Fui apesentada a Fernando Pessoa, por um professor carrancudo, mas muito competente, quando ainda cursava a Universidade. A disciplina, Literatura Portuguesa. 
Já tinha lido algumas poesias dele, mas confesso, primeiramente me encantei pelo seu chapeuzinho preto e sua inquietude. Talvez ela era fruto de sua busca em encontrar-se  
num de seus heterônimos ou na soma deles. 
Lembrei de sua frase tão citada por mim e tantos outros: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”, A dele de certo não era, era tão grande que pode se dividir em tantos outros, e chegar até minha pessoa. 
E após mais de cento e vinte heterônimos, ele ainda entra no universo feminino através de Maria José no brilhante texto “A Carta da Corcunda para o Serralheiro”. Obra em que o Eu lírico impressiona. Mais uma das facetas de Pessoa? Fiquei surpresa; 
Nesse ponto eu já estava amiga de verdade do professor sem graça e amicíssima de Fernando Pessoa.  
Certa vez, até ousei criar um heterônimo, onde eu encarnava uma jovem jornalista muito petulante que pensava mudar o mundo com suas ideias. O texto se tratava da ilusão do homem e sua ânsia de vencer a qualquer custo. Meu heterônimo era Maria Antonieta. 
A publicação no jornal sairia na manhã seguinte. Não via a hora de chegar e ver críticas. 
O jornal estava em cima da minha mesa quando cheguei. Minha amiga entrou na sala e vendo o jornal o pegou para ler.: 
– Interessante como essa Maria Antonieta escreve, há uma certa poesia em seu texto jornalístico. 
Foi um dos maiores elogios que já recebi por um texto escrito por mim. Ela não reconhecera a característica dos meus textos nesse último. Eu me senti Maria Antonieta e, consegui entender ainda mais a diversidade dos heterônimos de Fernando Pessoa, principalmente a sensação de ter outro EUS. Nascia um NÓS em mim. 
Fora a brincadeira acima, a obra de Fernando Pessoa me inquietava muito. Pensava ser ele, alguém que não havia se identificado consigo mesmo. Foi quando pensei em Proust e sua briga com o tempo. O tempo de um doente que tinha o propósito de escrever uma obra gigantesca que ficaria para posteridade. E foi e será!  
Pensei se os dois fossem bons amigos com certeza um ajudaria o outro. 
Sonhei que eu estava em Paris, sentada em um daqueles cafés elegantes descritos no livro Em Busca do Tempo Perdido de autoria de Proust. Os dois homens ao lado conversavam animadamente. Deixei meu cappuccino de lado. O chapéu preto se destacava ao lado do cabelo bem penteado do outro senhor. 
Mudei de lugar e identifiquei emocionada a dupla: Fernando Pessoa e Marcel Proust. 
Tomavam uma cerveja. Proust gostava muito de uma cerveja bem gelada, sabia? 
Encontro perfeito de dois gênios que jamais pensaria encontrar ao vivo e a cores. Senti como uma daquelas jovens que vão ao show de seu ídolo preferido... 
Fernando Pessoa, buscava nos seus heterônimos seu próprio EU perdido em algum momento da sua   vida e, Proust, um tempo perdido, talvez no tipo de vida escolhido, no qual dividia sua ambição de escrever uma obra tão gigantesca que seria o legado que nos deixou. Obra dividida com sua vida aristocrática e a enfermidade no final de seus dias. 
Sobre o que duas celebridades da literatura conversavam? Impossível saber. 
No outro dia acordei assustada, nada   de Paris, nem Fernando e nem Proust. O ambiente era meu quarto, a TV ligada. Meu ambiente costumeiro e só! 
Levantei-me e fui fazer minha higiene matinal.  
Na mesinha ao lado da minha cama, um chapéu preto de camurça me chamou a atenção. Quem será que colocou este chapéu aqui? 
Nunca tive resposta.