VINHO DO PORTO - UM REQUINTE

Português de nascimento e celebrizado pelos ingleses, reina nos cálices do mundo



Fig. 1 - Exposição de vinhos do Porto


 
A HISTÓRIA – O vinho do Porto é um enigma, um delicioso enigma. Afinal, para ele saltar majestosamente da garrafa para a taça, a natureza teve que compor uma verdadeira ária dramática: na busca de água, as raízes das videiras que fazem esse vinho são obrigadas a penetrar até 15 metros pelas fissuras das rochas xistosas que formam o leito das melhores terras vinícolas do Douro, região ao norte de Portugal. Do Douro? Isso mesmo: o vinho do Porto não é feito na cidade do Porto, mas a 100 quilômetros dali. E quem conhece o lugar fica surpreso: “Como é possível conseguir uvas de qualidade num solo tão simples e pobre?” E além de empresas portuguesas, o Douro tem casas de origem holandesa, inglesa e escocesa.

 
 
Fig. 2 - As videiras brotam nas encostas do Rio Douro

 
Para entender a magia do vinho ali produzido, é preciso voltar até o ano de 1670, data em que teria surgido o Porto. Existe, porém, muita controvérsia quanto à sua origem. A versão mais aceita e difundida é a de que dois jovens ingleses se instalaram num mosteiro perto do Douro, onde compraram um lote da bebida e o despacharam para a Inglaterra. Para que pudesse suportar a variação de temperatura e o sacolejo do navio, acrescentaram à bebida um pouco de aguardente portuguesa que, com isso ficou mais ao gosto dos britânicos, desde logo convertidos em seus maiores admiradores e consumidores.
 
Em 1756 foi criada a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, tendo sido designado para dirigi-la, Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal. Tal companhia foi criada para delimitar as áreas ideais de produção e zelar pela qualidade da bebida, uma vez que com a dedicação exclusiva dos lavradores ao cultivo da vinha, não tardaram a surgir problemas, como a produção copiosa, produtos de baixa qualidade e falsificações invadindo o mercado. O Porto pode se orgulhar também por ter sido o primeiro vinho a ser engarrafado – até então, a bebida era guardada em tonéis e vendida a granel.

 

Fig. 3 - Onde nasce o Prazer - Distante 100 quilômetros da cidade do Porto, o Douro foi a primeira região vinícola demarcada do mundo. As vinhas rasgam a montanha em linhas paralelas, indo do cume até as margens do Douro (Fig. 2). Todas as quintas recebem uma classificação de acordo com a qualidade de suas uvas. Órgãos controladores como a Casa do Douro e o Instituto do Vinho do Porto, determinam o volume de vinho que devem produzir. 

O PROCESSO –
Cada uma das variedades de uva contribui à sua maneira para as nobrezas do Porto. A Touriga Nacional, por exemplo, é a rainha das uvas do Douro, responsável, juntamente com a Tinta Cão, pela cor vermelho-escuro, profunda e intensa da bebida; a Tinta Barroca dá o corpo do vinho; rica em taninos (*), a Tinta Roriz se encarrega do aroma delicado do Porto, em cuja composição entram também a Touriga francesa, que tem a cor violácea escura e é bastante aromática e a Tinta Amarela, com alto teor de açúcar e pouco aroma.

(*) O tanino corresponde a um grupo de compostos fenólicos que tem como principal característica a afinidade em se ligar a cadeias de proteínas e precipitá-las. Nas uvas, os taninos encontram-se principalmente nas cascas e sementes. Assim como os açúcares da uva, eles também passam por um amadurecimento e, conforme se atinge esta maturidade, perdem agressividade, tornando-se macios e sedosos.

Em meados de setembro tem início a vindima e parte das uvas colhidas é levada para os tanques onde serão pisadas pelos homens, pois algumas casas procuram manter vivo esse método na produção de seus vinhos (Ver item “Alguns Rótulos Especiais”). Outra parte segue para modernas cubas de aço inoxidável, onde são esmagadas por máquinas, começando assim o processo de fermentação. O mosto, nome das uvas esmagadas, fermenta por cerca de quatro dias, durante os quais metade do açúcar natural da uva se transforma em álcool. É nesse momento que se procede à beneficiação do vinho do Porto, que consiste na adição de aguardente vínica incolor e neutra, o que faz com que o Porto se diferencie dos demais. A proporção dessa mistura é de 4 litros de vinho para 1 de aguardente. Após a mistura, a fermentação chega ao fim, com o vinho conservando grande parte da doçura original da uva. Da união das duas bebidas vão nascer, durante o processo de envelhecimento, a cor e os aromas complexos que fazem do Porto um rei. Para garantir sua qualidade, toda a aguardente vínica utilizada é controlada pela Casa do Douro, órgão que fiscaliza o beneficiamento do vinho.
 
