NOTÍCIA BIOGRÁFICA - FAGUNDES VARELA (1841 - 1875)

Na freguesia de Nossa Senhora da Piedade, atualmente vila do Rio Claro, província do Rio de Janeiro, foi que nasceu Luiz Nicolau Fagundes Varella, aos 17 do Agosto de 1841.

Foram seus pais legítimos o Dr. Emiliano Fagundes Varella e D. Emilia de Andrade.

Carinhosos e solícitos pela educação do filho a quem estremeciam entregaram a José de Souza Lima, hábil mestre de escola que então existia em Angra dos Reis, o cuidado de desenvolver e instruir o juvenil espírito do menino.

Em 1852, tendo sido seu pai nomeado juiz de direito de Catalão, na remota província de Goiás, teve o menino que acompanhar sua família.

Durou semanas a viagem, feita a cavalo, através de sertões sem estradas e quase desertos, sendo os viajantes forçados a buscar abrigo sob a copa das arvores, onde repousavam e tomavam as refeições.

Se difíceis foram os sofrimentos durante tão penosa peregrinação, o espírito do poeta recebeu, entretanto, duradoura e enérgica percepção das maravilhosas belezas de um opulento país tropical que ainda florescia em sua primitiva majestade. Nessa trabalhosa viagem através de um país agreste, colheu ele ainda ensinamento que mais tarde lhe foi de grande proveito, como havemos de ver.

Em Goiás estudou com admirável aproveitamento a língua latina, começando logo a manifestar o seu talento poético. Anos depois, regressando sua família de Goiás, foi Luiz Nicolau para um colégio em Petrópolis, cujo direto Jacinto Augusto de Mattos, apreciando-lhe a bela inteligência, aproveitou-a em acurados estudos, habilmente dirigidos.

Mudando-se seu pai para Niterói, iniciou o jovem poeta seus estudos filosóficos sob a direção do desembargador aposentado João Cândido de Deus e Silva. Fagundes Varella já se entregava então ao cultivo da poesia, e em ligeiras composições revelava o imenso talento que havia de fulgurar mais tarde. Seu professor, ou receando que a poesia desviasse o aluno de outros estudos, ou mesmo por ser avesso a esse gênero das manifestações do talento, procurava desanimar o poeta repetindo- lhe que — a pobreza seria sua sorte, e acrescentando sempre: “Nunca será bom poeta”.

Varela, ou por simples travessura, ou por vingar-se do mestre, improvisou um dia duas oitavas e escreveu no fim, como si as houvera copiado: Luiz de Camões - Lusíadas; abaixo dessas copiou então dos Lusíadas outras duas oitavas e assinou: “Luiz Varella”. Feito isto, apresentou-as, umas e outras, à apreciação do professor, o qual imediatamente declarou ruins as oitavas de Camões que Varella se atribuíra, e excelentes as de Varella, por este, atribuídas a Camões.

Em 1865, matriculou-se na faculdade de S. Paulo. Ao ser examinado em francês, para sua admissão, foi-lhe por sorte designado um trecho de poesia. Imediatamente verteu-o ele em excelentes versos portugueses, com aplauso dos examinadores e circunstantes. Começara assim, por um triunfo, a sua vida acadêmica.

Cursou a academia durante dois anos, e durante esse tempo, estimulado pelos colegas, publicou as suas primeiras poesias. Por essa época, seu coração inflamou-se de amor por formosa donzela. Com ela casou-se, e teve um filho, ao qual dedicava extremoso afeto. Resolvido a concluir seus estudos na faculdade de Olinda, partiu para Pernambuco, como passageiro, no vapor francês Bearn.

Esse navio naufragou na altura dos Abrolhos. Varella desenvolveu então grande energia, e, pondo em prática a sua experiência adquirida na viagem que fizera a Goiás, através de sertões, dirigiu a construção de cabanas para acomodação dos náufragos, e de mais trabalhos para a obtenção de socorros.

Chegando finalmente a Pernambuco, passou ali um ano em prosseguir nos seus estudos, e, regressando, por ocasião das férias, ao Rio de Janeiro, quase perdeu a razão ao saber que a morte lhe havia roubado a esposa e o filho.

