AUGUSTO DOS ANJOS E EU/ EU E AUGUSTO DOS ANJOS

“Sou uma sombra venho de outras eras”, assim Augusto dos Anjos se definiu no primeiro poema do seu único livro, Eu. Escrevo sobre Augusto porque estive em João Pessoa há alguns dias e visitei a Academia Paraibana de Letras. Conversei por algum tempo com um senhor (que julgo ser algum “imortal”) pelo bonito terno que usava e por conta da familiaridade que tinha com aquele espaço, me levando inclusive para tomar café na copa da Academia. Durante o café descobrimos algo em comum, o gosto pela poesia de Augusto. Ele me levou para o Memorial Augusto dos Anjos existente dentro da Academia e lá (“O imortal”) disse que o seu poema preferido de Augusto é “Ricordanza Della Mia Gioventú”. Passou a recitar o poema e perguntou qual era o meu preferido, eu disse que era o “Poema Negro” e recitei um trecho para mostrar que também era uma entendida em matéria de Augusto dos Anjos

Para iludir minha desgraça estudo,

Intimamente sei que não me iludo....

Nos despedimos e fui embora sem ao menos ter perguntado o nome daquele senhor que como ele mesmo disse carregava o peso do tempo e a leveza da poesia. Cheguei em casa bastante arrependida por não ter perguntado o nome dele, depois percebi que isso era uma grande tolice. Idade, nome, endereço, número do CPF são coisas que não definem quem realmente somos, pois somos muito mais que tudo isso. Conheci aquele senhor melhor do que quem tem todos esses dados, nos identificamos através da poesia e nos tornamos iguais, relembrando os poemas de Augusto. Enquanto as outras pessoas se amontoavam nas lojas da antiga rua Direita, hoje Duque de Caxias, a procura dos melhores presentes para o Natal, eu desfrutava de momentos tão inspiradores, recebendo de graça a poética de um gênio. De todas as visitas que fiz a Academia esta foi a melhor, pois me mostrou o que eu já sabia, que a poesia tem o poder de reunir as pessoas mais diferentes.

Conheci Augusto dos Anjos numa manhã ensolarada, devia ter uns 12 anos, muitas pessoas estavam sentadas em torno da mesa (inclusive e de saudosa lembrança o poeta Caixa d’Água) quando meu pai retirou da estante um livro e leu

Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...

Está árvore meu pai possui minha’alma!...

E disse com a sua habitual forma apaixonada de se referir sobre as coisas que gosta “O maior poeta do mundo” (Esquecendo nessa afirmação de que não conhecia todos os poetas). Hoje, eu digo também, o maior poeta do mundo (mesmo não conhecendo todos os poetas do mundo), pois a partir desse primeiro encontro me apaixonei por Augusto dos Anjos e como todos os apaixonados não precisei de provas para saber que tinha encontrado uma tradução, uma versão de um outro Eu. Que grande impressão recebi naquele dia, os outros que estavam à mesa não se apaixonaram por Augusto como eu. Em um dado momento nem sabia que existia Augusto dos Anjos, momentos depois já não concebia a vida sem sua poesia. Pedi que a minha mãe comprasse o livro Eu para mim e nunca mais me separei dele. Muitos me perguntaram porque gosto tanto da poesia de Augusto, uma poesia mórbida, cheia de termos científicos, muitas vezes beirando o delírio. Gosto porque amo o diferente, o original o inusitado, adoro a musicalidade de seus versos:

E quando vi que aquilo vinha vindo

Eu fui caindo como um sol caindo.

Gosto por conta de sua rebeldia, da forma inusitada de nos arrebatar com imagens únicas, como

Escarrar de um abismo noutro abismo,

Mandando ao Céu o fumo de um cigarro,

Há mais filosofia neste escarro

Do que em toda a moral do Cristianismo!

Augusto não fez poesia para agradar e nem para desagradar, fez e disse o que precisava dizer, usou a poesia para se expressar sem ligar para os padrões estéticos da época, mostrou ser diferente e, indiferente à crítica, escreveu:

Tome, Dr., esta tesoura, e... corte

Minha singularíssima pessoa.

Gritou seu desespero, suas dúvidas em relação à vida e a morte.

Para onde irá correndo minha sombra

Neste cavalo de eletricidade?!

Augusto dos Anjos me lembra que a vida também é feita de dúvidas, de decomposição do ser e das coisas, de momentos tristes e de escolhas, ele também me lembra que o talento é essencial, pois foi por isto que Augusto escreveu tudo o que quis e fez do seu único livro um sobrevivente pelo tempo, ultrapassando todas as obviedades das auto-ajudas, dos manuais de felicidade e do culto ao otimismo, mostrando-se, dessa maneira, eterno.

Voltando a pátria da homogeneidade

Abraçado com a própria eternidade

A minha sombra há de ficar aqui!

Por tudo isso posso dizer que Augusto dos Anjos é o maior poeta do meu mundo singular e também plural.

Nadja Claudino
Enviado por Nadja Claudino em 20/06/2011
Reeditado em 20/06/2011
Código do texto: T3046013