Maria Japona: uma lenda da Marinha

Era, diríamos, uma espécie de irreal para quem já a conhecia e quase que mitológica para quem nunca a vira. Em verdade sabíamos mais de si pelos boatos que pelos seus reais e próprios fatos. Como não poderia deixar de ser, foi em permeio a um desses trejeitos – entre o real e o mitológico – que tive o prazer de conhecê-la ainda que de vista.

Por coincidência estávamos (eu e minha mulher) no cais do Arsenal quando ela, a Maria, passou. Pela primeira, repentina e única vez em que a vi. Tal como veio, passou, se foi e sumiu. Meteórica, diante dos nossos olhos e fazendo jus a sua lenda. Obviamente sabia sê-la pela japona característica e pelos testemunhos dos olhares aguçados dos demais militares presentes.

Com idade tendendo para o grisalho, denunciava ser uma mulher pelos cabelos alheatórios e soltos. Também pelo vestido (ou saia?) sob saído do sobretudo marinheiro (japona) que usava.

Todavia o crivo de ser mesmo “a Maria” se dava por sua marca registrada: a referida japona marinheira que usava de contínuo como sobretudo de sua indumentária.

Sapatos tipo tênis, e meias, complementavam aquela performance de indicativo de uma pessoa não mais imbuída do que deveria ser seu meio social.

Por outro lado, o que uma mulher já ida de anos, despenteada e desajeitada, teria de comum (ou incomum?) com a Marinha - além de uma japona marinheira como impermeável - para passar a ser considerada uma lenda viva?

A verdade talvez jamais se saiba, mas podemos tecer alguns comentários a respeito do assunto.

Começa que “a Maria” – com ou sem japona – tinha o que poderíamos chamar de imunidade diplomática contra qualquer tipo de segurança implantado pelo sistema da Marinha. Tal que poderia adentrar ao cais do Arsenal em qualquer circunstância regimental, dia e hora que melhor lhe aprouvesse. Embarcar em qualquer navio – mesmo de guerra; viajar no mesmo ocupando o aposento que melhor lhe desse na telha; e participar da mesa que melhor lhe apetecesse. Liberdade tanto para transitar quanto para se instalar. Tanto em nave, quanto em aeronave ou organismo terrestre. Sem o perigo de ser molestada no seu modo de ser. Aí do militar desavisado que ousasse tocar em um fio de seu cabelo. Primeiramente iria sofrer os dissabores das conseqüências causadas pela própria. Tais como vociferações, pauladas, pedradas, etc. Depois, o das conseqüências do próprio Regulamento Militar.

Diz-se que essa franquia dada paradoxalmente por uma entidade varonia e rigorosamente militar, a uma pessoa que justamente perdeu o tino, se dera pelo fato de a referida ter ficado viúva de um sargento que morrera na 2ª Guerra Mundial. Conseqüência, portanto, de sua sanidade parcial.

Consoante onde termina esta precisão e começa aquela ficção, não sei...

Somente sei que “Maria Japona” sempre foi uma lenda antes mesmo de sê-la.

Naquele dia conhecemos a Maria de passagem; e a “reconheci” pela japona. Porém a “Maria Japona,” não. Esta é uma lenda. Lenda não passa nem se reconhece. Mesmo assim quando a faz, em exceção como essa a mim, é para deixar comprovado ter ocorrido para ser realmente uma lenda.

Hoje uma lenda; ontem uma maneira singular de protestar.

Nota: do livro "A Serviço da Pátria".

Edmilson N Soares
Enviado por Edmilson N Soares em 24/07/2022
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