Os Poetas Ultrarromânticos

I - INTRODUÇÃO:

O Romantismo, associado às mudanças sociais e políticas que derivam

da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, surge no final do

século XVIII, na Europa, e perdura até meados do século XIX . O romance epistolar "Werther", de Wolfgang von Goethe(1749-1832), publicado em 1774, é considerado por muitos como o marco inicial do Romantismo. Goethe, junto de Friedrich Schiller(1759-1805) foi o principal representante do "Sturm und Drang" como era chamado o início do Movimento Romântico alemão. Depois, o Romantismo surgiu na França, através, principalmente, das obras de Madame de Stäel(1766-1817) e François René Chateaubriand(1768-1848). Na Inglaterra, o Romantismo começa em 1800 com o prefácio de William Wordsworth(1770-1850) à reedição das "Lyrical Ballads", livro de poemas escrito em parceria com Samuel Taylor Coleridge(1772-1834).

Esse novo movimento de sensibilidade profundamente subjetiva e

individualista, rapidamente espalhou-se pelos demais países da Europa e, depois, pelas Américas.

No Brasil, o Romantismo foi introduzido em 1836, por Gonçalves de Magalhães (1811-1882), com a publicação, na França, de "Niterói — Revista brasiliense " e o seu livro de poesias "Suspiros Poéticos e Saudades"; e perdurou até 1886, quando foram publicados dois romances, "O mulato", de Aluísio Azevedo e "Memórias póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, que inauguram um novo movimento: o Naturalismo/Realismo.

O Romantismo brasileiro pode ser dividido em três gerações:

1ª geração: indianista ou nacionalista - caracterizada sobretudo pela exaltação da natureza e da pátria, retorno ao passado histórico, medievalismo; idealização do índio como herói nobre, fiel e valente; religiosidade e sentimentalismo; teve como principais representantes: Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães e Araújo Porto Alegre.

2º geração: ultrarromântica, byroniana ou do mal do século - caracterizada sobretudo por egocentrismo, pessimismo, tédio, solidão, melancolia, sentimentalismo, busca pelo amor e desejo pela morte; teve como principais representantes Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e Fagundes Varela.

3ª geração: condoreira ou hugoana - caracterizada sobretudo pela preocupação com os problemas sociais e a luta pela liberdade(contudo, sem abandonar totalmente as características ultrarromânticas); teve como principais representantes Castro Alves, Sousândrade e Tobias Barreto.

Porém, neste breve estudo, nos limitaremos em ver a 2ª geração: o

ultrarromantismo.

II - O ULTRARROMANTISMO NO BRASIL:

O Ultrarromantismo brasileiro, conhecido também como "2ª geração

romântica", "geração do mal do século" e "geração byroniana", foi um

movimento literário que existiu do final da década de 1840 até a década de 1860. Foi fortemente influenciado pelo Romantismo europeu, principalmente por Lord Byron(1788-1824), um dos maiores poetas românticos da Inglaterra.

Os ultrarromânticos eram jovens poetas extremamente sensíveis que se sentiam impotentes diante de uma sociedade materialista que tornava irrealizáveis seus sonhos, e viam o homem de sua época como um ser fragmentado, relegado a uma simples peça da engrenagem social. Eles acreditavam que o espírito humano busca sempre a perfeição, porém, o homem é incapaz de atingi-la por ser uma criatura imperfeita; e a constatação dessa impossibilidade produz insatisfação, angústia e uma obsessiva atração pela morte, encarada como saída definitiva para resolver tal insaciedade. Esses poetas, geralmente, não conseguiam se adaptar a esta sociedade que os não compreendia, o que os levava à solidão e à criação de seus próprios mundos interiores.

Algumas características que aparecem no Ultrarromantismo: liberdade criadora, egocentrismo, pessimismo doentio, individualismo, spleen, saudosismo, descrença, dor existencial, desgosto de viver e desejo pela morte, subjetivismo, desilusão, tédio constante, sentimentalismo exacerbado; gosto pela melancolia, a solidão e o sofrimento; sentimento de inadequação à realidade e fuga dela; atração pela noite e lugares sombrios, fúnebres e misteriosos; clima geralmente tétrico de sonho e mistério, idealização da infância, narcisismo, negativismo, temas macabros e às vezes satânicos, apego à bebida e a outros vícios, sarcasmo e ironia. No ultrarromantismo, o amor é supervalorizado, idealizado e inatingível, é considerado a coisa mais importante da vida, e sua ausência leva à loucura, à depressão e à morte. A mulher que aparece como objeto do amor romântico é quase sempre irreal, divinizada e pura como um anjo, envolta em sonhos e mistério.

Poetas ultrarromânticos brasileiros: Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu,

Junqueira Freire, Fagundes Varela, Laurindo Rabelo, Francisco Otaviano,

Aureliano Lessa, Bernardo Guimarães, Cardoso de Meneses, Pedro de Calasans, etc.

II - POETAS ULTRARROMÂNTICOS BRASILEIROS:

ÁLVARES DE AZEVEDO:

"Amor e morte são temas de todos os tempos, e particularmente caros aos românticos; mas em Álvares de Azevedo são mais que isso: a morte é uma presença constante dentro da sua vida, da mesma forma que o amor é uma ausência eterna..."

(NEGRÃO, Maria José da Trindade. Álvares de Azevedo, Coleção Nossos

Clássicos. 7ª ed. Agir Editora. Rio de Janeiro, 1995, pág.22)

Manuel Antônio Álvares de Azevedo, principal representante do ultrarromantismo brasileiro, nasceu na capital paulista, a 12 de setembro de 1831.

Em 1833, transfere-se com a família para o Rio de Janeiro. No mesmo ano, morre um irmãozinho seu, eis o primeiro encontro que Álvares, então com apenas 4 anos, teve com a morte.

Em 1840, entra para o Colégio Stoll, onde se destaca, e é considerado pelo diretor, o Sr. Stoll como "a maior capacidade intelectual que eu tenho encontrado na América, em criança de sua idade..."

Em 1845, entra para o Colégio Dom Pedro II, onde foi aluno de Gonçalves de Magalhães e bacharelou-se em Letras, em 1847.

Em 1848, retorna sozinho a São Paulo e matricula-se na Faculdade de

Direito, onde conhece escritores como José de Alencar, Bernardo Guimarães e Aureliano Lessa. Durante os quatro anos que lá passa, lê e escreve avidamente, produzindo toda a sua obra literária: "Lira dos vinte anos", "Noite na taverna", "Macário", "Poesias diversas", "Poema do Frade", "O Conde Lopo", "O livro de Fra Gondicário", "Cartas"; além de fundar o Ensaio Filosófico Paulistano, e fazer traduções, ensaios e discursos.

