SEMINÁRIO DOS RATOS: O INSÓLITO EM LYGIA FAGUNDES TELLES
 
     Contemporaneamente, a literatura fantástica brasileira conta com um de seus mais expressivos representantes, a escritora Lygia Fagundes Telles. Em seus contos, a autora explora os temas referentes ao cotidiano do homem moderno e os conflitos vividos por ele, numa sociedade desigual e opressora.
  Utilizando-se, por vezes, do processo da metamorfose, numa linguagem sensível, poética e alegórica, Lygia Fagundes Telles cria o seu universo insólito ou fantástico, cujos temas e personagens abordam, de forma crítica, os medos, as preocupações, as frustrações e a revolta inerentes à condição humana.
     Neste trabalho, procuro demonstrar a presença do insólito no conto "Seminário dos Ratos", da referida escritora e a forma como a autora trabalha esse elemento no citado conto, a partir da teoria de Tzvetan Todorov.
    Segundo Todorov , "devemos considerar o fantástico como um gênero sempre evanescente" (2007, p.48). Para ele, a narrativa fantástica apresenta algumas vertentes, de acordo com o tipo de reação que provoca nas personagens e no leitor implícito, a saber:

a)o fantástico, dentro dessa classificação, " é a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural";

b)"[...] o estranho realiza uma das condições do fantástico: a descrição de certas reações, em particular, do medo; está ligado unicamente aos sentimentos das personagens e não a um acontecimento material que desafie a razão."

c) "[...] o maravilhoso se caracteriza pela existência exclusiva de fatos sobrenaturais, sem implicar a reação que provoquem nas personagens."(TODOROV, 2007, P. 53). Para o gênero maravilhoso, o autor atribui outras classificações que fogem ao objetivo desta análise.
 
   Em "Seminário dos Ratos" Lygia Fagundes Telles se utiliza da alegoria para criar um país fictício, cujas estruturas político-burocráticas passam por tamanha decadência que, embora já estejam no VII Seminário para se discutir a problemática dos ratos que infestam o país, nada se resolve:


"[...] Ah, é aquela eterna tecla que não cansam de bater, que já estamos no VII Seminário e até agora nada de objetivo, que a população ratal já se multiplicou sete mil vezes depois do primeiro Seminário, que temos agora cem ratos para cada habitante, que nas favelas, não são mais as Marias, mas as ratazanas que andam de lata d'água na cabeça [...]" (TELLES, 1998, p.156).
   
A autora recorre de forma irônica à intertextualidade com a música "Lata d'água", hino do carnaval brasileiro, de Luiz Antônio e Jota Júnior (1952), para denunciar a infestação de ratos nas favelas, o descaso e a falta de sensibilidade do poder público, diante do problema.
     Embora o espaço da narrativa não esteja explícito no conto, há fortes indícios de que o VII Seminário esteja sediado no Brasil: a sigla RATESP, alusão aos ratos da cidade de São Paulo, terra natal da escritora; a referência à Revolução de 32 e ao golpe de 64 e ainda a teia intertextual com a música carnavalesca já citada, com a canção "Gota d'água" de Chico Buarque e com o poema de Carlos Drummond de Andrade, conforme veremos a seguir. Entretanto, esse mesmo cenário amplia-se para a América do Sul, com as referências a Santiago e a Buenos Aires (capitais que vivem sob forte ditadura à época) e a repetição do termo "bueno", na fala do Chefe das Relações Públicas.
     A narrativa está em terceira pessoa e, pela carga alegórica, remete o leitor ao sistema político-burocrático brasileiro dos anos 70, década em que o conto foi publicado e em que o país enfrentava a rígida repressão política do governo militar.
    A primeira marca do insólito está na escolha da epígrafe pela autora, versos finais do poema de Carlos Drummond de Andrade, “Edifício Esplendor” : “Que século é este, meu Deus! – exclamaram os ratos e começaram a roer o edifício.” Com estes versos, obtém-se um efeito metafórico de um país governado por homens desumanizados que constroem edifícios sem necessidade, num século marcado pelo egoísmo, a insensatez e a desordem.
   O título “Seminário dos Ratos” causa, à primeira vista, certo estranhamento; visto que, em um seminário, espera-se encontrar intelectuais que discutam e apresentem novas ideias acerca de um tema. Cria-se , assim, uma ambiguidade, podendo tratar-se de um seminário onde serão discutidas as possíveis soluções para o extermínio dos ratos que infestam a cidade, ou um seminário cujos organizadores e participantes são ratos. Todavia, esse estranhamento é desfeito durante a leitura do conto, em que fica claro que o Seminário destina-se à resolução do problema causado pela exagerada população de ratos.
  Todo o conto é um discurso direto entre as duas personagens principais, o Secretário do Bem-Estar Público e Privado e o Chefe das Relações Públicas. Trata-se de um país que está infestado de ratos e se prepara para sediar o VII Seminário dos roedores, organizado pelo Secretário, num casarão do governo, afastado do centro da cidade e, especialmente, reformado para esse fim.
   O secretário sofre de gota e está com o pé muito inchado, impossibilitado, portanto, de acompanhar os preparativos do evento. Tudo fica a cargo do Chefe das Relações Públicas, que relata minuciosamente todos os gastos exagerados feitos com luxo, alimentação, acomodação e lazer dos participantes, inclusive estrangeiros.
    O espaço da narrativa também aponta para o insólito: um casarão afastado da cidade, modernamente equipado com todo o conforto, desde piscina térmica até jatinhos e aparelhos eletrônicos. A escolha da mansão distante do centro urbano evidencia a denúncia ao sistema político, haja vista que, recolhidos no campo além de desfrutarem do conforto e aconchego do casarão, ficariam livres da imprensa, dos inimigos políticos, e a população não teria acesso às informações sobre os gastos abusivos, conforme esta passagem:


