MANUEL BANDEIRA E O MODERNISMO

A partir de 1940, Manuel Bandeira ocupava a 24ª. Cadeira na Academia Brasileira de Letras, cujo patrono é Júlio Ribeiro. As considerações, a seguir, focalizam alguns aspectos do pernambucano Bandeira.

Bandeira e o Modernismo no Brasil

Manual Carneiro de Souza Bandeira (1886-1968) descendia das famílias Souza Bandeira e Costa Ribeiro. Pode-se, por isto, considerar Bandeira como um pernambucano de mais de quatro séculos. O estudo destas mesmas famílas revela-nos que nas veias de Manuel Bandeira corriam quatro diversos sangues: o índio, o alemão, o português, e o italiano.

Quase octogenário, o espírito de Manuel Bandeira, sob certos aspectos, ainda se manifestava mais jovem do que quando entrava na virilidade dos 30 anos. Bem afirmava, então, Gilberto Freyre, numa entrevista à Revista Visão: “Entre os velhos no Brasil, mais cheios de mocidade do que muitos moços, me encanta, além de Villa-Lobos, o meu poeta predileto em português Manuel Bandeira”. Bandeira era, então, alegre, satisfeito com o renome de que gozava, irônico nos escritos que ainda espalhava na praça literária. Ao contrário, em 1919 o desânimo habitava na alma do Poeta, que, mais tarde, levaria o nome do Brasil para além das fronteiras.

Quando nas altas camadas literárias se fez sentir o fracasso do simbolismo sobre o parnasianismo, aparece uma plêiade de poetas entre os quais se situa Manuel Bandeira. Estes vates aparecem num momento decisivo da evolução poética modernista. E, segundo alguns críticos, Bandeira pode ser considerado um precursor do Modernismo. Na “Semana Modernista de 1922”, realizada no Teato Municipal de São Paulo, Bandeira, ali presente, teve a sua sátira dos “Sapos” declamada por Ronald de Carvalho. Isto comprova a antecipação de Bandeira ao Modernismo na literatura brasileira, tendo em vista que aquela Semana se dedicou exclusivamente à arte moderna.

A “Semana de Arte Moderna” foi o marco inicial para a introdução do Modernismo no Brasil, como movimento organizado. Querem alguns críticos que, antes de 1922, somente as artes plásticas tenham sentido a reforma modernista. Isto, contudo, não parece exato, pois, como vimos, a literatura teve lances de modernismo já antes do discurso de Graça Aranha, considerado o marco de abertura do modernismo nas Letras. Mesmo que alguns ainda considerem polêmico se houve ou não lances modernistas na literatura antes de 1922, o certo é que o modernismo literário não eclodiu pelo discurso de um, mas foi resultado de um estado de espírito generalizado. Já desde há muito tempo as raízes deste movimento estavam-se aprofundando no âmago da cultura brasileira. Manuel Bandeira, Graça Aranha, o Grupo Paulista, e outros, embarcaram no Modernismo em pleno desenvolvimento. A “Semana de 1922” não foi um fato pontual que acabou com o simbolismo para mergulhar no Modernismo. O Modernismo já estava crescido, mas, à semelhança dos bombeiros, faltava-lhe apagar bom número de fogos. Eloy Pontes, por exemplo, reclama tenazmente contra o abandono da rima e da sintaxe na poesia. Chega mesmo a sustentar que Manuel Bandeira não se impôs por seus poemas modernistas. O que lhe teria valido entrar na Academia Brasileira de Letras teriam sido suas obras anteriores ao Modernismo. Assim como Eloy Pontes, outros críticos se posicionaram contra o Modernismo, que, mesmo assim, triunfou imperiosamente.

Manuel Bandeira e sua obra

A obra de Manuel Bandeira jamais poderá ser separada da vida do homem Bandeira. Ao considerarmos suas poesias completas caberia dizer: “Aqui está a vida do poeta, aqui está o homem”. Com a leitura de sua obra podemos traçar a curva de sua existência: seus anseios, seus desesperos... As poesias completas de Bandeira podem ser lidas qual diário. Chegando à última página, descobriremos alguém em que o menino ainda existe. Cada grau da vida de Manuel Bandeira está refletida em alguma de suas obras. Entre outras, Bandeira produziu: A Cinza das Horas – Carnaval – Ritmo Dissoluto – Libertinagem – Estrela da Manhã – Lira dos 50 Anos – Crônicas da Província do Brasil – Itinerário de Pasárgada.

A Cinza das Horas – É o lvro da mocidade e da doença. Nele encontramos um jovem ansioso de viver e desesperado em obter a cura, morbidamente melancólico. Sua disposição varia de acordo com o clima. Numa manhã de sol sente-se “belo como David e forte como Golias”. Inversamente, uma manhã nublada significa desolação crepuscular. Todo o poema é a descrição desses sobressaltos, dessas recordações que encurralam o Poeta dentro de si mesmo. Constantemente afloram as lúgubres lembranças da mãe e da irmã mortas. A sátira dos “Sapos”, inserida na “Cinza das Horas”, satiriza os parnasianos: “Meu pai foi à guerra? Não foi! – Foi! – Não foi!”

