UÍSQUE OU, COMO DIZIAM OS SÁBIOS ESCOCESES, ÁGUA DA VIDA


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— Puro ou com gelo? Qual a maneira correta de degustar um bom uísque? Poderíamos misturar um pouco de água? Ou, quem sabe, um refrigerante? Muitos acrescentam um guaranazinho para atenuar aquele gosto forte. Isto seria uma tremenda gafe? A insegurança toma conta tanto de quem oferece como de quem está prestes a aceitar (ou recusar) uma dose de uísque.
 
            Pensando bem, se aqueles incansáveis escoceses trabalharam arduamente durante séculos para conseguir uma bebida tão fina e, depois, a armazenaram durante décadas, apurando seu nobre paladar, sob a aprovação da realeza da Inglaterra, como então pode vir um bebedor qualquer, sem mais nem menos, estragá-la com um doce guaraná? Será que pode?
 
            E, afinal de contas, o que você está bebendo é um scotch malt whisky, um blended whisky, um grain whisky ou um uísque nacional transplantado para uma garrafa com rótulo escocês? Ou — pior ainda — aquela completa falsificação que só vamos descobrir no dia seguinte? Sabe-se de alguns casos de falsificadores que chegaram a usar até iodo medicinal para alcançar aquela cor dourada e única do uísque.
 
            Aqui no Brasil, na década de 1960, o uísque blended começou a varrer todas as bebidas mais consumidas na época, assim como o rock expulsou todos os boleros e sambas-canções. E hoje, sem dúvida, é o destilado mais preferido pela maioria dos bons bebedores. A única bebida que resistiu a isso foi a cachaça, que se manteve em primeiro lugar. Mesmo assim, algumas marcas mais baratas de uísque nacional já ocupam as prateleiras onde antes havia a soberana cachaça.
 
            As origens do uísque se perdem no tempo e são envolvidas por muitas lendas. Uma delas diz que foi inventado na Irlanda, o que, obviamente, é contestado pelos escoceses. Outra, afirma que Júlio César o provou no ano 55 a.C., ao comemorar sua vitória sobre os celtas, ascendentes dos atuais habitantes das ilhas britânicas. Outra lenda diz que o criador do uísque foi São Patrício, que teria transmitido os segredos do scotch ao seu povo. Fala-se também que os destilados de cevada já eram produzidos pelos egípcios, gregos e outros povos. Mas o primeiro registro oficial de sua existência é de 8 de agosto de 1494, quando uma cobrança de impostos do Tesouro Público Escocês indicava a taxação de “oito medidas” — cerca de 150 quilos — de malte para a produção de “aqua vitae”, água da vida, o primeiro nome do uísque. Teria, portanto mais de 500 anos de existência. Como é impossível comprovar a veracidade de todas essas histórias (com exceção da última), fico com aquela que afirma ser o “uísque escocês somente aquele feito na Escócia”, e que jamais se conseguiu reproduzir em outras terras.
 
            Do solo da Escócia, o homem colheu a cevada, a água e o carvão de turfa, trabalhou-os, combinou-os e fez o uísque. Para conhecer um pouco mais do que se está bebendo, é importante saber a diferença entre um puro malte, um vatted, um blended e um grain. Puro malte é o mais nobre dos uísques, feito de pura cevada maltada. O vatted, menos nobre, é a mistura de vários maltes. O blended (90% dos uísques no mercado e o mais consumido) é o que incorpora outros grãos além da cevada, à fórmula do malte. O grain é feito quase exclusivamente de milho, sendo considerado o tipo mais rastaquera dos uísques escoceses.
 