“Nosso assessor de imprensa já esclareceu o óbvio, que este Seminário é o Quartel General de uma verdadeira batalha! E que traçar as coordenadas de uma ação conjunta deste porte exige meditação. Lucidez. Onde poderiam os senhores trabalhar senão aqui? Respirando um ar que só o campo pode oferecer? Nesta bendita solidão, em contato íntimo com a natureza [... ]". (TELLES, 1998, p.156).
 
  Os nomes próprios das personagens são substituídos pelos cargos político-burocráticos que ocupam: o Secretário do Bem-Estar Público e Privado e o Chefe das Relações Públicas. Tal substituição aponta para uma alegoria do período da Ditadura Militar e compromete a individualidade das personagens, cujas características físicas indicam homens psicologicamente frágeis, com pouco ou nenhum poder de decisão, sempre acuados, por medo de perderem seus cargos. O primeiro é um jovem atarracado, de baixa estatura, sorriso e olhos brilhantes, rosto bem escanhoado, apresenta deficiência auditiva e cora as faces com facilidade. O segundo é um homem descorado, flácido, de calva úmida e mãos acetinadas, voz branda com tom lamurioso.
     Ao tomar ciência dos participantes do Seminário, o Secretário manifesta profunda insatisfação com a presença do americano, principalmente, por este ser especialista em jornalismo eletrônico:


 “– Fui contra a indicação desse americano – atalhou o secretário num tom suavemente infeliz. – os ratos são nossos, as soluções têm que ser nossas. Por que botar todo mundo a par das nossas mazelas? Das nossas deficiências? Devíamos só mostrar só mostrar o lado positivo não apenas da sociedade, mas da nossa família. De nós mesmos [...]” (TELLES, 1998, p.155).
 
      Nessa passagem, fica clara a preocupação do Secretário, visto que havia, à época, uma forte intervenção americana nas decisões político-econômicas do Brasil e, por isso, ele receia perder o cargo, quando sua má administração ficar comprovada pela falta de atitude política, relativamente ao problema dos ratos no país. Assim, orienta o Chefe das Relações no sentido de que se deve manter as aparências e não mostrar os defeitos do país, deixar que vejam apenas os aspectos positivos:


“O Senhor que é candidato em potencial desde cedo precisa ir aprendendo essas coisas, moço. Mostrar só o lado positivo, só o que pode nos enaltecer. Esconder nossos chinelos.” (TELLES, 1998, p.155).

  Os chinelos e o pé inchado têm, para o Secretário, o mesmo valor negativo que os ratos, problema que causa vergonha ao país perante as autoridades internacionais e ameaça o seu cargo.
     O fato de o Secretário estar com o pé doente e não poder calçar os sapatos para receber o Chefe das Relações Públicas torna-o fragilizado diante do convidado, já que essa deficiência pode revelar ao visitante a intimidade e a falta de autoridade do Secretário. Os sapatos aparecem como uma metáfora de poder e status, enquanto os chinelos simbolizam fraqueza, fragilidade e limitação.


