O que é um livro maldito?

O que é um livro maldito? O que torna em mito ou desmitifica uma obra literária em determinada época e local? Desde o começo da criação literária, foram muitos os escritores que se tornaram famosos pela sua grande habilidade artística, seja em prosa ou em poesia. Mas o que dá esse valor canônico ao autor?
Segundo Kant, essa definição valorativa é pura subjetividade, pois muitos escritores considerados exímios na arte da escrita foram condenados pela sociedade em que viviam. O filósofo alemão afirmou que “O gosto é a faculdade de julgar um objeto ou um modo de representação por intermédio da satisfação ou desprazer, de maneira desinteressada. Chama-se de belo um objeto de uma tal satisfação”[1].
O termo “livro maldito” tem sido usado há muito tempo, desde a época da Inquisição – quem sabe até antes -, quando a Igreja censurava a publicação de boa parte dos livros escritos na época por estarem contra os ideais religiosos. E os que tentavam se opuser a esta situação sofriam torturas físicas e mentais, podendo ter seus bens apreendidos ou até ser mortos.
Os traços dessa conspiração ainda se encontram em épocas posteriores. Para Jacques Bergier, “há, muito tempo que a destruição sistemática de livros e documentos contendo descobertas perigosas tem sido praticada, antes ou no momento da publicação”[2]. Em várias cidades da Alemanha Nazista foram queimadas milhares de obras contrárias ao regime em vigor o qual as considerava propensas a alienar a cultura alemã. Foi assim que, em 1933, muitos livros foram perdidos, como os de Sigmund Freud, Goethe, Albert Einstein, Thomas Mann, entre outros.
Foi nesse sentido de forte censura que as obras de Nelson Rodrigues foram fortemente condenadas. Elas apresentavam as grandes fraquezas humanas de forma nua e crua durante uma época em que a sociedade brasileira ainda era conservadora demais para receber tamanha avaliação crítica, que era feita de forma muito violenta.
Quando “Álbum de família” – uma peça puramente freudiana - foi lançada, a sociedade atacou fortemente o autor, já que se tratava sobre a história de uma família incestuosa e, portanto, algo que poderia instigar as pessoas a cometerem tais atos, segundo o pensamento de então.
Boa parte da obra é centrada no incesto: a filha é apaixonada pelo pai; um dos filhos é apaixonado pela mãe; o filho mais velho fez de tudo para não ter relações com a irmã. Assim, é bem provável que, sob o olhar da psicologia freudiana, os membros dessa família não podem ser considerados tão normais, ao mesmo tempo em que se vivia em uma sociedade tão ligada à moralidade e à ausência de sacrilégios.
Como a sociedade da época de Nelson era tão opressora, as estruturas sociais também acabavam sendo em suas obras, que eram escritas sob um ângulo tão real que mostravam de modo tão parecido e grotesco as características de uma família tão preocupada com a moral na teoria, já que, na prática, era repleta de hipocrisia. Essa dramaturgia rodrigueana é repleta de contradições humanas originadas em uma visão negativa da família (ódio, desprezo, raiva, amor e paixão): as personagens se conectam por vínculos que não seriam aceitos de forma tão natural pela sociedade.
Foi assim que Nelson Rodrigues se tornou tão acuado por uma política e sociedade tão devastadoras que não suportavam enfrentar as verdades mostradas por meio de um desmoronamento moral. As suas obras eram encaradas com certa ressalva por grande parte dos intelectuais, mas é inegável a grandiosidade estética pertencente aos seus textos por conseguir como ninguém descrever as tramas de cada indivíduo, mesmo em um período carregado de represálias e perseguições idealistas.





[1] COMPAGANON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Trad. De Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes Santiago. 2ªed. Belo Horizonte: editora UFMG, 2010, p.227.


[2] BERGIEER, Jacques. Os livros malditos. Tradução de tachel de Andrade. São Paulo: Humus, 1972.
Ricardo Miranda Filho
Enviado por Ricardo Miranda Filho em 09/03/2015
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