MANIFESTO, FEMINISMO E CHIMAMANDA: UMA ANÁLISE

"Alice faz o que Alice quiser" é parte do diálogo final da personagem que representa a mãe de Alice no filme "Alice através do espelho". Então, por que não começar um texto sobre feminismo fortalecendo uma questão já tão discutida desde os tempos de Iluminismo sobre a Liberdade? Por que não começar um texto sobre feminismo perguntando o porquê da existência de uma diferenciação tão explícita entre os tais gêneros? Como já foi reiterado, essa é uma discussão tão antiga que não vejo mais necessidade de bater na mesma tecla outra vez. Então, farei diferente. Falarei sobre uma leitura curta, objetiva e interessantíssima que fiz nessa Pandemia.

"Para educar crianças feministas" é um manifesto de Chimamanda Ngozi Adichie. São poucas páginas e a leitura flui como se estivéssemos saboreando um algodão doce de tão leve. O propósito do livro, segundo a própria escritora, era escrever uma carta prática e sincera sobre a criação de uma jovem em seu ponto de vista (feminista). Hoje, Chimamanda também é mãe e a carta acabou virando um manifesto que pude ler em forma de livro (e você também, se quiser, é claro).

A primeira parte do livro que despertou a minha atenção e ratificou uma ideia que eu já sustentava há bastante tempo é sobre a criação conjunta. Digo, quando pai e mãe assumem a mesma responsabilidade pela criança. Nas palavras de Chimamanda: "dividir igualmente a criação". E aqui fica minha dúvida: por que não? Uma mãe é tão genitora quanto um pai e convenhamos, em muitas famílias, tem a mesma carga horária de trabalho, não sei o que pode diferenciar então nos cuidados. Claro que aqui não incluo as mães solo, pois a figura paterna fez questão de desaparecer no momento oportuno. Mas, embora a passos de lesma- se é que lesmas têm passos- 23 cromossomos é motivo suficiente para você se sentir parte integrante do seu filho, não? Então, vejo aqui uma boa oportunidade de escrever aos pais: sejam pais! Não só no nome, ein?! Como a própria autora escreveu e eu enrolei para chegar ao ponto, os pais não "ajudam" a cuidar do seus filhos, eles fazem aquilo que, biologicamente e eticamente, têm a obrigação de fazer: ser pais.

Contudo, vale lembrar que o livro não se resume a isso. Por esse motivo, vou continuar com pontos importantes (não irei colocar todos). E, seguindo o folhear do manuscrito, chegamos a parte mais polêmica: "se não empregarmos a camisa de força do gênero nas crianças pequenas, daremos a elas espaço para alcançar todo o seu potencial. Por favor, veja Chizalum( nome da filha da amiga da autora) como indivíduo. Não como uma menina que deve ser de tal ou tal jeito." Há inúmeros motivos para argumentar sobre isso, mas o principal, muito provavelmente, é o fato de que muitas meninas são obrigadas a sufocar seus potenciais em determinados aspectos ou mesmo seus desejos por serem (veja só que absurdo) meninas.

Lembro-me sempre da história da segunda ganhadora do Nobel de física, Maria Goeppert-Mayer. Uma vez, seu pai disse: "nunca seja somente uma mulher". Se disse mesmo, eu não sei, mas se tiver dito, por mais machista que possa parecer, há um motivo: ninguém nos anos 30 ou 40 via uma jovem promissora na ciência como uma jovem promissora na ciência, pois, como nós mulheres que amamos ciência sabemos, essa é uma área que teve até décadas atrás, um domínio esmagador do gênero oposto. E, que fique bem claro: isso nunca foi por diferença de intelecto, mas sim por diferenciação cultural que impregnou no imaginário popular, sem usar o próprio método científico, uma suposta desproporção nas posições de homens e mulheres. Assim, só havia uma escolha até um dia desses: ser apenas uma mulher ou ser julgada como fora da curva do feminino.

Não sei se Chimamanda conhecia a história da Maria Goeppert-Mayer, mas, provavelmente, ela já deve ter se inteirado de vários casos em que moças promissoras tiveram que abrir mão de uma vida pacata para serem promissoras, pena que nunca promissoras em paz.

Mais adiante, a escritora trabalha a visão pseudobiológica de justificativa. Visão essa que, sendo você mulher, sabe muito bem que sempre é recheada de falácias e parcialidades. "Nunca use a biologia como justificativa para quaisquer normas sociais" é boa parte das vezes, razoável. Somos uma equação: seres sociais+ seres biológicos= seres racionais. Não sei o que ainda há de dificuldade no gênero masculino para assumir tal critério.

São quinze lições no total e ficaria bastante complexo para um único texto conseguir resumi-las e argumenta-las. Diante disso, antes de finalizar, cabe ainda uma última citação: "a santidade não é pré-requisito de dignidade".

Mulheres não são santas, mas são humanas, pertencentes a mesma espécie e com os mesmos direitos inerentes ao ser humano. A dignidade de uma vida feminina vale como a dignidade de uma vida masculina. Um não anula o outro. Educar uma criança dentro dessa visão feminista é dar a ela o conceito intelectual de noção: consciência. Que a sociedade possa, em algum momento, me ver como pessoa, não como um resumo a XX.