DIAS sem CALENDÁRIO

Para Dante Milano, “Era a manhã uma hora de agonia, / uma mortalha lívida e suada. / Entreabria-se o espaço, imenso nada, / Ante a face de um sol que não sorria...”. Abro as páginas do livro e encontro os dias sem calendário. Mundo borbulhante, inesperado em que não encontro maneira para perceber o diferente, nem as artes. Como expressa Dante Milano, “... Era a manhã esquálida e vazia, / sem luzes, sem estrelas, apagada. / Era o dia sem sonhos...”.

Surpresa fico quando estou cara a cara com a morte, ciente dos hábitos e atitudes em outros formatos. Faço um trato com a “senhora” sobrevivência e mostro em cada dia a falta do calendário, da Lua, do Sol e dos detalhes diários. Então, passo a planejar maneiras que me confortam para ver a morte sem desconfiança, apenas como situação de risco. Ainda, em Milano, “... Parecia / Que eu havia morrido e despertado / Na claridade pálida de um dia / Sem luzes, sem estrelas, apagado”.

Não esqueço o que a consciência me ensina e interpreto os momentos dolorosos e escuros, mesmo nos dias sem calendário, como forma de representação, para pensar na hora da morte com sentimento.

Rodrigo de Souza Leão, em entrevista, respondeu sobre o que esperava da morte. “Eu torço para que exista algo além. Gostaria de ver o que as pessoas acham de mim quando estivesse morto. Sabe? A reação das pessoas. Para saber se meu melhor amigo iria chorar, se alguma namorada ia lembrar de mim, se meu livro ia vender depois de morto... Porque depois que morre todo escritor vende”. Rodrigo teve seu momento pleno de passagem ao refletir sobre a morte. Com talento deu luz e tom à sua resposta, num enredo que tira meu fôlego e que coloca a minha mente para pensar, enquanto (re)leio a entrevista. É história para ser lembrada, pois, acredito na imagem refletida como reconhecimento da emoção e de sua versão no período em que exerceu maior controle em seu viver: falar da morte como excesso da vida.

Medito na busca de palavras, gestos, traços, cores para dispor a realidade, e até fantasio sobre a morte. Evito a impulsividade e percebo a diferenciação na procura da linguagem como promessa de apoio e amizade entre as pessoas, em cada respiro e suspiro da morte. Porém, faltam dias no calendário, para eu escrever a história da minha morte nas páginas em branco da vida.