A partir de 1851, tem verdadeira fixação pela ideia de morte, deixando clara em cartas enviadas à mãe, à irmã e ao amigo Luís, e inclusive escreve na parede de seu quarto o nome de dois estudantes quintanistas, que haviam falecido, um em 1850 e outro em 1851, deixando em branco 1852:

1850 - Feliciano Coelho Duarte

1851 - João Batista da Silva Pereira Júnior

1852 - ... ... ... ...

Morre a 25 de abril de 1852, quando tinha apenas 20 anos, vítima de uma enterite com perfuração do intestino.

Álvares de Azevedo era um ávido leitor, como nos demonstra nas muitas epígrafes, citações e até pelo modo de escrever, e entre suas influências encontram-se Lord Byron, Alfred de Musset, George Sand, Goethe, Schiller, Lamartine, Shakespeare, Henri Heine, Chateaubriand, Victor Hugo, Alfred de Vigny, Alexandre Dumas, Percy Shelley, Théophile Gautier, Giacomo Leopardi, Spronceda, Hoffmann, Chatterton, André Chénier, Charles Dovalle, Thomas Moore, Bocage, Dante Alighieri, Homero, Virgílio, Ovídio, Camões, a Bíblia, Lamennais, Ariosto, Tasso, Horácio, Ossian, Ugo Fuscolo, Alexandre Herculano, Miguel de Cervantes, Moliére, etc.

Sua obra apresenta duas faces distintas, uma binomia: Ariel e Caliban(como diz o próprio autor fazendo referência a dois personagens da peça "A tempestade", de Shakespeare). Na primeira face, a de Ariel, temos o poeta melancólico, "platônico e visionário", que idealiza o amor e a mulher, colocando-a como um ser divino, onírico, sublime e inalcançável. E na segunda face, a de Caliban, temos o poeta irônico, mórbido, sarcástico, mordaz e por vezes alegre, que chega a satirizar o

próprio sentimentalismo da primeira face.

Nenhum de seus livros foi publicado em vida, e "Lira dos vinte anos" (publicado em 1853 e que inicialmente era o projeto "As três liras" com os poetas Bernardo Guimarães e Aureliano Lessa) foi o único por ele editado e organizado. Este é um livro de poemas dividido em três partes: na primeira e na terceira nota-se a face angelical de Ariel e na segunda a face demoníaca de Caliban. É geralmente considerado o seu livro de maior relevância, por melhor expor as suas duas faces e o sua habilidade de escrever.

"Noite na taverna"(publicado em 1855) é um livro de contos fantásticos, em que cinco jovens estudantes, bêbados numa taverna, narram histórias suas, geralmente em clima tétrico, satânico, de sonho e mistério, e que envolvem traição, assassinato, incesto, necrofilia, canibalismo, adultério, libertinagem, corrupção e, principalmente, morte por amor. É um exemplo perfeito do "mal do século" e da literatura gótica no Brasil. Os terríficos contos de "Noite na taverna" foram

inspirados no livro "Noches Lugubres", publicado em 1771, pelo espanhol

José Cadalso, e, por sua vez, as "Noches Lugubres" são uma imitação de

"Nights", obra do autor pré-romântico inglês Young. E "Noite na taverna" de Álvares também gerou algumas imitações tais como o conto “A confissão do moribundo”(1856), de Lindorf Ernesto Ferreira França, a novela "Genesco: vida acadêmica"(1862) de Teodomiro Alves Pereira, o romance "Dalmo ou Os mistérios da noite"(1863) de Luís Ramos Figueira e "A Trindade Maldita"(1862), de Franklin Távora.

"Macário"(publicado em 1855) é uma obra dramática e, conforme o

próprio autor, "esse drama é apenas uma inspiração confusa, rápida, que

realizei à pressa, como um pintor febril e trêmulo." Foi escrita após o

autor sonhar que conversava com Satã, e tal obra nos mostra o encontro de um jovem estudante de direito chamado Macário (provavelmente o próprio poeta) com Satã. O drama é claramente influenciado por Shakespeare, por Byron e pelo "Fausto" de Goethe; e apesar de ser uma obra confusa e apenas um esboço, conforme nos diz Álvares de Azevedo no prefácio; ela é muito relevante para o Romantismo nacional e possui páginas das mais eloquentes da literatura brasileira. E, novamente, nota-se as suas duas faces distintas: o irônico e macabro Macário, e o melancólico e sentimental Penseroso, que morre por amor.

"O poema do frade"(publicado em 1862) é uma narrativa em cinco

cantos, em decassílabos, no I e no II em oitavas, e nos III, IV e V em

sextetos. Nele, um frade devasso narra a história do infausto amor entre

um poeta libertino chamado Jônatas e a bela cortesã Consuelo. "O Conde Lopo"(publicado em 1866) é uma longa narrativa incompleta, dividida em oito cantos, e conta uma história trágica, envolvendo amor, traição e morte, que é encontrada num livro em versos de um poeta morto, o Conde Lopo. Ambos os poemas, "O poema do frade" e "O Conde Lopo", são tipicamente byronianos, estando repletos da ironia ácida, a morbidez sombria e o satanismo romântico de Lord Byron.

Também fazem parte da obra de Álvares de Azevedo as "Poesias

diversas"(conjunto de poesias dispersas, do qual destacam-se "Se eu

morresse amanhã", "Pedro Ivo" e "Teresa"); vários ensaios(como

"Literatura e Civilização em Portugal" e alguns sobre Bocage, Lucano,

George Sand e Alfred de Musset); traduções(como "Parisina" de Lord Byron e o 5º ato de "Otelo" de Shakespeare); discursos(como um na sessão comemorativa da criação do cursos jurídicos, em 1849; e um de inauguração da sociedade Ensaio Filosófico, em 1850); o romance "O livro de Fra Gondicário"(do qual existem apenas fragmentos) e as 69 cartas enviadas a amigos e parentes.

Adeus, meus sonhos!

Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!

Não levo da existência uma saudade!

E tanta vida que meu peito enchia

Morreu na minha triste mocidade!

Misérrimo! votei meus pobres dias

À sina doida de um amor sem fruto...

E minh'alma na treva agora dorme

Como um olhar que a morte envolve em luto.

Que me resta, meu Deus?!... morra comigo

A estrela de meus cândidos amores,

Já que não levo no meu peito morto

Um punhado sequer de murchas flores!

(Álvares de Azevedo; Lira dos vinte anos)

CASIMIRO DE ABREU:

Casimiro José Marques de Abreu nasceu em Barra de São João, no Rio de Janeiro, a 4 de janeiro de 1839.

