Edições populares da FCB

EDIÇÕES POPULARES DA FCB
Miguel Carqueija


A história da ficção científica brasileira é uma odisséia de empreendimentos frustrados, terminados a meio do caminho, caídos no esquecimento, desprezados pela crítica e pelo mercado e ignorados pelo grande público.
Embora já no século XIX se encontrem indícios deste gênero no Brasil, a verdade é que muitas iniciativas foram parar no “cemitério da ficção científica”, expressão cunhada pelo Dr. Ruby Felisbino Medeiros.
Dadas as dificuldades que a grande mídia e o mercado editorial opoem à FCB e aos gêneros afins quando manejados por brasileiros — pois se trata praticamente de um “guetto” literário, enquanto o conto e o romance brasileiros tendem para o realismo — tentaram-se muitas vezes as edições populares, como uma forma facilitada para o autor nacional de FC e adjacências (terror, fantasia etc) para o qual o mercado do livro é um mundo excessivamente fechado e elitista.
Não é fácil definir o que seriam essas edições populares, pois há um amplo leque de possibilidades: publicações financiadas pelos próprios autores, em “edições de autor” ou pagando às editoras, em geral casas pequenas ou que só trabalhem dessa maneira; livros bancados por pequenos editores, inclusive sem propriamente o selo de uma editora; obras artesanais feitas por fanzineiros, no formato de álbuns xerocados, até com folhas impressas só de um lado; coleções de bolso em papel barato e formato econômico, portátil (inclusive o chamado “formatinho”, livros de bolso minúsculos); antologias cooperativadas entre vários autores...
Tendo em vista a memória fraca dos brasileiros e as tiragens em geral muito pequenas das edições populares, seria interessante um esforço para preservar tudo isso. Muitos não valorizam tais edições, porque não acontecem. O autor de FC, porém, deve trabalhar por amor, e se crê no que produz deve tentar concretizar seu trabalho no livro — a literatura definitiva — mesmo correndo o risco de que todos os exemplares desapareçam sem que surjam reedições. Nos tempos atuais nós temos, graças ao computador e à internet, extraordinários recursos para preservar os textos. Se a coleção da “National Geographic” foi posta na rede, por que não se poderia fazer o mesmo com as edições populares de FCB?
Que livros poderíamos nós, numa primeira vista de olhos, enquadrar na categoria que ora tratamos? Ocorrem-me desde já os seguintes exemplos:
— A Coleção Fantástica da SBAF, em formatinho, editada em sua primeira fase por Cesar Silva e Marcello Simão Branco, sem o selo de uma editora. Saíram até agora pela Fantástica:
1) Quando os humanos foram embora (Gerson-Lodi Ribeiro)
2) A âncora dos Argonbautas (Miguel Carqueija)
3) As dez torres de sangue (Carlos Orsi Martinho)
4) Invasores da sétima dimensão, 1° volume (Jorge Luiz Calife)
5) Invasores da sétima dimensão, 2° volume (Jorge Luiz Calige)
6) Spaceballs (Gian Danton)

E na segunda fase (a “Nova Coleção Fantástica”):

1) O camarada O’Brien (Roberval Barcellos)
2) A Esfinge Negra (Miguel Carqueija)
3) O encubado (Rogério Amaral de Vasconcellos)
4) Feroz simetria (Roberto de Souza Causo)
5) Sem memória (André Carneiro)
6) A travessia (Roberto de Souza Causo)

Como edições especiais sem número saíram:
O anjo da morte (Gian Danton)
As luzes de Alice (Miguel Carqueija)
Os mistérios do Mundo Negro (Miguel Carqueija e Gabriel Coelho)

A Coleção Terra Incognita, da Editora Ano-Luz, que foi uma espécie
de tentativa de evolução ou sequência da Fantástica (primeira fase), apesar do tamanho maior e do patrocínio de uma editora profissional, mas a tiragem era pequena, caracterizando edição semi-profissional. Os problemas do mercado entravaram esta coleção, e Cesar Silva, que não a editou mas dela participou com a produção gráfica, voltou a se ocupar da Fantástica, o que afinal foi uma boa notícia. Pela Terra Incognita saíram:

1) O mal de um homem (Carlos Orsi Martinho)
2) O fantasma da máquina (Lucio Manfredi)
3) O ninho (Simone Saueressig)
4) A Rainha Secreta (Miguel Carqueija)
5) A revanche da ampulhera (Fábio Fernandes)

Antes disso, em 1998, houve uma tentativa de uma coleção de bolso organizada por Roberto Causo, a Império, que infelizmente durou menos ainda:

1) Vôo sobre o mar da loucura (Roberto de Souza Causo)
2) A pirata espacial (Stanley G. Weinbaun)
3) Encontro imediato (Ronaldo Semper Fidélis, pseudônimo de Roberto Causo)

