FOI-SE O MAGO SARAMAGO

Sérgio Martins Pandolfo*

“O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas e o que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas”

Consternado o mundo intelectual lusófono recebeu a infausta notícia da morte de José Saramago, maior escritor da língua portuguesa dos últimos tempos e ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1998, o primeiro a ser concedido a um escritor da lusa língua. Anteriormente já havia ganho o Prêmio Camões. Era o símbolo da literatura portuguesa.

Saramago morreu por volta das 8h dessa sexta-feira (18/06/2010) aos 87 anos, de morte natural e tranquila, cercado do carinho da mulher, a tradutora Pilar Del Rio e de outros familiares, deixando um legado literário notável, constante de 37 livros editados em prosa e verso, de que constam romances (sua modalidade mais cultuada), contos, diários, peças de teatro e poemas. Como todo grande escritor teve um de seus primeiros livros, Clarabóia, rejeitado pela editora e permanece inédito até hoje. Como o tivera nosso atual megavendedor literário Paulo Coelho

Com sua premiação o grande escritor – era de Azinhaga, aldeia da província do Ribatejo, nascido aos 16/11/1922 – deitou luz e visibilidade sobre o idioma camoniano, que cada vez mais se afirma e agiganta e que une pelos laços comuns da oralidade oito países espalhados por cinco continentes. Seu estilo peculiar e que o consagrou, demonstrado já no início da fecunda jornada, era destacado por frases e períodos extensos, que às vezes ocupam mais de uma página e são pontuados de maneira anticonvencional, por vezes quase inexistente.

Saramago era de origem humilde, pobre mesmo, enfrentado grande dificuldade para conseguir alguma escolaridade, tendo concluído os estudos secundários em uma escola técnica, mas não pôde cursar a universidade por absoluta indisponibilidade financeira. Para sua erudição frequentava amiudadamente a Biblioteca Municipal. Dessa forma, para sobreviver, o escritor português trabalhou como mecânico, desenhista, funcionário público, editor, tradutor e jornalista. Durante doze anos, foi funcionário de uma editora, onde ocupou os cargos de diretor literário e de produção.

Malgrado, Saramago também provou o gosto do sal amargo! Era ateu e comunista convicto, ferrenho e ativista militante - proclamava-se "comunista hormonal" -, o que lhe valeu a antipatia dos governos tanto ditatorial como pós-revolucionário, por isso que um de seus livros, O Evangelho segundo Jesus Cristo, que apesar da enorme querela despertada entre a comunidade católica de um país arraigadamente seguidor desse credo, fora indicado para o Prêmio Literário Europeu (1991), mas teve sua indicação vetada pelo governo português, o que lhe causou profunda insatisfação e tristeza e o “exílio voluntário” na espanhola Lanzarote, nas Ilhas Canárias, desde 1993. Tinha iniciado a feitura de mais um romance, do qual houvera já escrito algumas páginas. É de sua autoria a frase em epígrafe.

O celebrado autor esteve entre nós, aqui na Parauaralândia, em 1999, a fim de receber o honroso título de Doutor Honoris Causa que lhe houvera sido outorgado pela UFPA, porém recusou-se a fazê-lo ao saber que o governador do Estado era o mesmo da época do desditoso episódio de Eldorado dos Carajás, ocorrido cerca de três anos antes, conquanto a universidade parauara nada tenha a ver, administrativamente, com o governo estadual, este sim envolvido naquela refrega. Certamente acometido de uma “sobrecarga hormonal” marxista.

Todo o mundo literário chora a morte do notável escritor lusitano - considerado por especialistas um mestre no tratamento da língua portuguesa -, inclusive o Brasil, onde era muito querido, tinha muitos amigos e vinha constantemente. A Academia Brasileira de Letras destacou como representante para os seus funerais a escritora Nélida Piñon e decretou luto oficial por três dias. Paz à sua alma!

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(*) Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES

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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 19/06/2010
Reeditado em 21/06/2010
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