Em 1852, foi mandado pelo pai para o Rio de Janeiro a fim de se iniciar na prática comercial, e, um ano depois, para Portugal, a fim de completar essa prática. Foi lá onde escreveu a maior parte de sua obra, fazendo amizades literárias e publicando em periódicos importantes como O Panorama, Ilustração Luso-Brasileira e O Progresso. Foi também nesta época encenado o seu drama "Camões e o Jau", em Lisboa.

Em 1857, retornou ao Brasil por determinação de seu pai, para trabalhar num escritório no Rio de Janeiro. Neste tempo, escreveu para alguns jornais e fez amizade com Machado de Assis.

Em 1859, com o auxílio econômico do pai, é publicado o seu único livro de poemas: "As Primaveras". Um ano depois, seu pai morre. E após alguns meses, é a sua vez: falece de tuberculose a 18 de outubro de 1860, aos 21 anos, alguns meses após ficar noivo de Joaquina Alvarenga Silva Peixoto.

Sua obra é composta de: o drama "Camões e o Jau"(1856), o romance inacabado "Camila"(1856), o pequeno romance "Carolina"(1856), a breve autobiografia lírica "A virgem loura"(1858) e o livro de poemas "As Primaveras"(1859).

Em linguagem simples, ritmos fáceis, rimas pobres, pleonasmos em excesso e um lirismo ingênuo e adolescente; Casimiro de Abreu cantou as saudades da infância pura, da irmã, da mãe e da terra natal; a brevidade da vida, com um pessimismo típico do mal do século; e as desilusões ocasionadas sobretudo por uma visão idealizada da mulher e do amor; tornando-se um dos poetas mais populares da Literatura Brasileira.

Quando tu choras

Quando tu choras, meu amor, teu rosto

Brilha formoso com mais doce encanto,

E as leves sombras de infantil desgosto

Tornam mais belo o cristalino pranto.

Oh! nessa idade da paixão lasciva

Como o prazer, é o chorar preciso:

Mas breve passa - qual a chuva estiva -

E quase ao pranto se mistura o riso.

É doce o pranto de gentil donzela,

É sempre belo quando a virgem chora:

- Semelha a rosa pudibunda e bela

Toda banhada do orvalhar da aurora.

Da noite o pranto, que tão pouco dura,

Brilha nas folhas como um rir celeste,

E a mesma gota transparente e pura

Treme na relva que a campina veste.

Depois o sol, como sultão brilhante,

De luz inunda o seu gentil serralho,

E às flores todas - tão feliz amante -

Cioso sorve o matutino orvalho.

Assim, se choras, inda és mais formosa,

Brilha teu rosto com mais doce encanto:

- Serei o sol e tu serás a rosa...

Chora, meu anjo, - beberei teu pranto!

(Casimiro de Abreu; As Primaveras)

JUNQUEIRA FREIRE:

Luís José Junqueira Freire nasceu a 31 de dezembro de 1832, em Salvador, Bahia, onde estudou Humanidades.

Aos 18 anos, sem despedir-se de ninguém, entrou para o Mosteiro de São Bento da Bahia e tornou-se monge da ordem beneditina, permanecendo na vida religiosa por cerca de 4 anos. Sua decisão por uma vida monástica foi, provavelmente, em razão dos problemas de convívio familiar. Faleceu a 24 de junho de 1855, aos 22 anos, vítima de problemas cardíacos.

Seus dois livros de poemas "Inspirações do Caustro"(1855) e "Contradições Poéticas"(data incerta) revelam a sua alma angustiada, expressando a contradição entre a vida religiosa, mais espiritual, e a vida mais materializada, mundana, sem fé e sem vocação celibatária; o pessimismo em relação à vida, a sexualidade reprimida, o desejo pelo pecado e o sentimento de culpa. Em sua poética, podem ser encontradas três principais tendências: a poesia religiosa, a poesia lírica e a poesia social(sendo, nesta última, precursor de Castro Alves, ao tratar da escravidão). Também faz parte de sua obra "Elementos da Retórica Nacional"(1869).

Desejo(Hora de delírio)

Se além dos mundos esse inferno existe,

Essa pátria de horrores,

Onde habitam os tétricos tormentos,

As inefáveis dores;

Se ali se sente o que jamais na vida

O desespero inspira:

Se o suplício maior que a mente finge,

A mente ai respira;

Se é de compacta, de infinita brasa

O solo que pisa:

Se é fogo, e fumo, e súlfur, e terrores

Tudo que ali se visa;

Se ali se goza um gênero inaudito

De sensações terríveis;

Se ali se encontra esse real de dores

Na vida não possíveis;

Se é verdade esse quadro que imaginam

As seitas dos cristãos;

Se esses demônios, anjos maus, ou fúrias,

Não são erros vãos;

Eu – que tenho provado neste mundo

As sensações possíveis;

Que tenho ido da afecção mais terna

Às penas mais incríveis;

Eu – que tenho pisado o colo altivo

De vária e muita dor;

Que tenho sempre das batalhas dela

Surgido vencedor;

Eu – que tenho arrostado imensas mortes,

E que pareço eterno;

Eu quero morrer pra sempre,

Entrar por fim o inferno!

Eu quero ver se encontro ali no abismo

Um tormento invencível:

– Desses que achá-los na existência toda

Jamais será possível!

Eu quero ver se encontro alguns suplícios

Que o coração me domem;

Quero lhe ouvir esta palavra incógnita:

– “Chora por fim, – que és homem!”

Que de arrostar as dores desta vida

Quase pareço eterno!

Estou cansado de vencer o mundo:

Quero vencer o inferno!

(Junqueira Freire; Contradições Poéticas)

FAGUNDES VARELA:

Luís Nicolau Fagundes Varela nasceu em 17 de agosto de 1841, em Santa Rita do Rio Claro, RJ, e morreu em 18 de fevereiro de 1875, em Niterói, RJ, aos 33 anos.

Em sua relativamente curta vida, sofreu com um infeliz casamento e a inconsolável perda do primeiro filho, levando um modo de vida desregrado na boemia e no excesso de álcool, o que resultou no abandono dos seus estudos na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1866, após matricular-se no 4º ano.

Apesar de sua poesia ser geralmente de caráter ultrarromântico (principalmente em "Noturnas", seu livro de estreia), ele também compôs versos nacionalistas, religiosos e sociais. Seu livro mais conhecido é "Cantos e Fantasias", onde foram reunidos poemas escritos na maior parte em 1864 e 1865. É nele que consta sua mais célebre poesia "O Cântico do Calvário", escrito em ocasião da morte de seu filho Emiliano.

