Ciganos: cultura, magia e globalização

Lendo o prefácio à obra Ciganos: cultura, magia e globalização, de Luzia Nascimento, escrito por Vladimir Carvalho, me veio ao pensamento o que eu sentia, na minha infância, pelos ciganos. Sentia curiosidade e atração visual, especialmente pelo colorido das saias rodadas e pelas mangas cheias de estilo que se alongavam até os cotovelos das belas ciganas. Eu nunca avistava um homem cigano àquela época.

Outro detalhe que me fascinava naquelas mulheres ciganas era o pente grande e vistoso colocado de qualquer jeito entre os cabelos finos e lisos. O pente sempre dava um jeito de deslizar até os ombros da cigana ou cair na calçada. Quando chegava em casa, corria para os lençois de chita ou para as mais espalhafatosas toalhas de mesa, procurava pentes para colocar na cabeça e, depois me olhar e me admirar no espelho.

Queria ler a mão e não sabia como conseguiria tal proeza, cheguei a pensar em explorar a criatividade e mentir para os possíveis consulentes. Queria uma bola de cristal, talvez conseguisse uma na antiga Loja 4 400 (As Brasileiras). Imaginei todos os detalhes, mas eu não tinha cabelos lisos, mas ondulados, o que não ficaria muito bem para uma pretendente à cigana. E onde eu iria arranjar aqueles olhos cuja cor é uma mistura de céu, mar e mistério? Naquele tempo ainda não se conhecia a lente de contato colorida. Estava mesmo difícil ser cigana. Além do mais, a bola de cristal das Lojas Americanas era apenas um peso para papeis.

Sim, eu me recordo dos mais velhos recomendando distanciamento de ciganas, pois elas furtavam e aquela conversa de ler as mãos era tudo mentira, que de nada sabiam, pois “o futuro a Deus pertence”.

Quando alcancei a idade adulta, fui perdendo aquele temor bobo sobre o povo cigano e até aceitei que uma me lesse as linhas da vida e da morte em minhas mãos. Mas eu me decepcionei quando, em outras lidas de mãos, eu ouvi a mesma cantilena. Era algo como essas gravações do tipo call center.

O tempo passando sob os pés dos ciganos e os mais velhos continuavam advertindo e falando mal deles. Entretanto, aquelas mulheres coloridas e de olhar enviesado não saíam da minha mente. Até quis fugir para um acampamento no calor da adolescência.

Certa vez assisti a um excelente filme intitulado O milagre. O enredo dessa película conta a história de vida de uma noviça que fugiu do convento quando se apaixonou por um militar. Ao fugir da instituição religiosa, muitas desgraças aconteceram e a santa desapareceu do altar. Enquanto esteve fora, a noviça perdeu-se do seu belo e loiro capitão e se envolveu com outros homens. Todos que se relacionaram com a religiosa tiveram um fim trágico. Um, entre os que se apaixonaram por ela, era cigano. O casamento cigano ao ar livre, sob a luz das estrelas, foi uma cena das mais românticas e bonitas do filme. Aconteceu que o irmão desse cigano também se apaixonou perdidamente pela mulher e, em virtude daquilo que considerou a pior das traições, a mãe o matou.

A leitura da obra de Luzia me fez rever aqueles momentos dramáticos da Sétima Arte. Até aquela época em que o filme foi exibido nas telas aracajuanas, eu pude ampliar os conhecimentos sobre o povo cigano. Mas foi lendo Ciganos: cultura, magia e globalização que realmente aprendi infinitamente mais e, também, pude rever o meu conceito sobre esse povo.

O texto de Luzia Nascimento tem o calor, o mistério, o ir e vir, o encanto, a sensualidade e a beleza que tanto atraem o sedentário. Aqueles nômades que levam suas barracas para onde bem queiram e cujo legítimo teto é a abóbada celeste, não poderiam ter uma melhor descrição do que esta contida na fundamentada narrativa da obra que é um rico e dourado tributo aos ciganos.

O meu encantamento pelo povo nômade ganhou todas as cores da natureza. A minha espiritualidade se enriqueceu na fé simples e bonita como a devoção a Santa Sara.

Peço perdão, querida Santa Sara, pelas vezes em que pensei mal dos ciganos. Inclusive, peço que a humanidade possa se desfazer de todo tipo de preconceito e “que sejamos sempre pessoas humildes”.