DO QUE SE ALIMENTA O ESCRITOR

“O escritor é bicho besta”

– Felipe Holloway

De repente, alguém começa a escrever. Rabisca algumas bobagens e se surpreende ao notar que algumas outras apreciam suas palavras. Os primeiros leitores são suspeitos e nada imparciais. Mãe, pai e talvez, quando se tem sorte, uma namoradinha mais letrada, sustentam a ambição do jovem escritor, garantindo que não desista do seu sonho. Na busca por rápida satisfação, o ato de escrever ganha vários significados e fases. Aos poucos, o instinto de preservação distancia a mão do papel e a gaveta passa a acumular vários projetos inacabados.

Um dia, o escritor, já parrudo e confiante, resolve se aventurar a expor seus textos. Como um pintor que desvenda sua obra aos olhos alheios, espera a apreciação, a epifania daquelas almas tão sedentas por uma arte que só ele detém. Quanta generosidade compartilhar seu magnífico trabalho com os mortais!

As primeiras críticas são bem positivas. Mamãe, novamente, tinha toda razão. Os amigos celebram o sucesso, antecipando glórias que, enfim, justificam todo o longo caminho sem reconhecimento. Citam as frases mais marcantes e apontam os melhores trechos do conto, romance, novela, poema, do seja lá o que for que tenha sido escrito. Decoram passagens do texto só para enfatizar a admiração pelo talento do amigo de infância. Sempre soube que você tinha jeito pra coisa, dirão alguns.

Passados os primeiros momentos como escritor assumido, a coragem começa a se misturar às folhas de loro recém-atiradas. Potencializada a autoestima, o artista – tomara que seja bem jovem para que a empáfia seja logo perdoada – admira as linhas bem redigidas, a forma perfeita que conseguiu dar para aquele desfecho, o clímax impactante do enredo. Olha sua criação de perto, depois se afasta para perceber todas as nuances que mamãe disse existir ali.

Quando já embriagado com a própria idolatria, o autor suspira entre o enfado e a impaciência. O que virá agora? Pergunta-se, deitado sobre as almofadas fofas da adulação com um certo ar blasé. Surgem novos comentários. A primeira crítica negativa chega como um soco de uma direção imprecisa. O golpe atinge em cheio o ego do desavisado. O escritor vomita o vinho da arrogância. Como assim essa criatura não gostou do que escrevi? Pior, não entendeu nada do que eu quis passar. Será que leu mesmo ou só disse isso de sacanagem?

Se tiver oportunidade, o autor criticado vai rebater. Rebaterá forte. Usará as mesmas palavras, que antes eram arte, para criar armadura e espada, forjadas em ira. Dará golpes, manchando de mimimi o coliseu das criações. Virão os duelos de personalidades e farpas serão trocadas sem um enredo original de fato. Se houver alguma maturidade, afinal os jovens não sabem o que fazem e por isso têm a desculpa da rebeldia, as palavras silenciarão em reflexão.

Talvez, o escritor reveja seus conceitos e adote uma alimentação mais frugal. É, pode ser que ele tenha razão quanto aquele ponto, mas… A dieta durará pouco, pois o ego tem lá suas implicâncias com a disciplina. Dane-se quem não gostou! Eu gostei, minha mãe gostou, a gatinha que quero pegar, também. Foda-se o mundo, os verdadeiros artistas sempre foram incompreendidos.

Mastigando bem o fel da frustração temperado com a bílis acumulada, o escritor digerirá todas as críticas. Bom, talvez, nem todas e nem tão rápido assim. Pode ser que espere o momento oportuno para se vingar. Até que alguém lhe dê um sonoro tapa, desarranjando todas as suas palavras e lhe diga: Ei, isso não é um jogo. Baixa a bola.

Ah, os escritores, esses seres tão criativos e seus egos alimentados à base de combustão! Sua vaidade tão inflamável esconde verdades no vão escuro da autocrítica. Comiseração será a última dose antes de dormir. No sonho, sua publicação será mesmo um sucesso e canapés de unânime aceitação serão servidos sob aplausos.

Em um canto da consciência, ou mesmo no restrito grupo de convívio cotidiano, haverá alguém resmungando – ele nem é isso tudo. Mas, afinal, quem vai querer acordar um escritor?

Claudia Roberta Angst
Enviado por Claudia Roberta Angst em 21/06/2019
Código do texto: T6678223
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