A maioria dos vinhos descansa no Douro até a primavera seguinte, quando são conduzidos até os armazéns de Vila Nova de Gaia, cidade portuguesa localizada em frente à cidade do Porto, onde a bebida continuará seu envelhecimento e será engarrafada. Até 1964 essa viagem era feita rio abaixo nos barcos “Rabelo”, espécie de veleiros que lembram as naus dos vickings. Hoje, o transporte é feito por caminhões tanque. Os armazéns do Entreposto de Gaia são rigorosamente fiscalizados pelo Instituto do Vinho do Porto, órgão subordinado ao governo português.


 

Fig. 4 - Barco de transporte do vinho do Porto para os armazéns de Vila Nova de Gaia

OS TIPOS DE VINHO – São basicamente sete os tipos de vinho do Porto, resumidos a seguir.
 
Branco: Produzido com uvas brancas, é envelhecido na própria garrafa. Pode ser seco, meio seco ou doce, caso em que costuma ser chamado de lágrima. É bebido gelado como aperitivo e entra na composição de drinques.
 
Ruby: É o tipo mais comum entre os tintos. A lei portuguesa estabelece um envelhecimento mínimo de três anos antes de ser posto à venda. É leve, com cor bem viva e aroma bastante frutado. Perfeito para acompanhar sobremesas e queijos como o gorgonzola e o roquefort.
 
Tawny: Consagrado como aloirado – sua cor é de topázio queimado – é o mais encorpado e também um dos mais versáteis. Pode ser bebido como aperitivo ou para encerrar as refeições. Casa perfeitamente com tortas de nozes e amêndoas.
 
Porto com indicação de idade: Na maioria das vezes é do tipo Tawny e descansa por longos períodos em barris. A data marcada no rótulo é uma média de diferentes safras. Um de 20 anos, por exemplo, pode significar a mistura de um vinho de 30 anos com outro de 10.
 
Porto com data de colheita: Produzido com uvas de uma só colheita. Envelhece em barris por, no mínimo, sete anos. O rótulo deve indicar, obrigatoriamente, o ano da colheita e a data do engarrafamento.
 
Vintage: Produzido de uma única colheita de uma mesma quinta, em anos de safra excepcional. Permanece por dois anos em toneis de carvalho e prossegue envelhecendo nas garrafas. O enólogo só se decide por fazer um Vintage cerca de dois anos depois da colheita, de acordo com a evolução do vinho, mas depende da aprovação do Instituto do Vinho do Porto. Convém bebê-lo e apreciá-lo como a obra de arte que é. Todo um ritual cerca o momento de servir este vinho. O primeiro passo é fazer sua decantação para livrá-lo da borra (sedimentos que se depositam no fundo da garrafa). Deixe o vinho em pé por uma semana. Depois, sem agitá-lo, passe-o para um decanter, recipiente de vidro onde o vinho mais velho é arejado antes de ser consumido, ou para uma jarra de cristal, até que as partes sólidas comecem a chegar ao gargalo. Os Vintages são sempre embalados em garrafas escuras.


 

 
Fig. 5 - Decanter

Late Bottled Vintage (LBV): É, também, um vinho de grande safra, mas feito com uvas de várias quintas. Permanece três anos em barris de carvalho. Seu rótulo traz as datas da colheita e do engarrafamento e a sigla LBV.
 
COMO GUARDAR E SERVIR – Com exceção dos Vintages, as marcas e os tipos de vinho do Porto encontráveis no mercado já estão prontos para o consumo. Mas você, se quiser, pode guardá-los por tempo indeterminado, desde que deitados, longe da luz e ao abrigo de grandes variações de temperatura. Os Vintages devem ser abertos de preferência a partir dos vinte anos de idade, quando atingem o seu apogeu.
 
