Parte 2 - LITERATURA E INFÂNCIA: A IMPORTÂNCIA DO AFETO NOS CONTOS DE FADAS.

Durante muito tempo, a percepção acerca de literatura infantil (contos de fadas e histórias fantásticas) se fundamentou no caráter pedagógico do qual estavam imbuídas, o que se manifestava através da “moral da história”. Entendia-se que esse componente deveria ser obrigatório e, via de regra, vir ao fim de cada história, representando o aprendizado das personagens e conduzindo-as à resolução dos problemas. Essa compreensão ocidental, até mesmo anterior à separação entre adulto e criança, media o valor do conto pela clareza da lição trazida, muitas vezes abrindo mão de outros elementos, como a linguagem, cujos papéis são fundamentais para a recepção e fruição das histórias.

Em histórias de tradição oral compiladas sem modificações, talvez seja possível encontrar textos destituídos de carga emocional (afetividade) inerente ao autor, mas compostas a partir das emoções e necessidades da comunidade em que foram transmitidas. Com o surgimento de autores que se dedicaram a essa literatura, a possibilidade se tornou escassa, uma vez que esses autores são indivíduos constituídos de uma subjetividade baseada nas experiências pessoais e sociais, boas e ruins, e é nessa subjetividade que se encontra o pasto mais fértil para o “faz de conta”. Dessa forma, o artista transfere para sua obra seus sentimentos diante dos fatos narrados, seu senso crítico, valores cultivados e, baseado neles, os valores morais em vigor. Esses sentimentos são experimentados pelo artista no ato de gênese e fazem referência à sua própria memória infantil, revivida e reelaborada na subjetividade.

Nessa linha de raciocínio, que converge com as teorias atuais, o afeto presente nos textos literários abandona o lugar de acessório e assume seu papel de impulsionador da criação. A criança, em especial, não elege suas predileções através do racional, mas do emocional. Para esse público, é crucial a identificação sensível com o texto e, consequentemente, com o autor. Estabelecidos os vínculos entre eles, são despertadas as paixões (pulsões) que permitem aos leitores mergulharem nas histórias em atitudes recriadoras.

Bettelheim diz que “A prescrição de Freud é de que só lutando corajosamente contra o que aparenta serem desvantagens esmagadoras o homem consegue extrair um sentido da sua existência”. Sendo assim, a literatura e a psicanálise partilham de valores bastante aproximados, uma vez que ambas buscam revelar a realidade do sujeito, mesmo a inconsciente, a fim de desnudar sua alma para assim ajudá-lo nas descobertas necessárias para vencer seus conflitos internos. Somente por meio da solução dos problemas internos é permitido aos personagens avançar nas histórias, da mesma maneira, é somente dessa forma que o ser humano amadurece e encontra as respostas que dão sentido a sua existência.

É denominada “Literatura Maravilhosa” a obra cuja temática, linguagem, situação, atmosfera ou o conjunto dessas, transportem o leitor para um mundo que não seja da percepção normal e o conduzam através deste. Esse mundo não é visível aos olhos comuns e sua construção não se fixa de modo algum na racionalidade, é possível apenas dentro da imaginação. Entretanto, a sinceridade dos contos é tamanha que as histórias geralmente se iniciam com expressões como “Há muito tempo atrás”, “em uma terra distante”, revelando ao leitor que não fazem parte da realidade imediata, fixa e imutável. Isso simboliza a saída do mundo real para o mundo fantástico da imaginação, onde tudo é possível e não há necessidade de maiores explicações, representando, dessa maneira, o modo como a criança percebe o mundo, pois, para ela, as coisas tomam forma de acordo com sua percepção e para que existam basta que ela acredite.

Arkangellus
Enviado por Arkangellus em 29/12/2010
Código do texto: T2698170
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