O Estado Novo e o Teatro de Exaltação da Pátria

O Estado Novo, instituído em 1937, se caracterizou pelo recrudescimento do poder estatal legitimado pela tentativa de arbitrar os interesses econômicos das oligarquias agrário-exportadoras e dos novos setores urbanos e industriais, que ansiavam pela ampliação de espaço político e econômico.

O papel do governo centralizador, segundo a ideologia oficial, era o de atuar como “instrumento de subordinação dos interesses restritos regionais e locais, ao interesse maior da coletividade”1.

No intuito de elaborar e difundir esse discurso que faz do presidente o representante direto dos “anseios da nação”, construindo uma identidade nacional e unificando, artificialmente, as diversas forças sociais, o Estado criou um órgão representativo.

O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) foi instituído através do Decreto Lei nº 1915 de 27 de dezembro de 1939. Constam como suas finalidades tanto a difusão e a propaganda do discurso oficial como a promoção dos eventos de “intuito patriótico”. O DIP, além de patrocinar eventos que privilegiassem o conteúdo nacionalista na temática e na concepção dos espetáculos, também foi encarregado de fazer a censura.

Neste processo de construção de uma visão homogênea do conjunto da sociedade, com a elaboração de um ideal de “Nação” que englobasse todos os segmentos sociais, tanto a História quanto o Folclore forneceram elementos para a criação de uma identidade cultural. O teatro também contribuiu para retratar a história de forma mítica. Os mitos da história oficial subiram ao palco, protagonizando os espetáculos.O Império foi visto como um momento histórico benéfico para o país e Getúlio Vargas representava uma continuidade desta opção de acentuada centralização do poder executivo em prol da unidade nacional, que foi, segundo os ideólogos do Estado Novo, violentada pelo liberalismo da Primeira República.

O culto à Pátria e aos seus heróis faz parte dessa base ideológica, como podemos observar através do texto de um dos ideólogos do Estado Novo, Azevedo Amaral:

“(...) È preciso educar-se o povo, despertando-lhe noções de civismo, de culto pela Pátria, de respeito aos maiores, de amor às nossas coisas (...)”2

A política cultural foi marcada por esse contexto ufanista que predominou na área de Educação. Na música, o “canto orfeônico de sentido patriótico” foi ensinado, obrigatoriamente, em todas as escolas. No repertório infantil aprendido nos colégios não faltaram cantigas em louvor a Vargas. E nos sambas, o tema de exaltação à figura do malandro é substituído pelo louvor ao trabalho.

Décio de Almeida Prado, em seu livro O Teatro Brasileiro Moderno, afirma que a dramaturgia do período do Estado Novo inclinou-se para um gênero épico, entrelaçando as personagens históricas e outras imaginárias com uma “aura romântica herdada do período regencial”3.

A história de um Império idealizado, povoado de grandes heróis nacionais, incluindo Tiradentes, foi tema de várias peças teatrais que propagaram uma forma fantasiosa de compreensão da história nacional, como podemos constatar pelos títulos:

A Marquesa de Santos (1938) e Tiradentes (1939) de Viriato Correia, Carlota Joaquina (1939) de R. Magalhães Júnior e, finalmente, Iaiá Boneca (1938) de Ernani Fornari.

Iaiá Boneca4 é uma história de amor que se passa no período anterior à maioridade de D. Pedro II. O futuro Imperador é considerado pelo personagem O Conselheiro, assíduo leitor do “Jornal do Comércio”, como “um homem completo, pela inteligência e ponderação...”, apesar de ter apenas 14 anos. Essa mitificação em torno da figura do Imperador abria caminho para a criação e divulgação de um novo mito, Getúlio Vargas.

Na leitura mítica que resgata a história do passado encontra-se a preparação de um véu mistificador encobrindo a história do presente e forjando uma grandiosidade na imagem do futuro.

A Marquesa de Santos5 escrita por Viriato Correia em1938 glorificava a figura de D.Pedro I, pois a protagonista Domitilia, ao rememorar o dia da independência, demonstra a interpretação heroicizada do autor quando fala da expressão do Imperador ao proclamar a Independência: (...) ele não parecia criatura igual às outras criaturas. O sol caía-lhe em cima inteirinho e ele estava todo coberto de sol, todo dourado como uma figura sobrenatural. Como um deus!”