“– Por que não apareci ainda, por quê? Porque simplesmente não quero que me vejam indisposto, de pé inchado e mancando. Amanhã calço o sapato para a instalação, de bom grado faço esse sacrifício.” (TELLES, 1998, p.155).

 
 Podemos perceber a fragilidade do Secretário em todo o seu discurso, ideia corroborada pela figura do copo de leite sempre presente nos momentos de tensão da personagem, o que lhe atribui um caráter infantil:


“ O Secretário do Bem-Estar Público e Privado pousou o copo de leite na mesa e fez girar a poltrona de couro. [...] – Só sei que ele já deveria estar aqui, começa mal – lamentou o Secretário inclinando-se para o copo de leite. Tomou um gole e teve uma expressão desaprovadora. “(TELLES, 1998, p.153, 157).
 
Mais uma vez a autora recorre à intertextualidade, na passagem em que o Secretário se refere à gota – enfermidade do seu pé – e o assessor brinca dizendo que “pode ser a gota d’água”, uma alusão à canção de Chico Buarque que, à época, compunha músicas de protesto contra o regime militar. Entretanto, ao perceber a irritação do Secretário, o Chefe das Relações Públicas justifica a brincadeira, dizendo-lhe que gota d’água é simplesmente “ uma canção que o povo canta por aí.” (TELLES, 1998, p.160). Nessa parte do conto, a denúncia ao descaso político com a população é flagrante. Diz o Secretário:


“– Só se fala em povo e, no entanto, o povo não passa de uma abstração. Que se transforma em realidade quando os ratos começam a expulsar os favelados de suas casas. Ou a roer os pés das crianças da periferia, então sim, o povo passa a existir nas manchetes da imprensa de esquerda. Da imprensa marrom, enfim, pura demagogia. “ (TELLES, 1998, p.160).
   
  Ainda nessa rede intertextual, é possível incluir a fábula de George Orwell “Animal Farm” (“Revolução dos Bichos”), na qual o autor satiriza a ditadura de Josef Stalin e denuncia a traição dele à causa bolchevista. Trata-se de uma fazenda cujos animais estão cansados dos maus tratos de seu dono e resolvem fazer uma revolução contra a opressão e o domínio. Os bichos expulsam o dono da fazenda, aassumido-lhe  a administração. No entanto, paulatinamente, abandonam seus propósitos revolucionários e passam a agir como os homens.
  É interessante observar que, embora o Secretário seja responsável pelo Bem-Estar Público e Privado, a sua atenção parece estar mais voltada para o privado, enquanto o povo só passa a ser reconhecido, quando a mídia denuncia alguma miséria por meio dos jornais e da televisão. Por isso, ele diz ao Chefe das Relações Públicas:


“Boa tática, meu jovem, é influenciar no começo e no fim todos os meios de comunicação do país. Esse é o objetivo.” (TELLES, 1998, p. 158).
     
    Desesperado com a repercussão que a invasão dos ratos possa ter nos meios de comunicação, o Secretário pede ao Chefe das Relações Públicas que faça uma declaração à mídia, dizendo que a situação está controlada. Essa atitude demonstra a hipocrisia de certos políticos e a capacidade que eles têm de ludibriar a opinião pública:


“Hoje mesmo o senhor poderia lhe telefonar para dizer que estrategicamente os ratos já se encontram sob controle. Sem detalhes, enfatize apenas isto, que os ratos estão sob inteiro controle.” (TELLES, 1998, p. 158).
       
