Em busca da inocência


O livro "Sangue na Lua", de James Elroy, é magnífico, uma obra extraordinária de ação dentro do gênero policial.
 
De início, a leitura é enfadonha e de difícil entendimento, dada a ordem confusa de uma narração que se mistura com os delírios verbais do autor. Perfeitamente adaptados ao contexto do livro, e principalmente do personagem principal, o sargento detetive Lloyd Hopkins.
 
Sobre o autor, já o chamam atualmente de gênio da moderna ficção policial, e um dos maiores nomes da literatura americana de sua geração.
 
"Sangue na Lua" é seu terceiro romance. Antecedido por "Los Angeles, cidade proibida" e "Tablóide americano".
 
James Elroy nasceu em Los Angeles, em 1948, filho de um contador que trabalhava para astros de cinema e de uma enfermeira. Após o divórcio dos pais, morou com a mãe até 1958, quando ela foi assassinada, crime jamais solucionado. Sua juventude antecipava um futuro sem perspectivas: Elroy viciou-se em drogas e foi preso diversas vezes por furto. Na década de 1970, recuperado, começou a dedicar-se à literatura, e em pouco tempo consagrou-se como um dos maiores autores americanos, ao renovar de maneira irreversível toda a ficção policial contemporânea.
 
A violência de Sangue na Lua é repleta de armas, tiroteio, sangue e corpos decepados. Uma realidade que gera um desequilíbrio mental no detetive Lloyd Hopkins. Desequilíbrio este que também se revela na forma delirante do autor de narrar a ficção, refletindo a perturbação de nossa atual e caótica realidade, onde todos provamos fragmentos de uma loucura que nos deixa doentes.
 
Hopkins é um talentoso sargento do DPLA que investiga os assassinatos cometidos por um maníaco, que por muitos anos vinha matando mulheres sem deixar uma pista sequer.
 
O detetive se envolve de tal maneira com o caso, que começa a acreditar que a captura ou a morte do assassino em série poderia fazê-lo recuperar sua sanidade. Ele queria buscar uma resposta para o mal que corrompe a vida de inocentes.
 
Com três filhas, a busca de Llloyd Hopkins por respostas, na verdade, era também uma tentativa de salvar suas meninas, preparando-as para a realidade. Vítima de um ataque brutal quando criança, ele perdeu a inocência muito cedo, e principalmente sua ingenuidade. E temendo que o mesmo acontecesse com suas filhas, toda noite contava para elas as histórias violentas e sombrias que vivia, acreditando que a informação e o conhecimento poderiam salvá-las. O exemplo mais tocante de um mundo cruel e sujo está na parte do livro em que é mencionada, de forma emocionante, a experiência do detetive em salvar uma desconhecida menina, e sua preocupação em relação ao assassino casualmente vir a fazer dela uma próxima vítima. Transcrevo a seguir essa passagem:
 
"- Quando eu estava com dois anos de serviço, fui designado para o circuito de palestras nas escolas secundárias. Contando histórias de policiais para os garotos e alertando sobre drogas e não aceitar carona de estranhos. Eu adorei aquele serviço, porque adoro crianças. Um dia um professor me falou de uma menina da sétima série, de doze anos, que costumava chupar paus em troca de um maço de cigarros. O professor me pediu para falar com ela.
 
"Um dia a procurei depois da escola. Era uma garotinha bonita. Loura. Estava com um olho roxo. Perguntei como tinha acontecido. Ela não quis contar. Verifiquei sua situação em casa. Era típica: mãe alcoólatra vivendo do seguro desemprego, pai cumprindo pena de três a cinco anos em Quentin. Sem dinheiro, sem esperança, sem chance. Mas a garotinha gostava de ler. Eu a levei a uma livraria na esquina da Sexta com Western e apresentei ela ao dono. Dei cem pratas ao dono e disse que esse era o crédito da garotinha. Fiz a mesma coisa numa loja de bebidas no quarteirão: cem pratas compram um bocado de cigarros.
 
"A garota ficou satisfeita e quis me agradar. Disse que ficou com o olho roxo porque seu aparelho dentário cortou um cara que ela estava chupando. Depois perguntou se eu queria uma chupada. Claro que eu disse que não, e fiz um tremendo sermão. Mas continuei vendo-a. Ela morava na minha área, e eu a via o tempo todo, sempre fumando e carregando um livro. Parecia feliz.
 
 
"Um dia ela me parou quando eu estava de serviço sozinho na radiopatrulha. E disse: 'Eu realmente gosto de você e quero dar uma chupada.' Eu falei que não, e ela começou a chorar. Não pude suportar aquilo, por isso a abracei e disse para ela estudar como um demônio, para aprender a contar histórias também.
 
"A voz de Lloyd ficou embargada. Ele enxugou os lábios e tentou lembrar do que queria dizer.
"-Ah, sim - disse finalmente. - Esqueci de mencionar que agora a garota está com vinte e sete anos, e tem mestrado em inglês. Vai ter uma boa vida. Mas... há um sujeito que quer matá-la. E as suas filhas e as minhas... e ele é muito inteligente... mas não vou deixar que ele machuque mais ninguém. Juro a você. Juro.".
 
Com muitas cenas de sexo e traição envolvendo as amantes de Lloyd, o ápice da ação do livro vem quando o assassino declara guerra ao detetive, em cenas de esquartejamento e matanças extremamente violentas.
 
O autor consegue também traçar um perfil psicológico do assassino, com detalhes que assustam. Mas sempre querendo ir mais além, na esperança de achar algo escondido dentro de nós mesmos, incrivelmente exemplificado na busca de Lloyd Hopkins, um detetive corrompido pela vida criminosa e hedionda que enfrenta diariamente nas ruas. Um tira inteligente, com QI 170, um raro talento para a leitura dinâmica, muita força e uma grande compulsão para perseguir assassinos, mesmo que para isso tenha de quebrar algumas regras.
 
O final não agrada. O autor mostra uma certa fraqueza ao deixar de lado toda a teoria da obra, em busca de um final feliz impregnado de moral, quando o detetive "aprende" a contar o lado feliz de suas histórias para as filhas.
 
Contudo, é interessante notar a presença de personagens poetas na ficção, com passagens em versos no livro, explorando o lado íntimo de suas ações.
 
Um romance que prende a atenção, envolve o leitor em seu clímax sombrio, e depois joga um momento de reflexão sobre o que poderia e o que não poderia ser, nessa coincidência com elementos de nossa realidade que não sabemos se são certos ou errados.
Sr Arcano
Enviado por Sr Arcano em 26/09/2012
Reeditado em 26/09/2012
Código do texto: T3902840
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