Esta série, como se vê, não apresentava apenas autores brasileiros. Aliás, do terceiro volume constava também o conto “Os que se afastam de Omelas”, por Ursula K. Legin.
Bem mais antigo é o ciclo “As aventuras de Dick Peter”, que data da segunda metade dos anos 40, cerca de nove volumes assinados por Ronnie Wells, que não é senão o conhecido Jeronymo Monteiro (1909-1970). Sob os selo das Edições “O Livreiro”, não obstante tem as características de edição popular, provavelmente financiada pelo autor, dada a total omissão da editora em fazer qualquer tipo de apresentação do texto. Além disso o papel é barato, não há revisão, a capa é simples (com a mesma ilustração em todos os volumes) e nenhuma informação se dá quanto à nacionalidade brasileira do autor que se camufla sob o apelido inglês. A não ser, é claro, a informação indireta: ausência do nome do tradutor, do editor original e do título original. Também não consta a data de edição. Os exemplares são relativamente pequenos mas não são de bolso:
O clube da morte
A febre verde
A teia invisível
A serpente de bronze
O homem solitário
O misterioso Tarântula
O tesouro de Tio Onek
O crime da represa nova
O enigma do automóvel de prata

É a primeira seriação brasileira apresentada explicitamente, na capa, como sendo de ficção científica (e também mistério), mas nem todas as novelas são deste gênero. Entretanto todas são policiais e apresentam como traço-de-união a presença do detetive amador Dick Peter, uma imitação de heróis do romance policial norte-americano.
Fora isso existem as edições restritas dos próprios autores, como “Pequenas portas do Eu”, um bonito livro de contos de Roberto Schima, editado por João Scortecci (São Paulo, 1987) que vai da FC ao surrealismo passando até pelas histórias do quotidiano. Existem os livros de contos do niteroiense Luiz Zatar, que ele próprio editorou, “Histórias fantásticas” e “Estranhos visitantes”. E outros livros que por aí existem, perdidos em tiragens restritas, em editoras de fundo de quintal ou que publicam mediante financiamento, edições feitas fora do eixo Rio-São Paulo e de circulação limitada, geralmente trabalhos de autores obscuros.
Eu próprio editei, pela Protótipo do Rio, “A volta dos dinossauros” (92) e “A caixa lunar” (94), livretos que comporiam a “Coleção Carqueija”, logo abandonada.
Não esqueço os álbuns artesanais saídos em Porto Alegre, os volumes I e II da Antologia Antares (editados respectivamente em 1986 e 1991 por Jane Teresinha Mondello de Souza) e a “Coletânea do Fim do Nada”, lançada em 1998 pelo Dr. Ruby Felisbino Medeiros.
De Jane Teresinha consta a existência de uns quatro livros misteriosos que devem ter sido edições populares mas que nunca pude localizar.
Há edições de bolso saídas nas bancas de jornal escritos por R.F. Luchetti sob pseudônimo, e certamente muitos outros trabalhos de autores nacionais escondidos em pseudônimos estrangeiros, misturados nessas coleções em formatinho, livrinhos de aspecto insignificante, mal impressos e mal ou nada revisados, que infestavam, em vários gêneros (inclusive FC, terror, policial e espionagem) as nossas bancas pelas décadas de 60, 70 e 80. A identidade brasileira do autor pode ser suspeitada quando não se encontra referência ao título original, editor idem, e quando não se diz quem fez a tradução. E quando nada se sabe sobre o autor.
NOTA em 21/12/2017: este artigo, tal como se encontra escrito e com pouquíssimas alterações, foi escrito entre 15 e 28 de abril de 2004 e conservado inédito até por fazer parte de pesquisas que afinal não foram levadas adiante. Com certeza, muitos títulos posteriores poderiam ser acrescentados. Limitar-me-ei porém a algumas observações:
A listagem parcial acima apresentada não especifica ou entra na questão da qualidade dos livros relacionados ou relacionáveis. Alguns são mesmo de extremo mau gosto. Outros há que vale a pena ler, ou que pelo menos valem como curiosidade.
O terceiro volume da segunda série da Coleção Fantástica, assinado por Rogério Amaral de Vasconcellos, saiu com êrro no título: em vez de “O encubado” o certo seria “O incubado”.
A série das aventuras de Dick Peter é mais ampla do que na época escrevi. Posteriormente descobri que o autor, Jeronymo Monteiro, já o havia apresentado como herói de novela radiofônica em 1937 e os livros começaram a sair em 1938. Portanto, o que saiu no final da década de 40 já foi uma segunda série. Parece terem sido uns 15 volumes, sendo os mais antigos, os mais difíceis de localizar.