Comida de hospital (Parte IV - Final)

Tomamos um banho digno de reis, os dois ao mesmo tempo, no diminuto banheiro do Íbis, um hotel projetado para executivos em viagem.

Mas que o nosso banho tava bom demais, isso não se pode negar...Trocamos ensaboadas em nossas respectivas costas e conferimos cada milímetro de nossas peles para verificar se não tinha restado nenhuma marca da epopéia vivida nas quatorze horas da viagem no “Sujinho”. Prêmio maior veio ao nos estirarmos, como duas lagartixas ao sol, naquele maravilhoso edredom do Íbis; Eliana, encantada com tanta fofura, não quis sair debaixo dele antes de namorarmos por umas boas duas horas, a degustar de mais um de nossos incontáveis momentos lua de mel, nos besuntando mutuamente com o creme de chocolate que ela faz questão de carregar naquela sua nécessaire, até para ir a missa de Sétimo Dia de político corrupto.

De banho tomado, exalando um leve e afrodisíaco cheiro de chocolate, lá fomos nós fazer o reconhecimento da cidade de Dourados e procurar um lugar para saciar a nossa caleidoscópica fome, visto que havíamos atravessado a noite, e parte daquele dia, a poder de bolachas, amendoins sem pele e o onipresente chocolate...

Calma, gente!!! Antes que a turma da TFP (Tradição, Família e Propriedade venha rufar seus tambores eu explico direitinho: este era um inofensivo chocolate em barras, não aquele mal-intencionado creme da Eliana.

Voltemos então ao tema mais ameno da comida, aquela tal com gosto de hospital – já me avisaram outras vezes que esse negócio de chocolate é sempre meio perigoso.

Lá íamos, Eliana e eu, pelas frondosas ruas de Dourados cavoucando um lugar para saciar a nossa entranhada fome: era uma quinta-feira, tarde de um feriado de Tiradentes... Andamos mais ou menos uma hora a perguntar a tudo quanto era transeunte sobre onde encontraríamos um lugar para comermos. Nada.

Foi quando eu tive a brilhante idéia de sugerir que fôssemos ao shopping que fica logo ao lado do hotel em que estávamos hospedados.

Sugestão feita, sugestão aceita. Entramos então, Eliana e eu, no shopping, a encompridar olhares para as muitas e transadas vestimentas expostas nas vitrines, as mãos comichando para lançar mão do cartão e comprar compulsivamente.

Aumentamos a velocidade de nossas passadas antes que sucumbíssemos à inevitável tentação da gastança: descemos a escada e chegamos na praça de alimentação, ignorando os apelos dos previsíveis Bob’s e Mac Donalds. Antes de nos dirigirmos a Companhia do Camarão, Eliana descobriu uma sorveteria, descoberta esta que fez os olhos dela brilharem. Tive de usar de coerção física (Um leve puxão pelo braço...) para que a minha mulher abandonasse o projeto de se afogar nas muitas propostas de sorvetes ali mesmo, deixando a idéia de almoçarmos completamente esquecida.

A bordo de minha recém empossada autoridade marital ancoramos na tal Companhia do Camarão, grife culinária que Eliana disse conhecer de outros shoppings.

Já comecei a olhar atravessado para a tal Companhia do Camarão quando a atendente me informou que teria de arcar com a conta antes mesmo de ser servido, mas, acabei concordando, sem qualquer outra alternativa válida para acalmar nossas barrigas vazias, com o evidente abuso que se configurava tal procedimento. No cartaz, várias opções de pratos para que escolhêssemos. Depois de um acalorado debate convencionamos que deveríamos escolher uma truta, apesar de um pintado (Lindo na foto apresentada!!!) ter disputado, cabeça-a-cabeça, a nossa preferência.

Antes de ser servida para nós dois aquela truta deve ter passado pelas hábeis mãos de um taxidermista, tal o grau de insipidez da coitadinha. A verdade é que tivemos de recorrer ao molho de pimenta, oferecido pela casa, para salvar o nosso repasto. Combinamos então que o prato se chamaria Truta apimentada, já que a tal truta apregoada ao molho não sei das quantas seria recusada até por um daqueles mendigos que nos pedem pão dormido num domingo de manhã.

Com a sensação de que nos havíamos alimentado com uma grande porção de cortiça fomos em direção a sorveteria que Eliana havia vislumbrado antes de irmos almoçar. Ali sim, encontramos tudo o que nossos combalidos estômagos precisavam: sorvetes com sabores que são minha perdição, quase todos de sabor ácido, (Graviola, cupuaçu, coco, maracujá só variando no de passas ao rum, enquanto Eliana se aproveitou para se vingar num enorme pirulito de banana, numa avant-première das muitas sortidas que daríamos naquele local.

Saímos do shopping e atravessamos a rua para refazer nossas provisões de frutas e yogurte, visto que o café da manhã do hotel não prometia ser mais auspicioso do que a truta que acabamos de engolir a duras penas.

Ficamos mais dois dias em Dourados, cidade na qual não conseguimos encontrar o peixe que lhe empresta o nome, trazendo de volta, em nossa bagagem, a nítida impressão de que a cidade deveria pensar em mudar o nome para Paculândia, já que este é realmente o pescado que ali abunda. Só como exemplo dou a Festa do Peixe que fomos assistir na Sexta Feira da Paixão: fomos almoçar em uma das barracas e a opção era costelinha de pacu ou a já conhecida (E importada dos mares.)merluza; no lago em que se processava o torneio de pesca o locutor anunciou com imponência os ganhadores do dia – os cinco primeiros colocados foram pacus. Prá completar a evidência do predomínio do pacu na cidade de Dourados, na peixaria que visitamos tinha uma boa quantidade de peixes, a maioria congelado – dourado, nem pensar: mas, o pacu, todo-poderoso, estava lá.

Resumo: só conseguimos ver um dourado (O peixe que fique bem claro...) na cidade de Dourados, nas muitas e bonitas esculturas espalhadas pela cidade.

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 09/05/2011
Reeditado em 09/05/2011
Código do texto: T2958361
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