Morfossintaxe 
Por Adalberto Lima, nov.2007 
 
A língua em seu recorte histórico atual é o resultado do processo evolutivo imprimido pela fala, no decorrer do tempo. (HEHDI, 2004). Porém, o que se pretende examinar neste estudo, não é a evolução da língua,em seu aspecto diacrônico,mas a língua em seu estado atual, a formação de palavras no enfoque sincrônico concebido pela Morfossintaxe. O estudo do processo de formação de palavras, a morfossintaxe, requer prévio conhecimento de segmentação dos morfemas: fragmentação das palavras, separando o radical de seus afixos, a fim identificar cada parte, compreender e reconhecer os elementos mórficos de formação dos vocábulos. Neste trabalho, no entanto,faremos apenas uma abordagem preliminar de morfossintaxe, analisando alguns textos possíveis de serem gerados no cotidiano da línuga portuguesa falada no Brasil. Assim, apesar de nossa limitação de tempo,espaço e conhecimento,tentaremos visitar alguns conceitos e pressupostos teóricos, a fim de chegarmos aos falantes, verdadeiras fontes geradoras da língua. 

A Gramática Tradicional escolheu como modelo a linguagem restrita a um grupo elitizado de letrados, aristocratas, de natureza economicamente abastada, que teve acesso à educação escolar. Com isso, afastou a língua de sua realidade social, gerou o conceito de “certo” e “errado”, e, priorizou o padrão culto da língua como norma capaz de uniformizar os falares (BAGNO, 1999).Por causa disso,“muitas gramáticas e livros didáticos chegam ao cúmulo de aconselhar o professor a "corrigir" quem fala muleque, bêjo, bisôro, como se isso pudesse anular o fenômeno da variação, tão natural e tão antigo na história das línguas.” (BAGNO, 1999, p.42). 

Diversos são os preconceitos lingüísticos, que consideram a forma não padronizada da língua como, feia, simplória e identificadora de baixa escolaridade e de nível social inferior. A exemplo disso, a análise de um trecho do aparte publicado na Folha de São Paulo, em 11 de janeiro de 2000, p.1, mostra a vereadora paraense Lourdes Lopes, sendo ridicularizada, em plenário, quando, não aceitando a argumentação do colega João Pedro, ela protesta: 

[...] “Disconcordo totalmente do senhor.” 
Embora tenha sido motivo de zombaria, a vereadora criou um neologismo na língua portuguesa, através do processo de derivação prefixal, dis+concordo, em substituição à palavra já dicionarizada “discordo”. Tal processo é possível, tal como ocorre em disforme, compatível com desconforme, que, a rigor, significam aquilo que não tem forma. Portanto, “disconcordo” tem o mesmo valor semântico de discordo, ou não concordo. Na mesma construção frasal, Lourdes Lopes utiliza-se ainda da palavra finalmente, formada por derivação sufixal agregada ao radical: final + mente (sufixo) e mais adiante, infundada, criada pelo processo de derivação prefixal: in + fundada, mas essas derivações não causaram nenhum riso, pelo fato de serem previamente concebidas pela língua culta. 
Em, “Novas Comédias do Vida Privada”, Luís Fernando Veríssimo evoca a imagem de "Quequinha" para descrever o desgaste no relacionamento amoroso entre marido e mulher, representando-o em forma de “gradação pronominal”. Com esse recurso lingüístico, Veríssimo vai substituindo o tratamento carinhoso de "Quequinha", atribuído à esposa de Norberto, por pronomes de tratamento, possessivos e demonstrativos, revelando uma gradação depreciativa no relacionamento do casal. 

Como descreve Veríssimo, inicialmente, numa demonstração carinhosa de pertença e não de posse, Norberto conta casos de sua mulher, afagando-lhe a mão. No decorrer do tempo, entretanto, esse mesmo tempo que arrefece a chama do amor e vai arrancando, aos poucos, suas penas e podando as asas, Norberto passa a referir-se a “Quequinha” chamando-a de "a mulher aqui", expressão com valor de pronome demonstrativo, que, com certa "frieza" substitui o nome próprio ou apelido da mulher. Adiante, o pronome demonstrativo esta, associado à palavras, mulherzinha, toma forma acusativa da pessoa de quem se fala (mal), mas ainda presente no cenário da conversa. Com o avançar do tempo, Norberto, trata “Quequinha” por ela, pronome pessoal do caso reto, utilizado para pessoa não presente no ato da fala, (embora a “Quequinha” ainda esteja presente). E, apontando com o queixo, ele usa a linguagem não verbal para reforçar o sentimento de desprezo contido na linguagem verbal do pronome demonstrativo essa, mais o advérbio, aí. Semanticamente, a locução “essa aí”, assume a função do pronome pessoal “ela” ou do substantivo próprio “Quequinha” para caracterizar uma presença sem importância na conversa. E por último, o pronome demonstrativo, aquilo, que, via de regra, é utilizado para coisas, no texto, é aplicado a uma pessoa, "Quequinha", gerando humor. 

No texto, Fernando Veríssimo conseguiu criar uma imagem acústica possível de ser visualizada mentalmente, e, mesmo utilizando a forma escrita, aproximou-se muito da oralidade, renovou o sentido das palavras atribuiu a elas novos valores semânticos. 
Para estudar o processo de formação das palavras, Marcos Bagno, traz à baila a conversa de dois amigos, em que um deles, se diz cardisplicente. No entanto, o outro não aceita a palavra como vernáculo da língua portuguesa, sob a alegação de que ela não existe. Na verdade, nenhuma palavra e nem uma língua existe por si mesma. Toda palavra tem algum fragmento meteórico de outra órbita lingüística e toda língua teve, um dia, seu berço materno. 

Cardisplicente, é, pois, um neologismo cujo processo de formação se deu por aglutinação do radical, cardio (coração) + displicente e significa aquele que zomba do coração, ou não cuida dele. 




Referências: 

BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. 15 ed. São Paulo: Loyola, 1999, 186 p. 

CARONE, Flávia de Barros. Morfossintaxe, 9 ed. São Paulo: Ática, 2005, 109 p. 
KEHDI, Valter. Morfemas do Português. Série Princípios. 6 ed. São Paulo: Ática, 2004, 72 p. 

SARTORELLI, Soraya Rozana. Língua Portuguesa: morfossintaxe. Turma 1, Módulo 2, 2º semestre de 2007, aulas 1, 2 e 3, noturno. 12 set. 2007, 19 set. 2007, 26 set.2007, respectivamente. Disponível em http://www2.unopar.br/bibdigi/biblioteca_ 
digital.html. Acessos em 15 set.2007, 29 set. 2007. 

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Leia também os contos de Adalberto Lima:

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 - ILHA DO MEDO    

O VÉU DO TEMPLO    

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 Fernão Noronha Capelo