     Lygia Fagundes Telles recorre à metáfora de uma estatueta de bronze para retratar a morosidade e o descaso da justiça – trata-se de uma figura feminina com olhos vendados que empunha a espada e a balança com um dos pratos empoeirados. E, através de pares antitéticos, ela mostra a situação de desequilíbrio em que se encontra o país: bem-estar x mal-estar, pé doente x pé sadio, público x privado, homens x ratos, cidade x campo, restauração x ruína, iluminação x escuridão. A espada sugere que a responsabilidade para afastar o mal e a desordem está nas mãos da justiça. Entretanto, a atitude do Chefe das relações Públicas, ao passar o dedo num dos pratos empoeirados e limpá-lo, furtivamente, no espaldar da poltrona, demonstra a má vontade do governo em relação às questões judiciais e o hábito de tentar mascarar a realidade.
    Para denunciar a fome do brasileiro e a insensibilidade dos políticos diante dessa situação, a escritora lança mão de uma metáfora brilhante: o Secretário comenta que, no Egito Antigo, o problema dos ratos fora resolvido com o aumento da população de gatos. Mas o assessor responde, de forma irônica:


“Mas, excelência, não sobrou nenhum gato na cidade, já faz tempo que a população comeu tudo. Ouvi dizer que dava um ótimo cozido! ((TELLES, 1998, p.160).
       
Ao escurecer, o Chefe das Relações Públicas lembra ao Secretário que o jantar será servido às oito horas e passa a descrever-lhe toda a decoração da mesa, incluindo vinho chileno da safra Pinochet, já que o vinho nacional poderia causar dor de cabeça em algum participante. Nota-se, aqui, mais uma marca de intertextualidade com a política do Chile, que vivia sob um regime ditatorial fortíssimo, tendo como presidente Augusto Pinochet. Vejamos:


“O jantar será servido às oito, a mesa decorada só com orquídeas e frutas. A mais fina cor local, encomendei do norte abacaxis belíssimos! E as lagostas, então? O cozinheiro-chefe ficou entusiasmado, nunca viu lagostas tão grandes. Bueno, eu tinha pensado num vinho nacional que anda de primeiríssima qualidade, diga-se de passagem, mas me veio um certo receio: e se der dor de cabeça? Por um desses azares. Vossa Excelência já imaginou? Então achei mais prudente encomendar vinho chileno. – De Pinochet, naturalmente. (TELLES, 1998, p.160 – 161).
       
     Enquanto conversam, o Secretário ouve um ruído que parece vir do interior da terra e subir ao teto – mais uma marca do insólito –. Ele fica perplexo, mas o jovem assessor nada ouve e prossegue com o seu relato. De repente, o chão começa a tremer e todos entram em pânico. O barulho aumenta e ondas de ratos invadem o casarão, a começar pela cozinha, devorando todos os alimentos que seriam usados no preparo do jantar. É interessante observar o valor expressivo do coletivo “nuvem” para se referir à enorme quantidade de ratos, como se fosse uma nuvem de gafanhotos que destroem tudo:


“[...] quase morri de susto quando entrou aquela nuvem pela porta, pela janela, pelo teto, só faltou me levar...” (TELLES, 1998, p.163).
     
   Finalmente, o Chefe das Relações Públicas ouve o ruído e levanta-se para verificar-lhe a origem. Todavia, não consegue passar, porque os ratos invadem rapidamente o local, comendo todos os alimentos da despensa e da cozinha. Nessa parte do conto, a metamorfose é marcante: quando o cozinheiro-chefe tenta salvar os alimentos, um rato fica de pé e o enfrenta. Esse fenômeno também está presente na zoomorfização dos homens que mais lembram ratos em suas atitudes. Os roedores não só destroem os alimentos, mas também conseguem acabar com o Seminário, a partir do momento em que privam os participantes de todos os meios de acesso ao mundo externo, roendo os cabos dos telefones, os fios da eletricidade e os cabos dos veículos.
    Ao final da narrativa, a única personagem que consegue sobreviver é o jovem Chefe das Relações Públicas, que, para escapar do ataque dos roedores, esconde-se no interior da geladeira, numa atitude que o iguala aos ratos e, ali, espera que as coisas se normalizem.


“Quando a primeira dentada lhe arrancou um pedaço da calça, ele correu sobre o chão enovelado, entrou na cozinha com os ratos despencando na sua cabeça e abriu a geladeira. Arrancou as prateleiras que foi encontrando na escuridão, jogou as latarias para o ar, esgrimiu com uma garrafa contra dois olhinhos que já corriam no vasilhame de verduras, expulsou-os e, num salto, pulou lá dentro. Fechou a porta, mas deixou o dedo na fresta, que a porta não batesse. Quando sentiu a primeira agulhada na ponta do dedo de fora, substituiu o dedo pela gravata." (TELLES, 1998, p.l65).
       
