CONSTRUINDO A CRÍTICA MODERNA - Jornalistas x Acadêmicos

Flora Sussekind nos leva a questionar: Afinal, quando a “crítica moderna” inicia no Brasil? Para termos alguma resposta devemos fazer uma retrospectiva na história da crítica brasileira, estudando as atitudes dos críticos no nosso país entre os anos 30 e 90 do século passado encontraremos algumas respostas.

As tensões iniciam na década de 40 com a chegada dos primeiros formandos da faculdade de Filosofia. Tudo inicia com as desavenças entre os chamados “homens das letras” (bacharéis) e os críticos universitários, acadêmicos especializados. Uma das maiores diferenças entre os dois está na questão da escrita, do modo de escrever: os bacharéis escreviam sempre suas críticas em resenhas, em quanto que os universitários preferiam publicar suas críticas em livros e monografias. Tendo em vista a enorme diferença entre os dois tipos de críticos, conclui-se logo qual deles foi o preferido pelos jornais e leitores: as resenhas dos bacharéis, ou ainda, segundo Sussekind, os “críticos de rodapé”, o porquê desta preferência é respondido pela linguagem fácil e conteúdo pouco teórico que enchia os olhos de quem os lia.

Humberto de Campos foi uma das pessoas que conseguiu diminuir o poder persuasivo dos críticos bacharéis. Esta foi uma grande marca na história da crítica brasileira, praticamente tudo ficou diferente após este feito.

Segundo Antonio Candido algo que ajudou na desvalorização dos críticos não especializados foi a questão da qualificação, ou seja, o mundo crítico estava mais exigente e fazia-se necessária uma delimitação daqueles que realmente entendem e tem a capacidade de falar sobre literatura de forma digna e sábia. Uma das maiores conquistas dos universitários e acadêmicos nos anos 50 foi a queda do poderoso crítico Álvaro Lins, ao combatê-lo, a crítica não-especializada seria automaticamente posta em questão e desvalorizada. Foi então que houve a substituição da “crítica de rodapé” pela crítica da cátedra e os jornais não eram mais vistos como o lugar das melhores críticas, mas as universidades. O melhor e mais indicado crítico passou a ser o professor da academia.

Após esta total rejeição dos amadores, Afrânio Coutinho resolve exigir mais ainda dos críticos, eles deveriam ser formados em Letras. Assim ficariam aptos para escrever e falar de literatura. Foi com este objetivo que Coutinho lidera em 1967 uma Reforma Universitária e cria na UFRJ a Faculdade de Letras, cuja aula inaugural realizou-se em 5 de março de 1968. Grande acontecimento na história da crítica no Brasil.

Falando em crítica convém comentar aqui a situação de confronto entre Antonio Candido e Afrânio Coutinho durante as décadas de 60 e 70. Enquanto o primeiro defendia a crítica dialética (procurando unir história, literatura e sociedade), o segundo tinha por preferência a crítica estética (história e sociedade como secundários), a partir desta diferença, deste desacordo, que iniciam as desavenças entre os dois.

Bem, se estava tudo em perfeita paz e harmonia, na década de 60 acontece o que é chamado por Flora Sussekind de “vingança de rodapé”. Os jornalistas atacam a academia alegando que ninguém conseguia compreender as críticas dos especialistas, uma vez que a linguagem é acadêmica e difícil. Reclamavam também que um texto crítico, segundo eles, deveria ser mais adjetivado, o mais simples possível e não argumentativo e complexo. A partir de toda esta briga a imprensa resolve voltar a privilegiar os jornalistas, pois era a garantia de mais leitores, os quais não necessariamente deveriam ser pessoas inteligentíssimas ou muito sábias.

Depois de muitas lutas e campanhas Afrânio Coutinho finalmente consegue fazer com que os críticos acadêmicos e universitários especializados conseguissem ter mais valor, passando a serem vistos como grandes intelectuais.

Ainda assim os anos da década de 70 foram marcados pelo total descaso dos jornais com relação à crítica universitária, eles argumentavam que não agradava os leitores a difícil linguagem dos acadêmicos, conhecida como hermética. No fim desta década o mercado editorial ignora qualquer crítica. Esta foi uma época de crescente industrialização, os livros, consequentemente, não eram mais vistos como singulares obras científicas, artísticas ou culturais, mas como uma mera mercadoria que deveria ter o poder de encher de dinheiro os bolsos das editoras.