Obras do autor: "Noturnas"(1861), "Estandarte Auriverde"(1863), "Vozes da América"(1864), "Cantos e Fantasias"(1865), "Cantos Meridionais"(1869), "Cantos do Ermo e da Cidade"(1869), "Anchieta ou O Evangelho das Selvas"(1875), "Cantos Religiosos"(1875) e "Diário de Lázaro"(1880).

Visões da Noite

Passai tristes fantasmas! O que é feito

Das mulheres que amei, gentis e puras?

Umas devoram negras amarguras,

Repousam outras em marmóreo leito!

Outras no encalço de fatal proveito

Buscam à noite as saturnais escuras,

Onde empenhando as murchas formosuras

Ao demônio do ouro rendem preito!

Todas sem mais amor! sem mais paixões!

Mais uma fibra trêmula e sentida!

Mais um leve calor nos corações!

Pálidas sombras de ilusão perdida,

Minh'alma está deserta de emoçoes,

Passai, passai, não me poupeis a vida!

(Fagundes Varela, Cantos do Ermo da Cidade)

LAURINDO RABELO:

Laurindo José da Silva Rabelo nasceu no Rio de Janeiro, a 8 de julho de 1826 e morreu também no Rio de Janeiro, a 28 de setembro de 1864, de afecção cardíaca.

De família pobre, Laurindo Rabelo formou-se em medicina em 1853, em Salvador. Tentou a carreira eclesiástica e a militar, além de ter trabalhado como professor. Publicou em vida apenas "Trovas"(1853), que foi reeditado e publicado postumamente, com acréscimo de outros poemas inéditos, sob o título "Poesias"(1867).

Destaca-se na poesia de Laurindo Rabelo o pessimismo, o sentimento de melancolia, de nostalgia, de amor, de revolta, típicos do ultrarromantismo brasileiro. Também gozava de grande talento satírico e capacidade de improviso, fazendo repentes e composições de modinhas; o que lhe granjeou grande popularidade, chegando mesmo a ser conhecido como "o Bocage brasileiro". Também ficou conhecido como "o poeta lagartixa", devido ao seu porte magro e desengonçado.

Último canto do cisne

Quando eu morrer, não chorem minha morte,

Entreguem meu corpo à sepultura;

Pobre, sem pompas, sejam-lhe a mortalha

Os andrajos que deu-me a desventura.

Não mintam ao sepulcro apresentando

Um rico funeral d'aspecto nobre:

Como agora a zombar me dizem vivo,

Digam-me também morto - aí vai um pobre!

De amigos hipócritas não quero

Públicas provas de afeição fingida;

Deixem-me morto só, como deixaram-me

Lutar contra a má sorte toda a vida.

Outros prantos não quero, que não sejam

Esse pranto de fel amargurado

De minha companheira de infortúnios,

Que me adora apesar de desgraçado.

O pranto, açucena de minh'alma,

Do coração sincero, d'alma sã,

De um anjo que também sente meus males,

De uma virgem que adoro como irmã.

Tenho um jovem amigo, também quero

Que junte em minha Essa os prantos seus

Aos de um pobre ancião que perfilhou-me

Quando a filha entregou-me aos pés de Deus

Dos meus todos eu sei que terei preces,

Saudades, lágrimas também;

Que não tenho a lembrança de ofendê-los

E sei quanta amizade eles me têm.

E tranqüilo, meu Deus, a vós me entrego,

Pecador de mil culpas carregado:

Mas os prantos dos meus perdão vos pedem,

E o muito que também tenho chorado.

(Laurindo Rabelo; Poesias)

BERNARDO GUIMARÃES:

Bernardo Joaquim da Silva Guimarães nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais, a 15 de agosto de 1825. Com 4 anos de idade, mudou-se com a família para Uberaba, onde fez sua educação primária. O secundário foi cursado em Campo Belo, e concluído em sua terra natal, em 1842.

Em 1847, matricula-se na Faculdade de Direito de São Paulo, onde conhece jovens talentos literários como José de Alencar; e lá torna-se amigo íntimo de Álvares de Azevedo e Aureliano Lessa, com os quais supostamente participa da Sociedade Epicureia, inspirados pela boemia byroniana. Foi neste período em que escreveu seus primeiros versos. Formou-se em 1852, mesmo ano em que é nomeado juiz municipal de Catalão, em Goiás, e que lança seu primeiro livro de poesias: "Cantos da Solidão".

Em 1860, muda-se para o Rio de Janeiro, onde trabalha como jornalista e crítico literário no jornal "Atualidade". Neste ano, é encenado seu drama "A voz do Pajé"(publicado apenas em 1914). Um ano depois, volta ao cargo de juiz municipal de Catalão, e em 1865 publica "Poesias".

Em 1867, volta à sua cidade natal e se casa com Teresa Maria Gomes, com quem tem oito filhos. Neste ano, trabalha como professor de Retórica e Poética no Liceu Mineiro.

Em 1869, é lançado seu primeiro romance, "O ermitão de Muquém"; em 1871, "Lendas e Romances"; e em 1872, os romances "O seminarista", "O garimpeiro" e "Jupira", além de "História e tradições da província de Minas Gerais".

Em 1873, leciona Latim e Francês no Liceu de Queluz, em Minas Gerais, e publica mais um romance "O índio Afonso".

Em 1875, é publicado "A escrava Isaura"(que junto de "O seminarista", é considerado a sua obra-prima); em 1876, "Novas poesias"; em 1877, "Maurício ou Os paulistas em São João Del Rey"; em 1879, "A ilha maldita ou A filha das ondas" e "O pão de Ouro". Em 1881, é homenageado pelo imperador Dom Pedro II; e em 1883, publica o romance "Rosaura, a enjeitada" e o volume de poesias "Folhas de outono".

Falece em Ouro Preto, a 10 de março, de 1884.

Seu romance inacabado "O bandido do rio das Morte" foi terminado por sua mulher, Teresa Guimarães, e publicado em 1905.

Bernardo Guimarães sempre foi mais conhecido pelos seus romances do que por suas poesias e, por isto, geralmente, não é estudado entre os ultrarromânticos, visto que a influência byroniana nota-se sobretudo em sua poesia, que revela traços que lembram bastante Álvares de Azevedo.

Se eu de ti me esquecer

Se eu de ti me esquecer, nem mais um riso

Possam meus tristes lábios desprender;

Para sempre abandone-me a esperança,

Se eu de ti me esquecer.

Neguem-me auras o ar, neguem-me os bosques

Sombra amiga, em que possa adormecer,

Não tenham para mim murmúrio as águas,

Se eu de ti me esquecer.

Em minhas mãos em áspide se mude

No mesmo instante a flor, que eu for colher;

Em fel a fonte, a que chegar meus lábios,

Se eu de ti me esquecer.

