A MULHER SEDUZIDA EM CHICO BUARQUE 

TERESINHA

O primeiro me chegou
Como quem vem do florista
Trouxe um bicho de pelúcia
Trouxe um broche de ametista
Me contou suas viagens
E as vantagens que ele tinha
Me mostrou o seu relógio
Me chamava de rainha
Me encontrou tão desarmada
Que tocou meu coração
Mas não me negava nada
E assustada eu disse não.

O segundo me chegou
Como quem chega do bar
Trouxe um litro de aguardente
Tão amarga de tragar
Indagou o meu passado
E cheirou minha comida
Vasculhou minha gaveta
Me chamava de perdida
Me encontrou tão desarmada
Que arranhou meu coração
Mas não me entregava nada
E assustada eu disse não.

O terceiro me chegou
Como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada
Também nada perguntou
Mal sei como ele se chama
Mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama
E me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro
E antes que eu dissesse não
Se instalou feito um posseiro
Dentro do meu coração.
Chico Buarque

 
     Os versos dessa composição são isométricos, todos heptassílabos (redondilha maior). As rimas são bastante variadas (rimas soantes, cruzadas, interpoladas e versos brancos).
     Nessa composição, o sujeito do discurso, sob a perspectiva feminina, narra a tentativa de três homens para conquistar uma mulher, Teresinha.
Observamos a intertextualidade com a cantiga de roda “Teresinha de Jesus”, mostrando a passividade do eu-lírico em todos os versos. “O primeiro foi seu pai / O segundo seu irmão / O terceiro foi aquele / Que a Teresa deu a mão”.
     Os dois primeiros versos das três estrofes estabelecem um isocronismo rítmico (paralelismo), mostrando a semelhança das três situações apresentadas.
     Ainda encontramos paralelismo rítmico nos terceiro e quarto versos da primeira estrofe, em que o autor repete anaforicamente a sequência: verbo, artigo indefinido, substantivo, preposição, substantivo: “Trouxe um bicho de pelúcia /Trouxe um broche de ametista”.
     O primeiro homem é o mais romântico e gentil, “o que não negava nada”, aquele que traz mimos, capaz de tocar o coração feminino. Entretanto, esse homem é rejeitado porque não se encaixa no perfil de “homem ideal” para o sujeito do discurso. Corresponde ao primeiro da cantiga citada: “O primeiro foi seu pai”.
     O segundo homem apresentado é indiferente, vem cheio de intimidade” indagou o meu passado / e cheirou minha comida” e nada romântico: “Trouxe um litro de aguardente...” Esse homem, apesar de conseguir “arranhar” o coração dessa mulher, não consegue conquistá-la. Talvez, pela insegurança no futuro, visto que ele não lhe "entregava nada". Representa a imagem do irmão, portanto o segundo da cantiga.
    Ainda na Segunda estrofe, o verbo “indagar” revela uma atitude machista e possessiva desse segundo pretendente, invadindo a privacidade da mulher (física e moralmente).
     O terceiro homem apresentado é diferente dos anteriores. Sabe entender e lidar com a alma feminina e se fazer entender sem precisar de palavras ou presentes: “[...]Mas entendo o que ele quer”. Parece que esse homem deseja uma relação atemporal: “Ele não me trouxe nada/ Também nada perguntou”. Vale destacar o valor expressivo do substantivo “posseiro” que, determinado pelo artigo indefinido “um”, enfatiza a característica romântica, isenta de qualquer machismo, por parte desse homem. Ele não tem a pretensão de ser o dono dela, e assume a condição daquele que detém a posse. Portanto, é o tipo ideal para o eu-lírico, e corresponde ao terceiro da cantiga: “...foi aquele que a Teresa deu a mão”.
     Nas duas primeiras estrofes, a expressão “Me encontrou tão desarmada” realça a personalidade extremamente passiva dessa mulher, cuja única defesa é a covardia: “E assustada eu disse não”. Fato comprovado pelo emprego dos verbos “tocar” e “arranhar”, referindo-se ao sintagma “meu coração” e do adjetivo “ assustada” , (predicativo do sujeito).
    Observamos nas três estrofes, a preferência por expressões de negação: “nada”, “não”, “mal", sugerindo que, nas duas primeiras estrofes, os homens, ao invés de cativarem essa mulher, dando-lhe o que ela realmente deseja, somente conseguiram afastá-la, com  maneira de tratá-la, chamando-a  de “rainha” e de “perdida”: “E assustada eu disse não”. Tais negações, nas duas primeiras estrofes, estão mais ligadas ao medo e, consequentemente, à fuga do que ao próprio desejo de entrega. Entretanto, na terceira estrofe, as negações remetem-nos ao mistério que envolve esse terceiro homem: “Mal sei como ele se chama”. Como se ele usasse a palavra “mágica” que ela tanto esperava ouvir: MULHER. Realizando assim, todas as suas fantasias e desejos reprimidos.
     Do ponto de vista da língua, Chico Buarque opta pelo registro informal, quando emprega o pronome oblíquo me (proclítico) como complemento do verbo chegar, (verbo intransitivo) e a expressão "omo quem vem", comparando duas orações em vez de como se viesse de (registro culto).

Imagem google.

Bibliografia:
 
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GUIRAUD, Pierre. A estilística. Tradução de Miguel de Mailler. 2ª ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978.
LAPA, Manuel Rodrigues. Estilística da Língua Portuguesa. 11ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1982.
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MELO, Gladstone Chaves de. Ensaio de estilística de língua portuguesa. 1ª ed.Rio de Janeiro: Padrão, 1976.
MONTEIRO, José Lemos. A estilística. 1ª ed. São Paulo: Ática, 1991.
PIRES, Orlando. Manual de teoria e técnica literária. 2ª ed. Rio de janeiro: Presença, 1985.
ZAPPA, Regina. Chico Buarque: Perfis do Rio. 4ª ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999.


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Lídia Bantim
Enviado por Lídia Bantim em 02/09/2013
Reeditado em 19/06/2017
Código do texto: T4463797
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