Esse golpe tremendo cortou-lhe o futuro e enegreceu-lhe a existência. Dali em diante, Varella vagueava pelos campos, abria caminho através das florestas, vadeava ribeiros e passava a nado caudalosos rios, condoendo-se com os africanos escravos que encontrava, contando suas torturas aos tropeiros em cujos pousos parava, suspirando pela morte, e foi por essa ocasião que escreveu o sentido Cântico do Calvário.

De tal modo se possuiu dos costumes simples da gente do campo, que adotou as suas maneiras e os seus vestuários. Seguindo, porém, a ordem natural das coisas, a dor pungente que o atormentava se foi abrandando, e mais tarde contraiu o poeta segundas núpcias.

Todavia, nunca se restabeleceu completamente do abalo sofrido pela morte da primeira esposa e do primeiro filho. O amor que consagrava á sua nova esposa, a afeição extremosa que sentia pelas suas filhinhas, frutos desta segunda união, não foram lenitivo bastante para aquela alma fadada ao sofrimento. As vezes desaparecia durante semanas inteiras, procurando consolação nas florestas e nas choupanas dos camponeses

pobres que o acolhiam sempre com afago.

Em S. Paulo e Olinda, escreveu com extraordinária fertilidade numerosas composições poéticas, de incontestável merecimento, na maior parte; foi, porém, depois da morte de sua primeira esposa e de seu primeiro filho que o seu gênio se expandiu em produções de mais levantado mérito, mais comoventes e de mais profundo sentimento.

Mal compreendido pelos homens do seu tempo, que não podiam ou não sabiam calcular o grau dos seus tormentos exagerados por exaltada sensibilidade, viveu assim mal julgado, considerado como excêntrico, talvez como desajuizado, o mísero poeta que a desgraça fulminara com dois golpes de morte sobre os seus mais santos amores.

Entretanto, nunca retribuiu as opiniões errôneas emitidas a seu respeito com merecida represália; era em extremo magnânimo.

Dado ao estudo dos livros entregava-se com mais amor, ao estudo da natureza.

Tencionava, depois de publicar o seu poema Anchieta ou o Evangelho nas Selvas, a mais alentada das suas produções, estudar o rio Amazonas, indo visitar as inúmeras tribos indianas que ainda não tiveram comunicação com os homens. A morte, porem, não lhe deixou a satisfação desse desejo.

A 18 de Fevereiro de 1875 faleceu na cidade de Niterói, vítima de uma apoplexia cerebral.

Varella escrevia sempre inspirado, como de improviso e de uma vez, as suas composições, os seus cantos; e o que se deve notar, não os relia nunca para corrigi-los.

Suas principais obras publicadas são as que se encontram nesta coleção (COLEÇÃO DOS AUTORES DA LITERATURA BRASILEIRA – FAGUNDES VARELA – OBRAS COMPLETAS – LIVRARIA GARNIER – RIO DE JANEIRO – S/D.)

Além delas, deixou em manuscrito, segundo consta, um fragmento da vida dos Apóstolos e três dramas intitulados: A fundação de Piratininga, em verso, Ponto

Negro e o Demônio do jogo, também em versos, extraindo dos contos fantásticos de Hoffmann.

Alguns meses depois de sua morte, a 17 de setembro do mesmo ano de 1875, em reunião solene, realizada no conservatório de música, e promovida pelo Sr. Otaviano Hudson, uma alma de eleito, fez-se entrega do busto do chorado poeta á sua saudosa família.

Esse trabalho artístico, que reproduzia perfeitamente modelada a bela cabeça do cantor das nossas florestas, fora executado por Bernardelli, o inspirado escultor da índia Faceira.

Em um dos seus mais esplendidos folhetins, publicados no Jornal do Comércio, Ferreira de Menezes, outro brilhante luzeiro tão cedo desaparecido do céu das letras pátrias, a estas lamentava pela perda do poeta, colocando-o justamente entre os primeiros que o Brasil conta.

Surgiram controvérsias a propósito dessa apreciação, e em sua digna resposta o ilustre folhetinista escreveu as seguintes palavras, justo tributo á memória do morto, e com que fechamos esta notícia:

“....Chegará a atravessar as lamas, mas conservara sempre erguida a inteligência, não a maculara de infâmia, não a vendera, nem o estro caucionara jamais em nenhum balcão social”.