Em meu peregrinar jamais encontre

Pobre albergue, onde possa me acolher;

De plaga em plaga, foragido vague,

Se eu de ti me esquecer.

Qual sombra de precito entre os viventes

Passe os míseros dias a gemer,

E em meus martírios me escarneça o mundo,

Se eu de ti me esquecer.

Se eu de ti me esquecer, nem uma lágrima

Caia sobre o sepulcro, em que eu jazer;

Por todos esquecido viva e morra,

Se eu de ti me esquecer.

(Bernardo Guimarães; Cantos da Solidão)

AURELIANO LESSA:

Aureliano José Lessa nasceu em Diamantina, MG, a 1828 e faleceu em Conceição do Serro, MG, a 21 de fevereiro de 1861.

Em vida publicou apenas em jornais de Minas Gerais e São Paulo. Suas poesias póstumas foram editadas e publicadas em 1873, por seu irmão, Francisco José Pedro Lessa, sob o título "Poesias Póstumas".

Aureliano Lessa, em 1847, ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo, onde conheceu e tornou-se amigo íntimo de Álvares de Azevedo e Bernardo Guimarães, e, com eles, fez parte da Sociedade Epicureia; os três chegaram mesmo a planejar uma coletânea de versos chamada "As Três Liras", mas tal ideia jamais se solidificou. Recebeu o bacharel, em 1851, na Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco, tendo exercido a profissão durante toda a vida, além de ter sido também jornalista.

Sua poesia é geralmente melancólica e sentimental na mesma linha do ultrarromantismo de Álvares de Azevedo, e em linguagem simples, afinal conforme o próprio autor dizia, ele escrevia para o povo.

Tristeza

Dizes que meu amor te encanta a vida

Teus alvos dias, teus noturnos sonhos:

Mas tens a face de prazer tingida,

Teus lábios são risonhos!

Não podem florescer o amor e o riso

Nos mesmos lábios da paixão o fogo

Mata as rosas do rosto, de improviso

Gera a tristeza logo.

Olha: minh'alma é pálida e tristonha.

Minha fronte é nublada e sempre aflita.

Entretanto, uma imagem, bem risonha

Dentro em minh'alma habita.

Mas esse ermo sorrir que tenho n'alma.

Não é como da aurora o riso ardente:

É o sorrir da estrela em noite calma.

Brilhando docemente.

Ah! se me queres a teus pés prostrado.

Troca o riso por pálida beleza:

Mulher! torna-te o anjo que hei sonhado.

Um anjo de tristeza!

(Aureliano Lessa; Poesias Póstumas)

FRANCISCO OTAVIANO:

Francisco Otaviano de Almeida Rosa nasceu no Rio de Janeiro, a 26 de junho de 1825 e morreu também no Rio de Janeiro, a 28 de junho de 1889.

Francisco Otaviano formou-se em 1845 pela Faculdade de Direito de São Paulo, e trabalhou como político, diplomata e jornalista. Poeta, desde criança, nunca se dedicou muito à literatura. Ele mesmo dizia várias vezes, tristemente, haver sido arrebatado à poesia pela política. Sua poesia é romântica à Byron, como era costume no tempo; e diz-se que Dom Pedro II, apesar de grande apreciador de Literatura, não via com bons olhos os byronianos. Talvez seja este um dos motivos que levaram Francisco Otaviano a sobrepor a política à poesia, afinal ele exercia altos cargos políticos.

Também foi tradutor. Ele traduziu obras de Horácio, Catulo, Byron, Shakespeare, Shelley, Victor Hugo e Goethe.

Soneto

Morrer, dormir, não mais: termina a vida

E com ela terminam nossas dores,

Um punhado de terra, algumas flores,

E às vezes uma lágrima fingida!

Sim, minha morte não será sentida,

Não deixo amigos e nem tive amores!

Ou se os tive mostraram-se traidores,

Algozes vis de uma alma consumida.

Tudo é pobre no mundo; que me importa

Que ele amanhã se esb'roe e que desabe,

Se a natureza para mim está morta!

É tempo já que o meu exílio acabe;

Vem, pois, ó morte, ao nada me transporta

Morrer, dormir, talvez sonhar, quem sabe?

(Francisco Otaviano)

CARDOSO DE MENESES(BARÃO DE PARANAPIACA):

João Cardoso de Meneses e Sousa, o Barão de Paranapiaca, nasceu em Santos, a 25 de abril de 1827 e faleceu no Rio de Janeiro, a 2 de fevereiro de 1915.

Estreou na poesia aos 17 anos, com o poema "O cântico do Tupi", e, além de poeta, foi professor, jornalista, político e advogado. Formou-se em 1848, pela Faculdade de Direito de São Paulo.

A poesia de Cardoso de Meneses tem como principais características o byronismo típico do nosso ultrarromantismo e a melancolia romântica de extração lamartiniana. No entanto, sua obra também contém poesias nacionalistas e poesias "pantagruélicas"(ou "bestialógicas"). A influência de Byron é notada principalmente em seu livro de estreia "A harpa gemedora"(escrito em 1847, e publicado em 1849), como se pode ver nas muitas epígrafes ou referências ao lord, e, como ele mesmo disse "Lord Byron é o primeiro gênio da Inglaterra", assim como para ele Lamartine o era da França.

Outras obras suas:

"Otávio e Branca ou A maldição materna"(1849 - romance de terror gótico em versos), "Camoniana brasileira"(1880 - homenagem a Camões no tricentenário de sua morte), "A Virgem Santíssima"(1910 - poemeto em oito cantos) e "Poesias e prosas seletas do Barão de Paranapiaca"(1910 - coletânea de prosa, poesia e traduções, de toda a carreira até o ano em que foi publicado).

Cardoso de Meneses também foi tradutor. Ele traduziu obras de Lord Byron, Lamartine, La Fontaine, Plauto, Sófocles, Eurípides, Ésquilo, Aristófanes, Bürger, Ovídio, entre outros.

Gemido de Melancolia

I

Ouvi teu canto ó bardo — e seus acentos

Vagas recordações repercutiram,

No alaúde quebrado de minh'alma!

Eles puderam ecoar nas sombras,

Que com fúnebre véu meu peito envolvem;

Despertaste em seu árido deserto

Essas reminiscências melancólicas,

Que aguçam mais o espinho da saudade,

E que o seu amargor no pranto ameigam!

Mas o crepe da dor cobriu minh'alma!

Quando o anjo da morte, em seus adejos,

Roçou-lhe as asas negras, — nem já sente

O suave embalar duma esperança!