     Quando tudo volta ao normal, o Chefe das Relações Públicas sai da geladeira e ouve vozes no andar superior, como se viessem da Sala de Debates. É nessa parte, que o maravilhoso se faz mais presente; ora, se tudo fora devorado pelos ratos e as pessoas tinham fugido, quem poderia estar na casa, além dele? – Somente os ratos que, numa atitude de protesto pela falta de iniciativa dos homens, resolvem exterminá-los e tomar-lhes o poder.
     O fato de ratos invadirem um seminário, tomando o lugar de homens, poderia estar associado ao fantástico. Entretanto, esse efeito fantástico se esvai, quando se observa o valor alegórico de todas as imagens utilizadas pela a autora para representar a situação de insegurança e medo em que vivia o país.
     Vale observar que a gravata do Chefe das Relações Públicas, que fora usada como símbolo de poder e de “status”, fica reduzida a um mero apoio para a porta da geladeira. Enquanto o chinelo do Secretário, que fora desprezado como símbolo de vergonha e humilhação, foi, ironicamente, tudo o que restou da personagem, recuperando o que ele próprio profetizara no início do conto, ao dizer: “– Que se transforma em realidade, quando os ratos começam a expulsar os favelados de suas casas. Ou roer os pés das crianças da periferia... (TELLES, 1998, p. 160).
      Este conto, embora trabalhe o elemento insólito, apresenta uma peculiaridade que o diferencia de outros contos da autora, como “As formigas”, em que um esqueleto de anão é reconstituído por formigas; e “Anão de jardim”, em que o fantástico se dá a partir da humanização de um objeto de gesso e do ser que esse objeto representa – um anão – somente para citar alguns. Em “Seminário dos Ratos”, Lygia Fagundes Teles, em sua fantasia, cria uma praga de ratos como metáfora da indignação de um povo contra a política, a censura, a corrupção e a arbitrariedade.
        Podem-se associar os ratos à podridão da falta de saneamento nas grandes cidades e ao sistema político decadente e corrupto do país. No conto, esses animais representam o desencanto, a angústia e a descrença de uma população que, diante de uma classe política corrompida, já não lhe resta outra saída, a não ser apelar para o sobrenatural. Os ratos representam ainda o povo e o desejo de subversão da ordem estabelecida.
      No epílogo do conto, há uma interrupção da narrativa e inicia-se uma segunda parte, em “flashback”, para que o narrador comunique ao leitor que, depois de todos os acontecimentos, houve um inquérito para apurar os fatos, tendo como depoente o jovem Chefe das Relações Publicas. Curiosamente, é o único fato que esse narrador conta de concreto. Ouso inferir que, após a iluminação do casarão, os ratos conseguiram exterminar os homens e assumir o comando do Seminário, em que decidirão o futuro do país que será governado por eles.


“Lembrava-se, isso sim, de um súbito silêncio que se fez no casarão: nenhum som, nenhum movimento. Nada. Lembrava-se de ter aberto a porta da geladeira. Espiou. Um tênue raio de luar era a única presença na cozinha esvaziada, foi andando pela casa completamente oca, nem móveis, nem cortinas, nem tapetes. Só as paredes e a escuridão. [...] Não se lembrava sequer de como conseguiu chegar até o campo. Não poderia jamais reconstruir a corrida, correu quilômetros. Quando olhou para trás, o casarão estava todo iluminado.”

     Ao ler o conto “Seminário dos Ratos”, pela primeira vez, tem-se a impressão de estar diante de um conto fantástico, pela atmosfera permanente de medo incontrolável que ele parece remeter o leitor. No entanto, após uma leitura atenta, percebe-se que o uso de metáforas e alegorias traz a narrativa para o mesmo plano dos contos de fadas ou das fábulas, em que o evento sobrenatural é aceito sem questionamento pelo leitor.
     Portanto, de acordo com a teoria de Todorov, “Seminário dos Ratos” é um conto maravilhoso e não fantástico, visto que ele não provoca qualquer reação particular nas personagens, nem no leitor implícito.

Referências:

TELLES, Lygia Fagundes. Seminário dos Ratos. Rio de Janeiro: Roco, 1998..
TODOROV, Tzvetan. Introdução à Literatura Fantástica. 3.ed. São Paulo: Perspertiva, 2004.
Lídia Bantim
Enviado por Lídia Bantim em 14/12/2011
Reeditado em 22/06/2017
Código do texto: T3389209
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