voltar algum dia, quem sabe em clima de paz, para ver o meu Galo campeão nacional.