TRAGÉDIAS NA FAMÍLIA DE SIMPLÍCIO DIAS

TRAGÉDIAS NA FAMÍLIA DE SIMPLÍCIO DIAS

Adrião Neto

Preâmbulo

Instigado para escrever uma matéria sobre o assassinato de dona Carolina Thomázia Dias de Seixas e Miranda, resolvi fazer um trabalho mais completo abordando as três tragédias ocorridas na família de Simplício Dias. E, diferentemente dos memorialistas conservadores, de ideias românticas oitocentistas, que usam os fatos e acontecimentos do passado para acender a chama do ufanismo e do orgulho da população nativa com o intuito de despertar nela certo sentimento de pertencimento, me propus a fazer uma análise de todos os ângulos da história, nua e crua, desse corte cronológico da existência de Parnaíba em que ocorreram essas tragédias.

Lápide

Uma lápide de mármore situada no interior da Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe da Divina Graça, da cidade de Parnaíba, registra o sepultamento de dona Carolina Thomázia Dias de Seixas e Miranda, a terceira vítima da tragédia na família dos Dias da Silva.

A própria lápide fala um pouco sobre a vida, a família e as circunstâncias do falecimento de dona Carolina: “Virtuosa esposa, carinhosa mãe e boa amiga. Filha legítima do coronel Simplício Dias da Silva e d. Maria Izabel Thomázia de Seixas e Silva. Nasceo nesta cidade da Parnahíba aos 17 de outubro de 1801. Victima da crueldade d’um execrado monstro perdeu sua preciosa existência aos 27 de agosto de 1850. Meu Deus!... Incomprehensiveis nos são os segredos do destino... Seu extremoso esposo o capitão José Francisco de Miranda e amantes filhos, em testemunho da intensa dor e pungente saudade, que os opprimem, mandaram collocar este pequeno monumento, que encerra seus venerados restos”.

Retrospectiva

Antes de falar sobre mais esse crime e os outros dois que abalaram a família de Simplício Dias, faremos uma retrospectiva histórica, genealógica, política, econômica e social de Parnaíba e dos seus principais agentes do final do século dezoito à primeira metade do século dezenove.

A historiografia do Piauí registra que logo após o início da formação do núcleo populacional da Vila de São João da Parnaíba até os meados do século dezoito, o poderio econômico do norte do Piauí concentrava-se nas mãos de poucas pessoas, especialmente do fazendeiro e industrial João Paulo Diniz, do negociante português João Dias da Silva, falecido bem antes do alvorecer do novo século e do seu irmão, o mega empresário Domingos Dias da Silva, que fez fortuna através da agropecuária e da exportação para outras praças do país e do exterior dos produtos oriundos da indústria de charque, introduzida pelo primeiro acima mencionado, que também foi o pioneiro da navegação em alto-mar, do comércio direto entre a vila de Parnaíba e a metrópole de Lisboa. Além de ser a maior expressão dessa indústria no Piauí, Domingos Dias da Silva (pai de uma das vítimas e avô das outras duas), passou a dominar também a atividade de navegação oceânica, fazendo transação comercial direto entre a vila de Parnaíba e a sede da coroa lusitana.

A partir do final da última década do século dezoito, com o falecimento do introdutor e do consolidador da indústria de charque em Parnaíba, a Vila passou a contar com a influência de novos empreendedores.

Nessa mesma época, além dos herdeiros do capitão Domingos Dias da Silva (Simplício e Raimundo) e dos de João Paulo Diniz, os Ferreira de Veras e outros, incluindo o clã dos Miranda (que teria envolvimento direto ou indireto com as tragédias na família dos Dias da Silva), comandavam as atividades econômicas no norte do Piauí.

Com o falecimento do seu tio, que deixou uma fabulosa fortuna para os dois filhos pardos e ilegítimos, que foram por ele reconhecidos, Simplício Dias da Silva, havido com a mestiça Claudina Josefa e o alferes Raimundo Dias da Silva, havido com a mestiça Maria Dias, o Capitão Manuel Antônio da Silva Henriques assumiu a função de testamenteiro e a liderança da família Dias da Silva.