No fim dos anos 70 acontece a valorização das pós-graduações, a graduação apenas já não era vista como a melhore formadora de críticos. A partir disto se iniciou uma verdadeira obsessão por parte dos críticos pela atualização, metodologicamente falando.

Na década de 80, com o crescimento tecnológico e editorial volta a desvalorização dos críticos especializados. Nada de crítica tem mais importância, tudo é resumido pelo dinheiro e comércio e dinheiro, como já foi comentado, o livro era apenas uma mercadoria.

Sussekind nos mostra então que há três tipos de críticos: jornalistas, teóricos e universitários. Foi através dos embates entre eles que formou-se a moderna crítica brasileira.

Até os dias de hoje está em pauta nas conversas entre jornalistas e letrados a questão de quem tem mais autoridade para falar de literatura. Ainda que hoje a briga seja entre a imprensa (instituições) e a universidade. O desenvolvimento industrial mudou o cenário da crítica.

Vejamos agora na prática as diferenças entre um crítico jornalista e um crítico especializado com relação as opiniões sobre literatura. Para tal foi escolhida uma matéria da revista Continente do mês de junho de 2010, presente na página 26. A “peleja” é entre o jornalista Humberto Santos e um dos professores do curso de Letras da UFPE, Anco Márcio. Cada um comentou se a crônica esportiva pode ser ou não considerada literatura. Vejamos os dizeres.

Segundo Humberto Santos a “crônica, por si só, já é literatura”, faz parte do que ele chama de “jornalismo literário”. Ele usa como grande argumento Nelson Rodrigues. O jornalista preocupa-se com o foco e em escrever de forma diferenciada porque, para ele, o leitor já estaria bem informado pela TV e internet antes mesmo de ler sua matéria. Tendo em vista este fato Santos ressalta o quanto se deve trabalhar em cima de uma matéria jornalística para os jornais com a finalidade de deixá-la especial e diferenciada ao ponto de agradar esses leitores já tão bem informados. Para esta diferenciação Humberto diz que usa o jornalismo literário:

“(...) é perfeitamente possível – e até bem recomendável – dar a notícia, dentro do modelo tradicional de lead, sublead e tal, e da velha perguntinha respondida (quem, o quê, quando, onde e por quê) em um texto diferenciado, que pode seguir a linha literária. O leitor fica informado e com certeza terá mais prazer em ler. Crônica é literatura (...)”.

Depois de expressar sua opinião Santos ainda aproveita para dar uma “alfinetada”, fazer uma provocação aos críticos acadêmicos:

“Para os acadêmicos, é cômodo falar e ensinar aos alunos a teoria. Isso pode, isso não pode. (...) Da faculdade para o mundo real a distância é enorme.”

Partindo agora para o professor Anco Márcio. O especialista inicia seu texto com uma citação do Santo Agostinho sobre o tempo para argumentar com relação ao fato de todos dizerem que sabem o que é a literatura, mas não conseguem conceituá-la. Após a exposição da questão o professor inicia uma ótima explicação sobre os elementos que fazem de uma obra literária ou não. São três: a intencionalidade, a ficcionalidade e a linguagem carregada de significados. Para ser mais clara, segundo Anco, para uma obra ser literatura deve-se haver um “estatuto histórico-temporal” da mesma; espera-se haver também o “estatuto da ficcionalidade” através do “pacto ficcional”; e ainda deve ter uma das mais marcantes características da literatura, a linguagem enigmática, com inúmeros significados escondidos oportunamente entre figuras de linguagens bem construídas.

“É assim que podemos abordar a crônica esportiva. Primeiro não há ficcionalidade, por se referir a fatos que existem na realidade empírica. Segundo, a intencionalidade e o pacto estabelecido com o leitor não é o do fingimento, mas o da verdade.”

Com todos estes esclarecimentos Anco Márcio prova que toda e qualquer crônica, esportiva ou não, “é um gênero puramente jornalístico”, ou seja, não é literatura.

Através dessas opiniões fica claro para nós a questão abordada anteriormente. Até hoje há o desgaste resultante das divergências entre jornalistas e acadêmicos. Esses textos servem também como ótimos exemplos do que trabalhamos abordando sobre a questão da construção da crítica moderna. O jornalista apega-se a argumentos empíricos, não-teóricos e oportunistas para defender a literatura dentro da matéria jornalística. Já o especialista acadêmico inteligentemente prova seus argumentos através da teoria da literatura, com bastante embasamento teórico e segurança daquilo o que está tratando.

Érika Bandeira de Albuquerque
Enviado por Érika Bandeira de Albuquerque em 10/07/2010
Código do texto: T2369857
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