Bruno Tolentino, um exercício

*O texto abaixo é tão somente um exercício que faço sobre outro texto: Vinícius segundo Bruno Tolentino (Palestra ministrada por Bruno Tolentino, provavelmente em 1998, na cidade de Campinas. Transcrita e sem correções por Eduardo Gomes)

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“- Fui bonito, rico, gostoso, inteligente e poliglota, enfim, uma obra-prima - afirma. - A vaidade para mim sempre foi uma coisa natural... Quando descobri que eu também escrevia bem, me pareceu um pouquinho demais, mas era verdade. Mas sempre fui mais orgulhoso do que vaidoso. Sei que vai demorar muito menos que cem anos para eu ser lido e aceito, isso já vai se dar na próxima geração. Vão entender que sou o Fernando Pessoa daqui, que eu trouxe universalidade à nossa poesia”. (Bruno Tolentino)

Segundo Daniela Name, Tolentino esteve preso “em 1989, por porte de drogas, passou 22 meses detido e acabou organizando um workshop de criação poética para os outros presos - a maioria semi-analfabeta”.

Além de outras considerações de muito significado sobre a personalidade, o valor e a obra de Tolentino, Wilson Martins acrescenta:

“Bruno Tolentino, a exemplo de tantos outros, admira com fervor e só aceita as que já fizeram o seu tempo e se transformaram em monumentos do passado e em verdades aceitas”. (Prosa & Verso, O Globo)

Ainda juntando excertos da fortuna crítica de Bruno Tolentino, acrescente-se que segundo Miguel Sanches Neto:

“Era natural, portanto, que o jovem poeta, vivendo uma crise sentimental e metafísica, desdenhasse esta herança imediata e buscasse em outra filosofia de composição a sua mundividência. Lutando contra a anulação da matéria, encontrada em cada exemplo por ele vivido, o jovem transferia para o matrimônio poético com uma linguagem elevada o seu desejo de permanência. Isso fica claro até em "Ao divino assassino", poema recente e mais sereno em que chora a perda definitiva da mulher amada, que ele já havia perdido para outro”. (Miguel Sanches Neto, in Gazeta do Povo, 18.05.98).

Estou entre a cruz e a espada. Eu não sei se Vinícius segundo Bruno Tolentino contém a íntegra do que foi dito pelo conferencista e isto cria um problema, o das suposições. Portanto, fecharei os olhos para este detalhe importante e direi apenas do que percebi dentro do que li.

Em linhas gerais, Tolentino examina dois lados de uma questão tentando colocar o “bonde nos trilhos outra vez” e dispor as cartas na mesa. Estas cartas têm nomes, uma é o CLASSICISMO e a outra, o MODERNISMO. Isto é, a cruz e a espada. O exemplo de poeta que usa como eixo norteador da palestra é Vinícius de Morais e o Soneto de Intimidade, considerada pelo palestrante uma obra genial que consegue unir o clássico ao moderno.

“Eis que Vinícius adota todo o receituário modernista de conteúdo, de linguagem, de assunto trivial, etc. e faz com isso um soneto parnasiano de rimas perfeitas e exatas e alexandrinos, versos de doze sílabas. Foi uma mal-criação! (sic) Porque não há como dizer que não era um poema moderno e não há como não reconhecer um soneto parnasiano em alexandrinos. Vinícius combinou a “forma maldita” com o conteúdo deseja por todos. Fala até com certa grosseira, (sic) pois era essa a receita, mas em alexandrinos, verso parnasiano”. (Bruno Tolentino)

Soneto de Intimidade

Nas tardes da fazenda há muito azul demais.

Eu saio às vezes, sigo pelo pasto, agora

Mastigando um capim, o peito nu de fora

No pijama irreal de há três anos atrás.

Desço o rio no vau dos pequenos canais

Para ir beber na fonte a água fria e sonora

E se encontro no mato o rubro de uma amora

Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais

Fico ali respirando o cheiro bom do estrume

Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme

E quando por acaso uma mijada ferve

Seguido de um olhar não sem malícia e verve

Nós todos, animais, sem comoção nenhuma

Mijamos em comum numa festa de espuma.

Afora o verbo mijar (linguagem popular), Vinícius usou da autoridade de poeta para enfrentar a lógica gramatical que não admite o “há três anos atrás”. Provavelmente, muito provavelmente “porque era sábado” e a rima se fez necessária.

Pessoa alguma é graduada Poeta. Muito menos pós-graduada. O que acontece é alguém sentir-se poeta; ou ainda os leitores dos seus poemas ou seus pares o considerarem poeta.

Conhecer a estética clássica não leva alguém a ser clássico ou a escolher que sua veia seja clássica. Se o poeta tem veia popular e é um conhecedor da cultura clássica, não necessariamente tem que ser seu cultor. Por outro lado, o inverso é verdadeiro: um poeta conhecedor da cultura popular não tem a obrigação de professá-la em sua obra.

Essa tendência de se acreditar que poetas são apenas os cultores das formas clássicas é um absurdo e peca contra o “eu” poético.

Toda reverência aos clássicos e aos não-clássicos. Entretanto, poemas existem rigorosamente obedientes à estética clássica e que têm gosto de palha, de nada, de coisa alguma. E outros, modernos, pós-modernos têm a mesma características. Quem analisa a literatura e aponta o que tem qualidade é o cientista da teoria literária, e o faz baseado em paradigmas. Quem aprecia o texto e com ele conversa e se identifica é o leitor. A objetividade técnica pertence ao estudioso. A subjetividade pertence ao poeta e ao seu leitor admirado de tanta sensação de identidade e beleza que não saberia analisar.