            O primeiro passo para se sorver uísque com sabedoria é escolher o copo certo. Para se beber um puro malte ou o vatted, use o mesmo copo de “cherry”, uma taça abaulada com pé alto. Não segure no corpo do copo, mas na haste. Para beber um blended há duas possibilidades. O copo curto e largo para comportar gelo feito de água mineral ou, no mínimo, filtrada. Ou o copo alto para levar além de gelo, água mineral ou club soda. Aquele trago “cowboy”, ou seja, de uma solavancada só, exige copinhos pequenos, do tipo usado para Steinhaeger. Claro, sem gelo. Mas esse trago “cowboy” é mais específico para o bourbon, aquele consumido pelos rudes do Velho Oeste americano e que tem no Jack Daniels, no Jim Beam e nas duas versões do Wild Turkey os seus representantes mais conhecidos. O bourbon deve ter, no mínimo, 51% de milho em vez de cevada maltada.
 
            A maior heresia que se pode cometer à beira de uma garrafa de puro malte é beber seu conteúdo com gelo ou com muita água. Se um escocês estiver por perto, então, tema por sua integridade moral. Vatted ou puro malte devem ser bebidos puros, ou no máximo, com 1 cc de água mineral. Nunca água clorada, que danifica as propriedades do uísque. Os que querem um pouco de “frio”, que usem o copo previamente congelado.
 
            O blended admite misturas mais heterodoxas, como, por exemplo, o guaraná. Contudo, o ideal para quem não aprecia uísque puro, é adicionar gelo ou água mineral (no máximo, meio a meio), até porque é recomendado que o blended seja bebido a uma temperatura de 12 a 16 graus Celsius. Club soda é o diluidor clássico e admitido pelos amantes do uísque desde o século passado.
 
            A cor nada tem a ver com a qualidade e nem com a graduação alcoólica. A padronização das cores de cada marca foi feita por causa de exigências de desconfiados importadores. Em muitas destilarias esta cor é conseguida pela adição de caramelo ou de um vinho xerez.
 
            Os uísques mais velhos são mais suaves. Os mais jovens, mais robustos. O que não significa que um uísque de 15 anos seja melhor do que um de 8 anos. Nem sempre os envelhecidos conseguem um bom público. O Royal Ages foi um desses. Engarrafado depois de 21 anos descansando em barris de carvalho, faleceu logo em seguida. No seu lugar perpetuou-se o JB 15 anos.
 
            Não é muito difícil fugir dos uísques falsificados que ainda assombram o mercado brasileiro. Basta um pouco de atenção e seguir alguns macetes bem simples para se consumir um legítimo “scotch whisky” e ter um dia seguinte feliz.
1.      Olhar bem o rótulo para ver como ele está fixado, e se a garrafa está limpa. Uma boa destilaria nunca usaria um rótulo torto e teria uma grande preocupação com o visual.
2.      O conteúdo da garrafa para ser uísque escocês deve ser límpido, translúcido e dourado, com um brilho próprio. Nenhum falsificado consegue esse brilho tão peculiar.
3.      Observar bem o fecho e a tampa da garrafa. Se não estiver bem fechada, esqueça.
4.      Se for possível esfregue um pouco na mão. Se o cheiro que permanecer for de álcool puro, é fria. O uísque escocês legítimo vai deixar um aroma peculiar de malte.
5.      E ainda, se der, dê uma provadinha. Quem conhece um mínimo de “scotch whisky” vai tirar suas conclusões definitivas.
 
             E, para concluir este texto, vou reproduzir uma história interessante contada por Bento de Almeida Prado (que foi um grande bebedor de uísque) e que ele garantia ser verdadeira. Numa de suas viagens pela Escócia viu, numa pequena cidade do norte, um escocês tomando uísque com laranjada. Espantado, depois de tomar algumas doses para se sentir corajoso, perguntou ao homem: “Ora, eu venho de tão longe para ver como se bebe uísque na Escócia e encontro um grandalhão como você tomando com laranjada?”. O homem ticou uma fera: “Eu nunca bebo uísque com refrigerante. O que eu estou bebendo agora é laranjada, porque estou com sede. Mas como sozinha ela não desce, pus um pouco de uísque”.
 
 
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Arnaldo Agria Huss
Enviado por Arnaldo Agria Huss em 01/06/2010
Reeditado em 01/06/2010
Código do texto: T2292458
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