II

O frio sudoeste encrespa as águas,

As árvores se despem da folhagem,

O coqueiro embalança os seus penachos,

E o canoeiro entoa endechas tristes, —

E eu já não sinto as ilusões tão gratas,

Que me douravam da existência os dias! —

Não! — porque ela ergueu-se a par dos anjos

Nessa nuvem etérea, que exalava

A mirra de Sião, — e nem ao menos

Deixou-me um lírio da virgínea c'roa!

III

Ai! estou solitário sobre a terra,

Nenhum amigo tenho em cujo seio

Mitigue o vivo ardor de meus suspiros, —

Não tenho um coração que ao meu s'ajunte

E ao menos lhe tribute um só palpite! —

A alâmpada da vida já vacila,

E o seu débil clarão vai extinguir-se

Co' zéfiro da campa!

IV

Ai! — já não ouço os sons misteriosos

D'harpa dum anjo, em ondas d'harmonia!

Jamais uns lindos olhos de safira

Far-me-ão sentir as emoções celestes!

Não! — porque as ilusões se esvaeceram!

Porque não mais o serafim tão lindo

Me roça n'harpa d'ouro as tranças negras!

É triste, ao despertar de um sonho aéreo,

Escutar o sussurro dos ciprestes,

E respirar dos goivos o perfume!

V

Agora! — a brisa é gelo — e seus bafejos

Não trazem a harmonia dos suspiros,

Que eu ouvia vagar por entre as flores

No silêncio da noite! — o céu tem nuvens,

E não diviso mais Huris brilhantes

No meio das caçoulas de perfumes,

Entre coxins de seda! — tudo é negro

Como crepe do féretro — e meu pranto

Estéril — como o vento do deserto, —

Cava rugas na face, e entorna horrores

No cálice da vida!

VI

Ah! que a flexível cana vai quebrar-se

Ao rijo furacão!

Ah! que um vaso tão frágil não resiste;

É brando o coração!

VII

Mas o hino de minh'alma

É do céu suave orvalho,

Que vem misturar doçuras

Nas queixas, que ao vento espalho!

O pensamento da morte

Que punge o meu coração,

Me revela, que há de, cedo,

Romper-se a minha prisão!

Então da fronte da virgem

Colherei cecéns e lírios,

E, escutando os seus prelúdios,

Findarão os meus martírios!

VIII

Não há de mais o vento enregelado

Desfolhar-me a grinalda da esperança,

Nem derramar nas cinzas do sepulcro

A taça de meus dias!

(Cardoso de Meneses; A harpa gemedora)

PEDRO DE CALASANS:

Pedro Luziense de Bittencourt Calasans nasceu em Santa Luiza do Itanhy, Sergipe, a 29 de janeiro de 1837 e faleceu num navio, próximo de Lisboa, Portugal, a 24 de fevereiro de 1874, de tuberculose.

Seu primeiro livro de poesias "Adeus!" foi publicado quando ele tinha apenas 16 anos, e o seu segundo "Páginas soltas" foi publicado no ano em que ingressou na Faculdade de Direito de Recife, onde bacharelou-se em 1859. Além de poeta, Pedro de Calasans também foi jornalista, crítico, dramaturgo, tradutor, juiz, advogado e político. Sua obra é normalmente de caráter ultrarromântico, porém, nota-se, algumas tendências condoreiras e realistas.

Obras do autor:

Poesia: "Adeus!"(1853), "Páginas soltas"(1855), "Últimas páginas"(1858), "Ofenísia"(1864), "Wiesbade"(1864), "A morte de uma virgem"(1867), "Qual deles?"(1867), "Brazilina"(1870), "Camerino: Episódio da guerra do Paraguai"(1875), "As flores de laranjeira"(1881), "Waterloo"(1900) e "A cascata de Paulafonso"(1906).

Crítica: "Traços ligeiros sobre o casamento civil"(1859) e "A demagogia entre nós"(1861).

Teatro: "Uma cena de nossos dias"(drama em 4 atos)(1864).

Tradução: "A campa e a rosa"(Victor Hugo)(1857).

Lágrimas e Amores

Quando no espaço bruxoleia a aurora,

Mandando à terra divinais palores,

O doce orvalho, que nos campos chora,

São lágrimas e amores.

Nas frescas tardes, nas manhãs de maio,

Que aqui renascem, que ali brotam flores,

Quando chorarem, o seu pranto amai-o,

São lágrimas e amores.

Amai-o; as flores também têm segredos,

Sim, vivem, morrem, têm sorriso e dores;

Vede esse pranto, decifrai enredos,

São lágrimas e amores.

Quando,transpondo do horizonte a corda,

O sol se despe dos gentis fulgores,

Brancas estrelas de que o céu se borda,

São lágrimas e amores.

Quando na campa, que o cipreste esguio

Com a sombra cobre de enlutadas cores,

Chorarem brisas, que acordou o estio,

São lágrimas e amores.

Quando o arco-íris lá no céu se arqueia;

Para, chovendo, refecer calores,

Esses gotejos por que o sol anseia,

São lágrimas e amores.

Quando, por noites de luar ameno,

O céu se esmalta de cem mil primores,

Esses rorejos do sutil sereno

São lágrimas e amores.

Quando branquejam, de manhã, neblinas,

Cobrindo os campos, o que são? – vapores,

Que o pranto gera das canções divinas,

São lágrimas e amores.

Cristáleas águas, que o Amazona atira

Nas nossas terras a trajar verdores,

E os sons cadentes, que eu na mata ouvira,

São lágrimas e amores.

As níveas pérolas de nitente alvura,

Que a fonte clara salpicou nas flores,

Serão segredos de amorosa jura?

São lágrimas e amores.

(Pedro de Calasans)

IV - A SOCIEDADE EPICUREIA E O SPLEEN:

Não se sabe quanto de verdade há nisto, mas, conta-se que em meados do século XIX, na cidade de São Paulo, surgiu a Sociedade Epicureia, um grupo de jovens poetas estudantes de Direito que se reuniam para a prática de orgias, rituais macabros e cultos satânicos.

A Chácara dos Ingleses, que ficava defronte ao cemitério de indigentes e de escravos, era uma espécie de república, onde moraram estudantes como Álvares de Azevedo, Bernardo Guimarães e Aureliano Lessa. E ela supostamente foi sede da Sociedade Epicureia. Os jovens poetas, à noite, no cemitério ou na Chácara, vestidos de longas capas negras, fumavam charutos, bebiam vinho e conhaque em taças feitas de crânio roubado do Cemitério dos Aflitos, liam versos de Lord Byron e promoviam cerimônias sombrias e orgias com prostitutas. Assim, os jovens poetas do "mal do século" para se livrarem do "spleen", davam vida às suas imaginações românticas, inspirados em Byron, e, destarte, escandalizavam a sociedade conservadora do tempo que era aquela insípida São Paulo de no máximo 15 mil habitantes.