O Carnaval – Depois de dois anos, mergulhado no tédio romanesco, nasceu em Bandeira uma vontade irritante de extroversão. Queria vingar-se do destino. Queria que a vida fosse uma perene Terça-feira-Gorda. À certa altura da obra exclama: “Quero beber! Cantar asneiras, no esto brutal das bebedeiras”. “O Carnaval” foi publicado em 1919. Em 1920 Bandeira enviou um exemplar da obra à “Revista Brasil”, cujo diretor era Monteiro Lobato. Como crítica ao livro, Monteiro Lobato mandou publicar cerca de quatro linhas, dizendo mais ou menos o seguinte: “O senhor Bandeira abre seu livro com estes versos: Quero cantar asneiras, pois fique sabendo que conseguiu plenamente o que queria”. É de notar que Lobato não tinha muitas simpatias pelo Modernismo. Criticou o movimento em sua obra “Mistificação ou Paranóia”.

A sinceridade de “A Cinza das Horas” e de “O Carnaval” nos podem arrepiar. Nas obras posteriores, Manuel Brandeira apenas é sincero e franco quando quer. Ainda aparece, de vez em quando, o derrotismo da juventude, mas dosadamente.

Ritmo Dissoluto – Nesta obra Bandeira evoca lugares que conheceu: Bélgica e outros. De vez em quando, nas longas noites de cismar, vagos remorsos se insinuam, e Bandeira, fumando, diz: “ Em cada charuto que acendo cuido encontrar o gosto que faz esquecer”. Um jornalista quis saber de Bandeira a respeito do crucifixo de marfim e da estátua de gesso que aparecem no “Ritmo Dissoluto”. Obteve a seguinte resposta: “Eles realmente existem. O crucifixo pertenceu à minha mãe, e espero morrer abraçado com ele, como morreu minha mãe, meu pai e minha irmã”.

Libertinagem e Estrela da Manhã – Estas obras foram publicadas, respectivamente, em 1930 e 1936. Nelas a poética de Bandeira atinge o pleno amadurecimento. Algumas das obras-primas da poesia brasileira estão nestes dois livros. É o apogeu do Poeta. Como quem está no meio do caminho e olha para trás, assim o Poeta evoca a cidade de sua infância. Os parentes e as pessoas com quem conviveu agora já dormem “profundamente”. Nestas obras também transparece um profundo amor pelas criaturas: “Tenho vontade de beijar esta aranhazinha”. É a influência do modernismo italiano, francês, inglês e norteamericano.

A Lira dos 50 Anos – Nesta obra Manuel Bandeira volta, com grande e inesperada frequência, ao verso tradicional, com métrica e rima. Não será isto um sinal de que o Poeta começa a sentir a sombra da idade, e quer voltar ansiosamente ao mundo extinto? A própria obra parece confirmá-lo. Em diversos capítulos da “Lira dos 50 Anos” a nostalgia pelo passado é flagrante. Celebra seu quarto e seu beco na Rua da União, em Recife, onde brincava de chicote-queimado, e partia as vidraças da casa de dona Aninha. E agora, debruçado sobre o espelho, imagem do tempo, vê refletidas as rugas, os cabelos brancos, os olhos míopes e cansados. Então, com o coração partido de nostalgia, invoca o menino: “No fundo deste homem triste, descobririas o menino que sustenta este homem, o menino que não quer morrer, que não morrerá senão comigo”.

Itinerário de Pasárgada – Nesta obra, Manuel Bandeira narra sua longa viagem por este mundo. Antecipa-se ao Modernismo, acompanha-o a seguir para, finalmente, superá-lo. Descreve o histórico de sua posição no Modernismo.

Ainda em outros poemas, Bandeira semeia pedaços de sua vida. Nem sempre seus críticos são benevolentes. Agripino Grieco, por exemplo, é mordaz, dizendo: “Quando leio Manuel Bandeira creio ver um esqueleto tocando-lhe piano na dentadura”.

Manuel Bandeira no estrangeiro

Em 1957, esgotadas as belezas do Brasil, Manuel Bandeira embrenha-se no Velho Mundo em busca de novidades. Em sua estadia na Europa, o Poeta prefere os museus às musas. Desembarcando em Londres, faz um paralelo com o Rio de Janeiro. Acha Londres um mundo, enquanto o Rio de Janeiro arremeda um simples povoado. Ainda em Londres, encontra a poetisa Edith Sitwell, que já traduzira 37 de seus poemas. O seu nome também estava na Revista Times, ao lado de Carlos Drummond de Andrade. Os dois estão caracterizados como poetas da literatura hispanoamericana. Bandeira achou graça nesta caracterização de “poeta hispanoamericano”. As traduções de Bandeira para o inglês, o francês e outras línguas continuaram. Assim este modernista, ou precursor do Modernismo literário brasileiro, garantiu seu nome entre os poetas internacionais.

Inácio Strieder é professor de filosofia. Recife- PE.