Perfil de algumas personalidades de interesse dessa matéria

Coronel Simplício Dias da Silva (1773 – 1829) - O Coronel de Cavalaria Simplício Dias (irmão de uma das vítimas e pai das outras duas), foi um dos principais líderes do Movimento Separatista de 1822/1823 no Piauí e um dos homens mais ricos do Brasil.

Continuador das atividades comerciais do seu pai, constituídas pela criação de gado, produção e exportação de charque para outras praças, inclusive para metrópole de Lisboa, transportados por suas embarcações, incrementaram a economia regional, ajudando a perpetuar o nome dos Dias da Silva.

Pelos relevantes serviços prestados à Parnaíba, ao Piauí e ao Brasil, recebeu várias homenagens, incluindo a comenda de cavaleiro fidalgo professo da Ordem de Cristo e a de dignatário da Imperial Ordem do Cruzeiro. Foi casado com Maria Isabel Thomázia de Seixas e Silva, com a qual teve quatro filhos: Tenente Simplício Dias de Seixas e Silva, Carolina Thomázia Seixas Dias da Silva (1801 - 1850), Helena Amália de Seixas Dias da Silva (1802 - 1861) e Tenente Coronel Antônio Raimundo Dias de Seixas e Silva (1804 - 1842).

Alferes Raimundo Dias da Silva (1782 – 1812) – O alferes Raimundo Dias da Silva (a primeira vítima), foi um dos principais parceiros e coadjuvantes do irmão Simplício nas lides comerciais e políticas. Foi casado com Justina Josefa Dórea da Silva, com a qual teve quatro filhos: Capitão Simplício Raimundo Dias da Silva, Tenente Raimundo Dias da Silva, Lucrécia Brígida Dias da Silva e Eulália Lucinda Dória da Silva.

Capitão Manuel Antônio da Silva Henriques (1773 – 1827) – O capitão Manuel Antônio da Silva Henriques (primo legítimo de uma das vítimas e em segundo grau das outras duas) destacou-se na carreira militar e comercial. Com a soma dos cabedais recebidos de dotes e de herança do pai e do sogro, tornou-se, ao lado dos primos Simplício e Raimundo um dos homens mais ricos do Piauí. Destacou-se também como uma das figuras do Movimento Separatista do Piauí.

Foi casado com Maria Victória Thomázia Clara, filha do sargento-mor Manuel Pinheiro Osório, português, radicado em Oeiras, e de sua esposa Joana Thomázia Clara.

Desse enlace matrimonial teve cinco filhos: Mathildes Nonata Angélica da Silva, Leonor Sebastiana da Silva Henriques, Domingos Dias da Silva Henriques, Ricardo Henriques da Silva e Angélica Rosa Umbelina da Silva Henriques.

Além dos filhos legítimos com sua esposa, o capitão Manuel Antônio da Silva Henriques teve um relacionamento com a escrava Joaquina, com quem teve dois filhos (não reconhecidos) Luiz Antônio da Silva Henriques, que tinha o codinome de Luiz Mandy, e outro de nome Victor.

Coronel José Francisco de Miranda - Dentre os membros da família Miranda, que fizeram parte do eldorado parnaibano de então, ressaltamos a figura do coronel da Guarda Nacional José Francisco de Miranda (esposo de uma das vítimas, cunhado da outra e suspeito de envolvimento na trama da execução delas), era xará, contemporâneo e parente próximo do poderoso coronel José Francisco de Miranda Osório, com quem tinha afinidades e mantinha relação de amizade e consideração.

O oportunista, ambicioso e vingativo capitão José Francisco de Miranda, de olho na fortuna de Simplício Dias, usando de esperteza granjeou a amizade e a confiança dos seus filhos, especialmente de Carolina Thomázia, com quem, ambicionando a riqueza do pai, passou a namorar.