O nome da sociedade vem do filósofo grego Epicuro(341-270 a.C.). Epicuro pregava o gozo dos bens materiais e espirituais do mundo com ponderação e medida. Porém, sua doutrina, com o passar do tempo, foi desvirtuada e tornou-se sinônimo de busca exclusivamente material; de volúpia e prazeres terrenos. Esta conotação foi usada para designar a Sociedade Epicureia.

"Spleen" é uma palavra inglesa que significa "baço", órgão ao qual era atribuído no século XIX, a propriedade de determinar o estado melancólico ou depressivo de um indivíduo. Em francês o termo representa o estado de tristeza pensativa ou melancolia, e foi popularizado pelo poeta Charles Baudelaire(1821-1867) ao publicar um conjunto de quatro poemas sob o título "Spleen".

O "spleen" foi uma das principais características do Romantismo e, sobretudo, da sua segunda geração. Era usado para denotar melancolia extrema, pessimismo, tédio infindável, desejo pela autodestruição e, por conseguinte, pela morte, vista como a única solução definitiva para os problemas e os sofrimentos do ser humano.

V - QUEM FOI LORD BYRON, AFINAL?

George Gordon Noel Byron nasceu a 22 de janeiro de 1788, em Londres, Inglaterra; e morreu a 19 de abril de 1824, em Missonlonghi, Grécia, pouco tempo após completar 36 anos. Foi o maior poeta da segunda geração romântica inglesa, junto de Percy Bysshe Shelley(1792-1822) e John Keats(1795-1821), e hoje é considerado um dos poetas mais influentes e mais importantes da história.

Entre grandes artistas que apreciaram a sua obra, encontram-se: Goethe, Heine, Schumann, Beethoven, Chamisso, Nietzsche e Schopenhauer, na Alemanha; Lamartine, Musset, Vigny, Baudelaire e Delacroix, na França; Shelley, Elizabeth Browning, as irmãs Brontë e Alfred Tennyson, na Inglaterra; Leopardi e Manzoni, na Itália; Lermontóv, Pushkin, Tchaikóvski e Dostoiévski, na Rússia; Almeida Garrett e Luis Augusto Palmeirim, em Portugal; Álvares de Azevedo, Castro Alves, Gonçalves Dias, Fagundes Varela e Sousândrade, no Brasil; além de Edgar Allan Poe(EUA), Walter Scott(Escócia), Espronceda(Espanha), Lenau(Áustria), Bertrand Russell(País de Gales), Franz Lizst(Hungria), e muitos outros.

Goethe foi um dos seus primeiros e maiores admiradores, e chegou a dizer: "Os ingleses podem pensar o que quiserem de Byron, mas uma coisa é certa: não tem outro poeta que se lhe possa comparar. É diferente de todos os outros, e, excetuando-se Shakespeare, é o maior."

As principais obras de Lord Byron são:

- "Don Juan": a obra que foi iniciada em 1818 e continuada até 1824, é um longo poema satírico de dezesseis cantos(em mais de 16 mil versos) em oitava rima, que ficou incompleto devido à morte do poeta. Inspirado na antiga lenda do jovem sedutor Don Juan, narra suas aventuras e amores, em linguagem sobretudo irônica, repleta de críticas à sociedade do tempo.

- "Peregrinações de Child Harold": um poema em quatro cantos(publicados de 1812 a 1818), que narra as viagens de um imaginário cavaleiro medieval, chamado Harold(provavelmente o próprio poeta). O 1º canto(1812) narra a viagem de Harold a Portugal e à Espanha, com uma mistura de sentimentalismo e ironia. O 2º canto(1812) inicia-se com a viagem pela grécia, exalçando a beleza e o encanto de vários lugares por onde passa através do mar, e termina com lamentos saudosos por pessoas que ele amava e que já não viviam, tais como sua mãe e um amigo chamado Mathews. Os dois últimos cantos são bem diferentes dos dois primeiros; o 3º canto(1816) tem uma grande influência de Shelley e Wordsworth, em um panteísmo que exalta os laços existentes entre o Homem e a Natureza e louva o amor universal; e o 4º canto(1818) já não mais panteísta, inicia-se em Veneza, e é caracterizado por uma filosofia de ação, expressa através do ódio, da tirania e de entusiásticos hinos de liberdade. Interessante notar que neste último canto, Harold raramente aparece.

- Contos Orientais: publicado entre 1813 e 1814, compreende quatro novelas em verso: "O Corsário", "O Giaour", "Lara" e "A noiva de Abido", todas histórias sombrias e trágicas de amor.

- Parisina: nesta novela em verso, escrita em 1815, o marquês Azzo ao descobrir que Hugo, seu filho ilegítimo, tem um caso amoroso com sua esposa Parisina; manda executar Hugo e obriga Parisina a assistir à execução.

- Manfredo: publicado em 1817, é um poema dialogado, em versos hendecassílabos soltos, que fala sobre Manfredo, um feiticeiro, que através das ciências ocultas busca a paz e o esquecimento.

- O prisioneiro de Chillon: romance em verso publicado em 1816, inspirado no patriota François de Bonnivard, mártir da liberdade, que estava prisioneiro durante quase seis anos, no século XVI, na velha fortaleza de Sabóia nas margens do lago de Genebra, enquanto a sua cidade lutava para se libertar do duque de Saboia.

- Caim: drama em cinco atos, publicado em 1821, em versos hendecassílabos, inspirado no famoso conto bíbico das primeiras origens da humanidade. Byron descreve Caim como um rebelde que não faz orações e sacríficios a Deus; não pede nada a Ele nem Lhe agradece; critica os pais, Adão e Eva, por não terem levado até o fim o pecado, e culpa o Criador pelas maldades e injustiças do mundo, sendo a sua única felicidade a sua esposa-irmã Ada. Tal obra contribuiu bastante para consolidar a fama satânica de Byron.

- Beppo: publicado em 1817, é um poema satírico em oitavas, bem ao estilo burlesco "Don Juan". Ridiculariza a alta sociedade de Veneza, em tom ligeiro e cáustico.

Outras obras do autor: "Horas de Ócio"(1807), "Poetas ingleses e críticos ingleses"(1808), "A maldição de Minerva"(1811), "A valsa"(1813), "Melodias hebraicas"(1815), "Poesias domésticas"(1816), "O cerco de Corinto"(1816), "Lamentações de Tasso"(1817),"Mazzepa"(1819), "Os Dois Foscari"(1821), "Sardanápalo"(1821), "Marino Faliero Doge de Veneza"(1821), "Profecia de Dante"(1821), "O deforme transformado"(1822), "A visão do juízo"(1822), "A ilha"(1823), "Céu e terra, um mistério"(1823), "Werner ou A herança"(1823), "Poesias várias e ocasionais", "Diários", "Cartas" e "Pensamentos soltos".