Poetas são incomparáveis, apesar das identificações com outros poetas, influências e intertextualidades. Poetas são seres únicos habitando o Universo poético. Poetas sentem uma extrema e sofrida necessidade de dizer o que percebem, ouvem, sentem. Pouco importa o formato, a formatação, a forma. Comparando, de maneira rude e reducionista, eu diria que um sorvete não deixa de ser sorvete por ser congelado em recipientes de formatos diferenciados.

É inegável que pode exceder em conteúdo e estética um soneto clássico à Mallarmé. Entretanto, um inocente em erudição pode ser Mallarmé sem o saber. Penso que aqui eu tenha exagerado...

Não estou me posicionando contra ou a favor de Tolentino. Este também não tomou tal posição. Pelo menos foi o que me passou o texto da palestra desse intelectual. E qual o meu objetivo? Exatamente o mesmo dele: examinar/ponderar/observar os dois lados da moeda. Nunca, porém, esquecendo de que a Poesia é transcendência e, quando um matuto sem escolarização lança um olhar encantado na direção dos astros ou de toda a Natureza, ali está, em sua alma, a Poesia. A Poesia não é uma academia e nem confere títulos.

Sim, poemas existem cujas características os fazem ideais para a simples leitura silenciosa, um diálogo íntimo texto/leitor. Poemas existem cheios de musicalidade e que devem ser lidos em voz alta, dramatizados, cantados. É a versatilidade incomensurável da Poesia. Ela tem diálogo pra todos, absolutamente todos, inclusive cegos, surdos, mudos. A Poesia é a tradução mais nobre do espírito e este não assume compromissos com estéticas literárias. As estéticas são criações humanas e cambiantes, difusas.

Proposta alguma de renovação literária é, em si mesma, completa e imutável. Toda razão demonstra Tolentino ao asseverar que os modernistas

“Mostraram que era perfeitamente possível, que mesmo assim era possível escrever grande poesia, porque a poesia depende do sentimento e a capacidade de exprimi-lo de uma maneira formalmente resolvida e essa forma pode depender da invenção do poeta. Tanto assim que já havia há muito tempo, pelo menos 60 anos, o Leaves of Grass, do Walt Withman, mostrando que os ritmos inumeráveis estavam por aí”.

Importante demais o que diz Tolentino sobre formas abertas e fechadas de fazer poemas. Hora é de pedir aos anjos que poetas adeptos das formas abertas sejam abençoados, pois, se há dificuldades ao se tentar um soneto rigidamente elaborado dentro de normas clássicas, _ não é fácil conseguir escrever poemas na forma aberta.

“Pela forma fechada se entende, não sei concordo inteiramente com essa terminologia, mas ela é útil, é aquela que tem todos os seus elementos imediatamente reconhecíveis dentro de uma tradição, ou se liga a uma tradição. É uma forma que arredonda o poema, os tercetos, quartetos, enfim, a forma pela qual sempre se fez poesia. A forma aberta é aquela que, em volta desses pressupostos, amplia, rompe, ignora de maneira a criar, talvez, um novo equilíbrio, com o risco de quebrar a cara. Um poeta que se baseia na forma aberta, a seus riscos e perigos, é Adélia Prado. É uma obra esplêndida do principio ao fim, porque ela conseguiu que cada um dos seus poemas seja uma forma aberta e, ao mesmo tempo, equilibrada. É muito difícil fazer isso”.

Essa dificuldade existe certamente. Conhecedora de algumas noções sobre a cultura clássica, prefiro dizer-lhe de todo o meu respeito, mas a minha escolha é pela forma aberta e pelo verso livre.

"O verso livre é muito mais difícil que o regular, embora possa dar a impressão contrária, 'conforme testemunha Manuel Bandeira, no ensaio "Poesia e verso": "Mas verso livre cem por cento é aquele que não se socorre de nenhum sinal exterior senão o de voltar ao ponto de partida, à esquerda da folha de papel: verso derivado de vertere, voltar. À primeira vista, parece mais fácil de fazer do que o verso metrificado. Mas é engano. Baste dizer que no verso livre o poeta tem de criar seu ritmo sem auxílio de fora. ( ... ) Sem dúvida, não custa nada escrever um trecho de prosa e depois distribuí-lo em linhas irregulares, obedecendo tão-somente às pausas do pensamento. Mas isso nunca foi verso livre. Se fosse, qualquer um poderia pôr em verso até o último relatório do Ministro da Fazenda". (Bandeira apud GOLDSTEIN, 1999)

Bruno Tolentino, em entrevista à Revista Veja, criticou impiedosamente a moderna cultura brasileira e disse querer o país dele de volta! Pelo teor das respostas do intelectual cheguei a pensar que o país que pediu de volta não é mesmo o país dele, mas uma variante de países europeus que nestas terras implantaram suas culturas. Ainda bem que Tolentino está longe, passeando no céu da Poesia, sua ira não se abaterá sobre nós.

REFERÊNCIAS

GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons e ritmos. São Paulo: Ática, 1999

Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/50973416/11-0-Versos-sons-e-ritmos-de-Norma-Goldstein

http://www.revista.agulha.nom.br/btolentino01e.html

http://www.revista.agulha.nom.br/btolentino01e.html

http://www.revista.agulha.nom.br/wilsonmartins002.html

http://www.revista.agulha.nom.br/msanches24.html

TODOS OS ACESSOS FORAM REALIZADOS EM 24 de julho de 2011

taniameneses
Enviado por taniameneses em 25/07/2011
Reeditado em 27/07/2011
Código do texto: T3116597
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