Do namoro para o noivado e a aplicação do golpe do baú concretizado com o casamento foi um pulo. Como dote recebeu terras e uma fazenda com muito gado, cavalos e escravos na localidade Barra do Longá, na incipiente vila de Buriti dos Lopes, onde passou a residir com sua esposa.

Coronel José Francisco de Miranda Osório (1800 a 1877) - A partir da segunda década do século dezenove, surgiu a figura do poderoso coronel José Francisco de Miranda Osório (amante de Helena Amália, uma das filhas de Simplício Dias e primo do suspeito de envolvimento nas outras duas tragédias ocorridas na família dela).

Miranda Osório chegou em Parnaíba em 1813, com 13 anos de idade, um ano depois do assassinato de Raimundo Dias da Silva.

Filho do militar maranhense de ascendência portuguesa Francisco Xavier de Miranda Machado com dona Maria Bárbara da Anunciação. Segundo a escritora Maria Luíza Motta de Menezes, “veio de Oeiras em 1813, para a Villa de São João da Parnaíba como bandeira branca da paz, trazendo na alma e coração a missão de exterminar o ódio nas famílias Dias da Silva e Miranda”.

Ainda muito jovem Miranda Osório casou-se, em primeiras núpcias, com sua prima materna Angélica Rosa Umbelina da Silva Henriques (filha da sua tia Maria Victória Thomázia Clara com o capitão e rico negociante Manuel Antônio da Silva Henriques).

Com esse intrincado relacionamento, além de estreitar ainda mais os laços familiares entre ele e os Henriques e de fazer a aproximação dos Dias da Silva, que motivados pelo assassinato de Raimundo Dias, romperam com os Miranda, ocorreu a aplicação do primeiro golpe do baú, que foi multiplicado e posteriormente somado com outros golpes semelhantes com o segundo casamento com dona Lourença Francisca Basson e com os concubinatos com dona Joana Benedicta Rubin e com dona Helena Amália, filha de Simplício Dias, com quem teve uma filha de nome Maria Isabel Thomázia Dias da Silva de Miranda Osório.

Foi um dos principais líderes do Movimento Separatista do Piauí e da luta contra os Balaios. Participou também do movimento da Confederação do Equador.

Tenente-Coronel Antônio Raimundo Dias de Seixas e Silva (1804 a 1842) – O tenente-coronel Antônio Raimundo Dias de Seixas e Silva (a segunda vítima) era filho legítimo do coronel Simplício Dias da Silva com dona Maria Isabel Thomázia de Seixas e Silva.

Pertenceu ao 2º Regimento de Cavalaria de Milícias do Piauí. Elegeu-se Deputado Provincial para o biênio 1836/1838, tendo sido o deputado mais votado.

Era casado e tinha uma filha. Assim como os demais militares de sua época, participou das campanhas e dos movimentos políticos e militares de então, inclusive do Movimento Separatista e do combate aos balaios, em cuja campanha esteve ao lado de seu cunhado, coronel da Guarda Nacional José Francisco de Miranda, com quem tinha se desentendido por questões de herança.

Tragédias

Partindo dessa retrospectiva com a contextualização dos fatos e acontecimentos elucidativos desse corte cronológico do passado glorioso de Parnaíba e dos dados biográficos das pessoas diretas ou indiretamente envolvidas nesse enredo, passamos para a narração das tragédias acima mencionadas.

Primeira

A primeira tragédia ocorreu com o alferes Raimundo Dias da Silva. Conforme “estórias de ouvir dizer”, corroboradas pela escritora Maria Luíza Motta de Menezes em seu livro “José Francisco de Miranda Osório e seus Descendentes” (e agora recontada por mim), o rico, elegante e poderoso alferes, irmão do senhor da Casa Grande, teria se apaixonado e seduzido uma bela jovem da família Miranda, que residia numa mansão situada na rua Grande (atual Presidente Vargas), no local onde atualmente funciona o Armazém Paraíba.

