UM AUTÊNTICO REGIONALISTA DOS CAMPOS GERAIS

*William Palha Dias

 

Embasado em convicções íntimas, o operário monta o seu invento até dar por findo o trabalho ideado. Nessa pachorrenta escala, como artesão de ourivesaria, vai delicadamente urdindo filigrana após filigrana até à conclusão da obra, sempre receoso da crítica. Todavia, tratando-se de produção literária, o temor torna-se mais intenso, eis que, a exigência crítica desdobra-se na ânsia de extirpar do texto investigado, qualquer eiva ou jaça, quer formal ou dialetal.

 

Para superar essa exigência embaraçosa, criada pelo propósito do censor, o escriba terá que se valer de “todo o engenho e arte” tanto quanto lhe permita a fertilidade criativa na consecução de seu objetivo.

Nesse caso, com a preocupação de produzir trabalho rigorosamente regionalista, Jorge Lima de Moura, conhecido nos meios literários do país pelo simpático pseudônimo de Moura Lima, vem brindando seus inúmeros leitores com obras comprometidas com os mais rígidos temas sociológicos, numa novelística alicerçada em surpreendente linguajar, cuja densidade fica a questionar caminhos contigenciais em relação ao meio e o tempo. Assim, dentro dessa temática vinculada à palavra-ação, reúne tipos ainda não focalizados para os transformar em elementos vivos, numa realidade verdadeiramente concreta.

Transparência e denúncia. Eis a palavra mestra da obra de Moura Lima. Transparência profunda, penetrante, do vale Araguaia-Tocantins, com o real da luta do homem, da paisagem, das madrugadas sertanejas, dos arrebóis, dos cânticos dos pássaros, da seriema, ao uivo do lobo guará debaixo das lobeiras. Nada é artificial, tudo tem vida, cheiro da terra, é um hino de louvor aos campos gerais e aos imensos cerradões e pradarias.

 

A obra do grande escritor tocantinense é antes de tudo, inspirada na pontecialidade terra-povo e gira no espaço geográfico de suas constantes pesquisas. Desta maneira, inspirando-se nos qualificativos: valentia, coragem e determinação, leva em conta esse material que o arremessa para a realidade emergente de todo o conjunto sócio-político de sua admirável produção.

 

Os seus romances e contos mostram como se organizaram as vilas, povoadas e cidades nos quadrantes do Goiás antigo, que, depois foi dividido em duas unidades representadas por dois vastos e futurosos estados, onde a lei deixou de ser o árbitro do mais forte com o aval do retrógrado coronel ou o azougue do “44 papo-amarelo”.

Nasceu MOURA LIMA para as letras e carrega, atavicamente, tendências regionalistas tendo, por isso mesmo, se esmerado o quanto permite sua privilegiada inteligência, na produção de uma obra de fôlego, quer como romancista ou contista, mostrando assim, que não existe mossa a reparar quando, na criação literária, o calor da imaginação sobrepõe o temor de produzir.

 

Vocacionado para as investigações sociológicas, o destino escolheu inclusive, o lugar para a sua vinda à luz – uma fazenda em pleno sertão, cujo inusitado nome, Capim Puba, hoje Heitoraí, outrora distrito de Itaberaí, lindes de Goiás velha, Vale de São Patrício, por certo, fonte geradora de sua produção nitidamente regionalista. Dali partiu para outras plagas, depois de muito forcejar, conquistou posição de destaque, tendo abiscoitado mais de um canudo de curso superior.

 

Com esse rico cabedal plantou-se na vitoriosa cidade de Gurupi, Tocantins, e, sem parelhas, comanda o patrocínio de relevantes pleitos judiciais, ao tempo em que com brilho invulgar, floresce no campo das letras, o seu mais acalentado desiderato.

 

Descendendo de ilustre cepa familiar piauiense, com orgulho, credita seus invejáveis dotes a essa forte carga genética.

Tem publicado entre outros trabalhos, os seguintes: Serra dos Pilões, romance, Veredão e Mucunã, contos.Todos premiados nacionalmente. Agora traz a lume o monumental romance Chão das Carabinas, onde focaliza numa visão sociológica, a crueldade do feudalismo sertanejo. E mostra em cenas eletrizantes, a tropelia dos jagunços, o repicar dos berrantes, a bravura dos vaqueiros, na marcha ronceira das boiadas, rasgando os cerradões e as imensas campinas daquele mundão verde do chão tocantinense. É um romance de forte conteúdo social, e de protesto, baseado em fato histórico-político-social, ocorrido na década de 30, na vila do Peixe, Norte de Goiás, hoje Tocantins. O terrível morticínio permaneceu amordaçado, no bojo do processo criminal, por mais de oitenta anos, aguardando um romancista de peso, para trazê-lo à luz, aos olhos da sociedade contemporânea e da literatura brasileira. O romance em si vem preencher uma lacuna que faltava, no ciclo do jaguncismo do Brasil-mediterrâneo. E recria acima de tudo, o drama dos oprimidos, nas mãos dos coronéis, legítimos agentes das forças opressoras do latifúndio.

 

A saga romanesca MOURIANA é de feição regionalista e projeta-se no universal.No que concerne ao estilo, é de tendência neo-realista, predominando a autenticidade do linguajar do povo, a fala da gente humilde, que assinala o vigor telúrico de sua produção literária. Os elementos abstratos, estéticos, lingüísticos, estilísticos estão presentes e robustecem a sua legitimidade artística. Ainda mais, o notável escritor vem escrevendo ensaios sobre a personalidade da romancista piauiense – Alvina Gameira, revelando assim, com vigor, outra faceta de seu talento, qual seja o de exímio crítico literário.

 

•William Palha Dias, Romancista, Historiador e Magistrado.

(Vice-Presidente da APL)

MOURA LIMA
Enviado por MOURA LIMA em 29/11/2021
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