Na hora de servir – sempre em copos baixos de cristal, com haste – manda uma tradição portuguesa que o anfitrião se sirva, prove e, com a mão esquerda (que seria a mais generosa), passe o decanter ou a garrafa para a pessoa que esteja sentada à sua esquerda. Todos devem proceder da mesma maneira, até que se chegue ao convidado principal.


 

 
Fig. 6 - Taça padrão para saborear o vinho do Porto

 
Em razão de seu elevado teor alcoólico e de açúcar, o Porto, depois de aberto, dura mais do que os outros vinhos. Procure mantê-lo bem fechado e em local fresco. Todo vinho do Porto ganha se for servido em decanter, principalmente os do tipo Vintage e LBV. Versátil, o vinho pode ser servido como aperitivo, caso dos mais jovens, ou para encerrar com esplendor uma refeição, ocasião em que se dará preferência aos Tawnies envelhecidos. Com queijo e frutas secas, a combinação é perfeita, o mesmo acontecendo com o patê de foie gras (**). Os tintos devem ser servidos por volta dos 18 graus Celsius e os brancos, entre 7 e 10 graus. Existem algumas facções que aprovam a adição de cubos de gelo ao vinho do Porto, principalmente para aqueles “Portos” destinados aos jovens (sic). Considero isso de vinho do Porto para jovens uma tremenda bobagem, mas não me considero apto a desabonar quem faz uso dessa prática, principalmente no nosso escaldante calor senegalês. Mas, se for saborear um autêntico Porto, e não em forma de coquetel (os brancos são os mais usados para coqueteis), por favor, não faça uso do gelo. Chega a ser uma heresia. É mais ou menos como acrescentar gelo num uísque puro malte ou refrigerante a um scotch blended. Isso não se faz.
 
(**) Patê de fígado de ganso (ou pato) que foi super alimentado.
 
AS MELHORES SAFRAS – Uma listagem divulgada há cerca de 15 anos relaciona as melhores safras de vinho do Porto: 1952, 1955, 1960, 1963, 1966, 1970, 1975, 1977, 1982, 1985, 1987, 1991 e 1994.
 
ALGUNS RÓTULOS MUITO ESPECIAIS – Estão relacionadas a seguir, algumas marcas de vinho do Porto mais facilmente encontráveis no mercado brasileiro, bem como os tipos produzidos pelas casas em questão. O Real Companhia Velha e o Adriano Ramos Pinto são os mais conhecidos por aqui.
 
Real Companhia Velha: Casa originária da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, que foi fundada em 1756 por alvará régio de Dom José I. Em média, cerca de seis milhões de garrafas estão sempre envelhecendo em seus armazéns.
Dom José: O campeão de vendas da Real. Tem cor violácea intensa e seu aroma lembra frutas silvestres.
Tawny 20 anos: Sua garrafa é linda, semelhante a um decanter. Resulta da mistura de vinhos de diferentes safras, todos envelhecidos em barris de carvalho. Aroma e paladar de frutas secas e madeira.
 
Casa Ramos Pinto: Marca mais vendida no Brasil desde o início do século. Foi fundada em 1880 pelo comerciante português Adriano Ramos Pinto. Sempre se destacou pelos rótulos mais ousados entre os demais vinhos do Porto, retratando a sensualidade e a beleza da mulher (Fig. 7).


 

 
Fig. 7 - Rótulos da Adriano Ramos Pinto enaltecendo a sensualidade e a beleza da mulher, em obra criada pelo iugoslavo Metlicovitz

 
Adriano Tawny: É o mais famoso da marca. Aloirado, com aromas de mel e baunilha.
Quinta do Bom Retiro 20 anos: Bom corpo, frutado e aveludado.
Vintage 1982: Frutado e delicado, envelhece por dois anos em pipas de carvalho.
 
Messias: O comendador Messias Baptista fundou esta vinícola em 1926, no coração do Douro.
Messias 20 anos: Macio na boca, tem cor de mel brilhante e aromas de frutas secas.
Vintage 1985: Muito fino em matéria de aroma, com belíssima cor e muita fruta na boca.
 