Apesar de sua obra riquíssima e seu talento incontestável, um dos principais fatores que colaboraram para a fama de Lord Byron, foi a sua vida. Ele, mais que nenhum outro, viveu como um herói romântico, desafiando as convenções morais e religiosas da sociedade burguesa, escandalizando com os seus casos de bissexualismo e incesto, viajando pelo mundo, sempre envolvendo-se em aventuras amorosas, defendendo o amor livre e a liberdade e criticando as hipocrisias e injustiças do tempo em que viveu.

O primeiro tradutor de Byron no Brasil foi o historiador e poeta byroniano Tibúrcio Craveiro(1800-1844), que ficou conhecido pela morbidez de sua poesia e pelo seu gosto pelo horror e pela magia negra. Entre autores que traduziram Byron, no século XIX, no Brasil, há: Pinheiro Guimarães, Francisco Otaviano, Cardoso de Meneses, Castro Alves, Álvares de Azevedo, Antônio Franco da Costa Meireles, Manuel dos Reis, J.A. de Oliveira Silva, Francisco de Assis Vieira Bueno, João Júlio dos Santos, Sousândrade, Sousa Júnior, Fagundes Varela, Luis Delfino, etc.

E morreste tão jovem e formosa

(And thou art dead, as young as fair)

E morreste — tão jovem e formosa —

Tal como tudo que nasceu mortal;

Tão suave em formas, e em primores tão preciosa

Cedo tornaste à terra maternal!

Possa a terra guardar-te no seu leito

E a multidão nele pisar, de jeito

Descuidoso ou jovial,

Não poderei eu suportar

Um momento sequer o teu sepulcro olhar.

Onde jazes não buscarei saber,

Nem sobre o teu jazigo a vista baixarei;

Nele flores ou ervas poderão crescer,

Que não as olharei;

Bastante para mim é perceber

Que a amada — e longamente a devo amar —

Como terra comum vai terminar:

Não preciso de pedra que me persuada

Que aquela que eu amava tanto não é nada.

Contudo amei-te, até tudo acabado,

E como tu fervidamente;

Jamais mudaste ao longo do passado

E não podes mudar na hora presente.

O amor no qual a morte põe seu selo

Não pode esfriá-lo a idade, nem rival havê-lo,

Nem perfídia o desmente.

E, o que seria pior, não podes ver assim

Erro, mudança ou falta em mim.

Foram nossos os dias bons da vida;

Podem os piores ser somente meus;

O sol que alegra, a tempestade que intimida,

Nunca mais serão teus.

O silêncio sem sonhos desse teu dormir,

Ora o invejo demais para carpir;

Nem preciso chorar que tenham dito adeus

Os teus encantos florescentes:

Melhor assim que vê-los sempre decadentes.

Sem par em sua plena formosura, a flor

Deve tombar como primeira presa;

As pétalas cairão em seu primor,

Mesmo que mão nenhuma colha essa beleza,

E embora fosse maior dor

Ver cada pétala de flor fanada

Que vê-la hoje, súbito, apanhada,

Uma vez que suporta mal, o humano olhar,

Ver o belo no feio se mudar.

Eu não sei se teria suportado

Ver a tua beleza se murchar:

Mostrou um tom de treva mais fechado

A noite que seguiu essa manhã sem par.

O teu dia sem nuvem se passou assim

E foste encantadora até o fim:

Extinta, sem porém se degradar

Como a estrela, que o céu riscando,

Resplende mais quando tombando.

Pudesse ora eu chorar, como chorei outrora,

Bem vertido seria o pranto meu,

Pois não estava eu perto nessa hora

Para manter vigília sobre o leito teu;

Para teu rosto ternamente olhar,

Para num leve abraço te estreitar;

Para a fronte inclinada te apoiar, sim, eu,

Para mostrar-te amor, embora inutilmente,

Pois não podemos tê-lo novamente.

Embora livre me hajas tu deixado,

Como seria menos alcançar

Tudo o que seja encantador de ser notado,

Bem menos do que assim te recordar!

Tudo de ti que é imperecível

Na Eternidade tão sombria, tão terrível,

Eis para mim a retornar,

E vale mais que tudo o teu sepulto amor,

Tirando os anos que viver em seu dulçor.

(Lord Byron; tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos)

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REFERÊNCIAS:

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FREIRE, Junqueira. Desespero na solidão(seleção poética). Organização de Antônio Carlos Villaça. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1976.

SOUSA, João Cardoso de Meneses. Poesias escolhidas. Organização de Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 1965.

GUIMARÃES, Bernardo. O Seminarista, 27ª edição. Sério Bom Livro. Editora Ática, São Paulo, 1999.

SENA, Jorge de. A literatura inglesa. Editora Cultrix, São Paulo, 1962.

BROCA, Brito. Românticos, Pré-Românticos, Ultra-Românticos. Livraria e Editora Polis, São Paulo, 1979.

BYRON, George Gordon. Poemas, 2ª edição. Organização e tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. Hedra, São Paulo, 2010.

FLOR, João Almeida e CARVALHO, Simoneta Bianchi Ayres de. Gigantes da literatura universal: Byron. Editorial Verbo, Portugal, 1972.

NICOLA, José de. Língua, Literatura e Redação, vol.2, 2ª edição. Editora Scipione, São Paulo, 1986.

TUFANO, Douglas. Estudos de Língua e Literatura, vol.2, 4ª edição. Editora Moderna, 1992.

FARACO, Carlos Emílio e MOURA, Francisco Marto de. Língua e Literatura, vol.2, 19ª edição. Editora Ática, São Paulo, 1991.

AMORA, Antônio Soares. O Romantismo. São Paulo. Editora Cultrix, 1973

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NEGRÃO, Maria José da Trindade. Álvares de Azevedo, Coleção Nossos Clássicos, 7ª edição. Agir Editora, Rio de Janeiro, 1995.

OLIVEIRA, Jefferson Donizeti de. Álvares de Azevedo e a tradição do romantismo gótico. (Dissertação Mestrado em Literatura Brasileira). Universidade de São Paulo, USP, 2010.

ALMEIDA, Pires de. A escola byroniana no Brasil. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura / Comissão de Literatura, 1962

Renan Caíque
Enviado por Renan Caíque em 02/10/2013
Reeditado em 23/08/2014
Código do texto: T4507668
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