Em Tiradentes6, também de Viriato Correia, encenada pela primeira vez no Teatro Municipal em 16 de novembro de 1939, sob o patrocínio do Serviço Nacional de Teatro do Ministério da Educação, observamos o engrandecimento do protagonista. Há na peça uma conversa entre Vieira da Silva, Alvarenga e Carlos de Toledo que engrandece a figura de Tiradentes ao dizer que ele possui inspiração e loucura suficientes para libertar o Brasil.

A constituição de 1932, que estendeu às mulheres o direito de voto, parece ter inspirado o autor na construção de um diálogo entre Bárbara Heliodora e Tomáz Antônio Gonzaga, onde ele afirma:- (...) A nossa futura república pretende que a mulher ocupe o lugar que lhe compete na vida nacional.

Após dizer que seu intuito era o de livrar o Brasil da dominação estrangeira, Tiradentes termina a sua trajetória na peça, apoteoticamente, com um discurso nacionalista, afirmando que “(...) A terra dá tudo. Das suas entranhas tiram-se tesouros fabulosos. (...) Grilhões no comércio, na indústria, na inteligência, na consciência, em tudo e tudo!”

Encontramos pontos de contato com a ideologia do Estado Novo: a necessidade de indústria, a valorização da terra como fonte produtiva e o nacionalismo expresso na necessidade de libertar o Brasil do domínio estrangeiro.

As referências aos avanços realizados na história social do período, como a conquista do voto feminino, em 1932, ficam diluídas no todo da peça, onde predomina a exaltação da Nação. Além disso, o Tiradentes libertador é assimilado a uma proposta política ordenadora e disciplinadora, a do Estado Novo.

Em Carlota Joaquina7 de Raimundo Magalhães Júnior, representada no Rio de Janeiro, em 1938, também patrocinada pelo Serviço Nacional de Teatro, ocorre a valorização do progresso no governo de D. João VI.. O monarca é apresentado como um realizador que transformou a colônia na grande nação do futuro. As suas obras são citadas: o Banco do Brasil, as instituições de ensino, o estímulo à cultura, criando o Museu Real e estimulando as importações de livros. O Hino Nacional Brasileiro, em um volume crescente, é executado enquanto caem as cortinas.

Os autores teatrais do período (1937-1942) compuseram suas peças dentro de um estilo épico, sem oferecer resistência ao discurso oficial, que intentou fazer do teatro a expressão unificada de uma cultura nacional.

Em 1943, com o processo de democratização do Estado, a censura foi enfraquecida, tornando-se possível o aparecimento da dramaturgia de Nelson Rodrigues, que desnuda a sociedade brasileira. O teatro brasileiro volta a ser, então, um espaço para o pensamento.

1 SOLA, Lourdes. “O Golpe de 37 e o Estado Novo” in: Brasil em Perspectiva. op. cit. p.257. VARGAS, Getúlio. A Nova Política do Brasil. apud Livraria José Olympio ed., vol. V, p. 32.

2 Ibidem, p. 26 – AMARAL, Azevedo. O Sentido da Educação. Novas Diretrizes, RJ, 1939, Apud.

3 ALMEIDA PRADO, Décio de. O Teatro Brasileiro Moderno. SP: Ed. Perspectiva/USP, 1988, p.34.

4 FORNARI, Ernani. Iaiá Boneca. RJ: Serviço Gráfico do Ministério da Educação e Saúde, 1938.

5 CORREIA, Viriato. A Marquesa de Santos. RJ: Ed. Getúlio M. Costa, 1938.

6 CORREIA, Viriato. Tiradentes. RJ: Serviço Nacional de Teatro (SNT), Ministério da Educação e Saúde, Gráfica Guarany, 1939.

7 MAGALHÃES JR., Raimundo. Carlota Joaquina . RJ: Serviço Gráfico do Ministério da Educação e Saúde, 1939.

Vânia de Magalhães
Enviado por Vânia de Magalhães em 24/06/2010
Reeditado em 28/06/2010
Código do texto: T2338517
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