Segundo as narrativas, o crime aconteceu para lavar a honra da jovem apaixonada e seduzida por Raimundo, que pelo fato de ter família, não pode assumir a responsabilidade de contrair matrimônio com ela, gerando um escândalo na sociedade local.

Sem desconfiar da decretação de sua morte, o jovem alferes continuou frequentando a casa da amada. Numa dessas visitas, exatamente na noite do dia 11 de abril de 1812, quando se encontrava confortavelmente sentado num sofá a acariciar a bela jovem, foi traiçoeiramente apunhalado por um escravo, que depois se evadiu sorrateiramente, mas foi perseguido, morto e esquartejado pelos escravos dos Dias da Silva.

Conforme a autora acima mencionada, como forma de vingança contra a família da jovem, Simplício Dias mandou erguer um “nicho” (que ainda hoje existe) na parte externa da cantoneira do segundo andar da Casa Grande de Parnaíba (na esquina da Rua Grande com a Rua da Glória, atuais Presidente Vargas e Monsenhor Joaquim Lopes), onde colocou as roupas ensanguentadas do falecido irmão e uma imagem de Nossa Senhora da Conceição apontando para a mansão dos Miranda. Toda vez que alguém da família da jovem aparecia na janela, saía ou entrava em casa, o sino grande da igreja matriz de Nossa Senhora Mãe da Divina Graça entoava o dobrado de finados, deixando a família constrangida e encarcerada em sua própria casa.

Segunda

A segunda tragédia ocorreu com o filho de Simplício Dias, o Tenente-Coronel Antônio Raimundo Dias de Seixas e Silva, de 38 anos.

Em 1842, logo após a tranquilidade voltar a reinar na região norte do Piauí, convulsionada pela Balaiada, combatida fortemente pelos militares parnaibanos da ativa, liderados pelo coronel José Francisco de Miranda Osório, um crime bárbaro abalou a pacata Vila de Parnaíba.

Conforme “estórias de ouvir dizer”, corroboradas pelo escritor Diderot Mavignier, em matéria publicada no Portal de Piracuruca, edição do dia 26/01/2021 (e agora recontada por mim), na noite do dia 28 de outubro, como de costume, o Tenente-Coronel Antônio Raimundo Dias de Seixas e Silva encontrava-se numa banca de jogo de baralho na residência do negociante João Álvares de Sousa.

Tendo como parceiros o major José Gomes de Araújo e José Antônio Marques, disputavam uma partida de “voltarete” – jogo de cartas com baralho de 40 cartas e três parceiros que recebem, cada um, nove cartas, restando 13 na mesa para compras.

Além dos jogadores e do anfitrião, o coronel João José de Salles, encontravam-se no recinto. Passava das vinte horas e tudo transcorria na mais perfeita ordem e harmonia.

Os lampiões do precário sistema de iluminação pública da Vila apagaram-se, deixando a noite em completa escuridão.

Subitamente, aproveitando-se dessa situação, três facínoras encapuzados invadiram a casa do negociante e sem perda de tempo um deles desferiu oito facadas fatais em Antônio Raimundo, deixando todos atônitos e sem reação.

O assassino e seus comparsas evadiram-se com a mesma facilidade com que adentraram a residência.

Desde então, Simplício Dias de Seixas e Silva, irmão da vítima e seus amigos, passaram a noticiar o crime no jornal de São Luís, “O Publicador Maranhense”, que em sua edição de 10 de dezembro daquele ano, publicou uma matéria informando que “inimigo do assassino” delatou como ocorreu o crime, que teria como mandante suspeito o coronel José Francisco de Miranda, justamente o esposo de Carolina Thomázia, a irmã da vítima, que, depois também foi vitimada em uma fazenda em Buriti dos Lopes.

Posteriormente, o mesmo jornal publicou uma matéria escrita por Simplício Dias de Seixas e Silva defendendo a honra do irmão falecido e a si próprio. Na mesma, falou sobre as artimanhas políticas do capitão Miranda, a quem qualificou de “esbirro de polícia”, dizendo que ele era capitão da Guarda Nacional e parente do prefeito de Parnaíba, capitão José Francisco de Miranda Osório.

