O lugar da mulher nas canções de Chico Buarque: A lésbica 2



BÁRBARA

Anna

Bárbara,
Bárbara,
Nunca é tarde,
Nunca é demais.
Onde estou?
Onde estás?
Meu amor,
Vou te buscar.

Bárbara

O meu destino é caminhar assim,
Desesperada e nua
Sabendo que no fim da noite
Serei tua.

Anna

Deixa eu te proteger do mal,
Dos medos e da chuva.
Acumulando de prazeres
Teu leito de viúva.

As duas

Bárbara,
Bárbara,
Nunca é tarde,
Nunca é demais.
Onde estou?
Onde estás?
Meu amor,
Vem me buscar.

Bárbara

Vamos ceder, enfim, à tentação
Das nossas bocas cruas
E mergulhar no poço escuro
De nós duas.

E vou viver agonizando
Uma paixão vadia,
Maravilhosa e transbordante
Feito uma hemorragia.

As duas

Bárbara
Bárbara,
Nunca é tarde,
Nunca é demais,
Onde estou?
Onde estás?
Meu amor,
Vem me buscar.
Bárbara...
 
 
 
        Essa composição foi feita para a personagem homônima da peça “Calabar” de Chico Buarque e Ruy Guerra. É construída por sete estrofes, cujos versos são heterométricos ( variando de três a dez sílabas) rimas interpoladas, prevalecendo os versos brancos.
      O texto apresenta como sujeito do discurso duas mulheres Anna e Bárbara que vivem uma relação homossexual. Na primeira estrofe, Anna se sente atraída por Bárbara e, aproveitando-se da fragilidade provocada pela viuvez da mesma, inicia o jogo de sedução fazendo-lhe uma promessa Meu: amor vou te buscar. Percebemos que essa mulher possui o “animus” (o lado masculino da personalidade da mulher) mais desenvolvido. Ideia reiterada na terceira estrofe, quando ela quer proteger a amada “dos medos e da chuva”, proporcionando-lhe prazeres carnais: "Deixa eu te proteger do mal /dos medos e da chuva/Acumulando de prazeres/ Teu leito de viúva."
    Na segunda estrofe, Bárbara apresenta sua condição de lésbica, ocultando-se na escuridão da noite, para viver esse amor marginalizado pela sociedade. O adjetivo “nua” apresenta uma ambiguidade, podendo significar despida ou sem escrúpulos. O adjetivo desesperada remete-nos à ideia angustiante de procura por um lugar em que ela possa se entregar à amante.
    Do ponto de vista sintático, prevalece a parataxe, o que caracteriza uma linguagem emotiva, reforçada pelo emprego de frases curtas.
No nível fonológico, encontramos os seguintes fenômenos fonéticos: crase e elisão "Nunca é tarde /Nunca é demais e Onde estou?/ Onde estás?"
Quanto ao aspecto morfológico, vale destacar o valor expressivo dos substantivos abstratos “medos” e “prazeres”, cuja pluralização os transforma em concretos, tangíveis às personagens. A locução adjetiva “de viúva” referindo-se anaforicamente a “leito” realça a carência , a fragilidade e a solidão dessa mulher.
     Na quarta estrofe, embora haja uma indistinção das personagens, os dois últimos versos remetem-nos à Bárbara: "Meu amor/ vem me busca]' , por apresentarem características da fragilidade feminina , inerentes à referida mulher.
   Na quinta estrofe, por meio do emprego metafórico dos adjetivos “cruas” e escuro” referindo-se anaforicamente aos substantivos “bocas” e “poço”, Anna faz a proposta à amada. Tais versos sugerem que ambas formam mutuamente uma incógnita, visto que ainda não trocaram carícias, não se conhecem intimamente.
    Finalmente, Bárbara resolve entregar-se, mesmo sendo um relacionamento ilegal a “uma paixão vadia” (sexta estrofe), ela quer agonizar (sentir prazer). Para enfatizar a intensidade dessa paixão, o autor emprega a comparação “feito uma hemorragia”, referindo-se à dificuldade de se deter um sangramento intenso.
    Observamos o paralelismo rítmico nas estrofes: primeira, quarta e sétima, (o que caracteriza um refrão), reforçando o apelo dessa mulher.
  Percebe-se nos refrães certa confusão na identidade das personagens, no que tange à noção de tempo e espaço: "Onde estou ?/Onde estás?" Apenas nos dois últimos versos dessas estrofes, conseguimos identificá-las, a partir do discurso de cada uma. Assim, na última estrofe, Anna faz mais uma vez seu último apelo à Bárbara, reforçado pelo uso do vocativo "Bárbara" e das reticências.
      A função apelativa é marcante no texto pelo uso do imperativo e de exclamações indiretas. Observamos ainda, uma forte carga emotiva no discurso das duas mulheres.
    Do ponto de vista da língua, o tratamento é mantido rigorosamente em segunda pessoa (registro formal). Entretanto, os pronomes oblíquos átonos te / me aparecem de forma proclítica ao verbo, demonstrando não só uma preferência do autor pelo registro informal, mas também a emoção na fala dessas personagens.

Bibliografia:
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37ªed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
BUARQUE, Chico, GUERRA, Ruy. Calabar: o elogio da traição. 22ª ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1996.
CARVALHO, Gilberto de. Chico Buarque: análise poético-musical. 3ªed. Rio de Janeiro: Codecri, 1984.
CASTAGNINO, Raúl H. Análise Literária. 1ª ed. São Paulo: Mestre Jou, 1968.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
GARCIA, Othon Moacir. Comunicação em prosa moderna. 13ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 1986.
GUIRAUD, Pierre. A estilística. Tradução de Miguel de Mailler. 2ª ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978.
LAPA, Manuel Rodrigues. Estilística da Língua Portuguesa. 11ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1982.
MARTINS, Nilce Sant'anna. Introdução à estilística. 3ª ed.São Paulo: T.A. Queiroz, Editor, 2000.
MELO, Gladstone Chaves de. Ensaio de estilística de língua portuguesa. 1ª ed.Rio de Janeiro: Padrão, 1976.
MONTEIRO, José Lemos. A estilística. 1ª ed. São Paulo: Ática, 1991.
PIRES, Orlando. Manual de teoria e técnica literária. 2ª ed. Rio de janeiro: Presença, 1985.
ZAPPA, Regina. Chico Buarque: Perfis do Rio. 4ª ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999

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Lídia Bantim
Enviado por Lídia Bantim em 02/09/2013
Reeditado em 19/06/2017
Código do texto: T4463652
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