o portão.

o portão é alto.perdi a chave.

não tenho escada, a cadeira e leve, e, eu estou pesada.

o muro tem cacos de vidro, e, eu tenho medo.

presa na solidão voluntária, mas cansei.voluntária imposta.

quero sair, me rasgar , quero gritar, me descabelar.

me arranhar , sangar.

sentar com o mendigo, falar com o nóia, beber sem gostar, morrer sem querer.

cansei.

de esperar.

quinta vez.

cansei.

esgotei.

não sei desenhar.

não sei pintar.

não estudei.

não me formei.

os espinhos me penetram, na alma no coração, na idade.

penetram no despertar, na saudade renitente.

sou impotente, o que fazer ?

esperar.

o remédio fazer efeito. emagrecer sem parar de comer ?

continuar cobaia da ciência, que engatinha dentro das mentes perturbadas, das fugas alucinadas ? meses, meses, meses.

até o portão somente, de vez em quando.

o telefone toca, já sei, é ela.

enclausurada há 30 anos, sem ir até a janela.

é uma dor quieta, que sufoca .

uma dor que espeta e não mais sangra.

aquela dor abstrata, corro e não alcanço.

se pegasse a mataria. escaldaria, fervente, borbulhante, quase morta.

ela é poderosa, não morre,e, quando morre, um dia volta.chega mansa, até sorri.

mas a visita não e de cortesia, é como bruxaria.

ferve o caldeirão, cheio de infusão.

erva daninha, quase mata meu coração, quase come minha alma, senta se ao meu lado, e, dá o bote.

me arranaca tudo, quase tudo.

desta vez me deixou continuar à escrever, bailar nas letras, formas as frases.

deixou me rabiscar, e até de vez em quando rir.

pensa que me ngana.

sou mais esperta.

corro me deitar, corro pra ir chorar, quieta no canto, ausente de mim.

impotente, será que já perto de ser demente ?

encharcada de letras, coberta de palavras, ainda grita a esperança.

curta, fraca, quase doente ou sem semente.

as que plantei, morreram, se queimaram com o sol que escalda, nada vingou, nem as margaridas.