Rozés: Controlada pela Moet & Chandon, empresa da região de Champanhe, na França, foi fundada em 1855.
Rozés Tawny: A média de envelhecimento é de quatro anos. Reflexos aloirados, corpo médio e aroma frutado são suas principais características.
Infanta Isabel 10 anos: Vinho bastante complexo e encorpado. Seu buquê lembra frutas como damasco, figo e nozes.
 
Casa Poças: Fundada em 1918, produz cerca de três milhões de garrafas por ano.
Porto Cabral: Elaborado com vinhos selecionados, chegou ao Brasil no final dos anos 1990.
Two diamonds: Bom aperitivo, bastante aromático e frutado.
Poças 20 anos: Cor topázio com reflexos avermelhados, e grande concentração de aromas de frutas.
 
Sandeman: O mercador de vinhos escocês George Sandeman fundou a casa em 1790.
Imperial: Tawny envelhecido sem especificação de data – seus vinhos têm em torno de oito anos de idade. Cor de mel, com reflexos avermelhados, e rico em aromas de frutas.
Tawny 20 anos: Está entre os melhores exemplares de vinhos do Porto. Rico em taninos, bem equilibrado e com brilhante cor dourada. Aromas de nozes e amêndoas.
 
Casa Ferreira: Faz excelentes vinhos desde 1751.
Tawny: Bom corpo e aroma, com, no mínimo, quatro anos de envelhecimento.
Vintage 1987: Bem encorpado, com aromas frutados fantásticos. As safras de 1978, 1983 e 1985 também são muito boas. O Quinta do Seixo Vintage 1983 é excepcional.
 
Fonseca Guimarães: Uma das mais tradicionais, fundada em 1822, emprega a tecnologia tradicional do esmagamento das uvas pelos homens em tanques de granito. Seus Vintages têm grande reputação no mercado mundial.
Vintage 1992: Vinho muito fino na boca, com cor brilhante e rico aroma de frutas secas.
Bin 27: Era o preferido da ex-primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher. Tem grande concentração de aroma de amoras.
 
Offley: Nunca utiliza barris novos, o que, segundo seus enólogos, evita que o vinho absorva muita madeira.
Fine White: Cor amarelo-palha, aromas de laranja e abacaxi.
Offley 20 anos: Reflexos aloirados puxando um pouco para o marrom dão a cor deste vinho, cujos aromas fazem lembrar tabaco, abacaxi maduro e café.
 
Taylor Fladgate & Yetman: Fundada em 1692 pelo comerciante inglês Job Berasley, que exportava vinho do Porto para a Inglaterra. Seus vinhos são feitos como antigamente – as uvas são esmagadas pelos pés dos camponeses.
Tawny 40 anos: Reflexos aloirados mais fortes, frutas secas, muita madeira. Equilibrado e harmônico. Há também os envelhecidos por dez, vinte e trinta anos.
Vintage 1983: Engarrafado em 1985, tem cor violácea brilhante e paladar de fruto maduro. Uma obra-prima da enologia.
Quinta dos Vargellas 1984: Cor rubi intensa e grande densidade de aromas, com muita fruta – amora e framboesa.
 
Quinta do Noval: Fundada em 1715, produz o vintage mais raro e caro, no máximo 300 caixas por ano.
Vintage 1963: Uma obra-prima, com muita cor, aroma frutado e bastante equilibrado.
Noval 10 anos: Aroma intenso, com notas de frutas secas.
Noval 40 anos: Vinho muito equilibrado e, mesmo com a idade, mostra forte presença de frutas. Excelente acompanhamento para um bom charuto cubano.
 
Graham’s: Fundada em 1820 por dois jovens irmãos escoceses, William e John Graham, negociantes que iniciaram seu negócio ao aceitar 27 pipas de vinho do Porto como pagamento de uma dívida. É reconhecida pela qualidade de seus vintages.
LBV 1989: Rico em tanino e em buquê, harmônico e bem equilibrado. Envelhecido por quatro anos.
Vintage 1991: É o best-seller da empresa. Buquê delicado e exótico – lembra tabaco –, cor de mel brilhante e perfeita harmonia de corpo, literalmente de encher a boca.
 
FINAL – Para encerrar este texto, apenas uma pequena observação: graças a todo esse trabalho, em muitos casos ainda artesanal, é que essa bebida superior faz a festa do nosso paladar.
 
 
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