Terceira

A terceira tragédia ocorreu com dona Carolina Thomázia Dias de Seixas e Miranda, filha do coronel Simplício Dias e esposa do capitão José Francisco de Miranda, em quem pairava a suspeita de ser o mandante do assassinato do irmão dela, Tenente-Coronel Antônio Raimundo Dias de Seixas e Silva.

Segundo “estórias de ouvir dizer” corroboradas pelo escritor Caio Passos em seu livro “Parnaíba – Cada Rua sua História” (e agora recontada por mim), na noite do dia 27 de agosto de 1850, a pacata comunidade de Barra do Longá, em Buriti dos Lopes foi abalada por um bárbaro crime. Enquanto os negros se confraternizavam na senzala da fazenda do casal acima nominado, dona Carolina, que se encontrava sozinha em sua alcova, prosseguia na leitura de um livro, à luz bruxuleante de um candelabro de prata, com velas de cera de abelha, quando de repente, um tiro de bacamarte ceifou sua vida. Seu corpo foi levado para ser sepultado na Igreja Matriz de Parnaíba, onde “em testemunho da intensa dor e pungente saudade” uma lápide registra o ocorrido e “encerra seus venerados restos”. “Incomprehensiveis nos são os segredos do destino...”. “Meu Deus!...” quem teria sido o “execrado monstro”, que cometera tal “crueldade”, fazendo com que a “victima”, (“Virtuosa esposa, carinhosa mãe e boa amiga) perdesse “sua preciosa existência”? Embora sem ter testemunha ou alguma prova da autoria desse misterioso crime, a suspeita recaiu sobre o marido da “victima” (“seu extremoso esposo o capitão José Francisco de Miranda”), que já tinha histórico de violência e suspeita de antecedentes criminais como mandante ou mesmo como executor da morte do cunhado.

Investigação

Meses depois do ocorrido, as investigações apontaram o escravo Aleixo, de 17 anos de idade, como o autor do homicídio.

Por conta das “estórias de ouvir dizer”, sobre esse dramático acontecimento, conta-se que o jovem escravo teria se apaixonado perdidamente por dona Carolina e no seu delírio de amor não correspondido, não podendo mais suportar o suplício de não realizar aquele sonho impossível, aproveitando-se da ausência das mucamas, que se encontravam numa festa realizada na senzala e do capitão Miranda, que supostamente se encontrava em Parnaíba, surpreendeu, violentou e assassinou a elegante senhora, de lindas feições e rara beleza, por quem seu coração palpitava constantemente, consumando assim sua última e talvez sua única aventura amorosa.

Por outra versão “dessas estórias”, envolvendo esse triste episódio, que permaneceu na memória da comunidade por muitos e muitos anos, conta-se também, que dias antes do crime, Aleixo, teria sido chicoteado por dona Carolina, que não aceitava o amor dele por uma das suas mucamas; que a poderosa senhora já o tinha castigado outras vezes por desobedecer às suas ordens de não se aproximar da sua escrava.

No entanto, por uma das versões maldosas das “estórias de ouvir dizer”, espalhada pelas fofoqueiras da vila, conta-se que dona Carolina, que era desprezada e maltratada pelo marido, teria se apaixonado pelo jovem escravo de corpo atlético, que apesar de ter a acunha de Coruja, era um belo rapaz de olhar meigo e sorriso cativante.

Mas uma das versões das “estórias de ouvir dizer” contada pelas linguarudas da época, dá conta de que os dois chegaram a ter um caso amoroso, mas por medo do esposo dela, o temido capitão Miranda, o rapaz rompeu com o relacionamento, preferindo se envolver com uma das suas mucamas, deixando-a furiosa e por conta disso, ela passou a castigá-los severamente.

O certo é que os investigadores chegaram à conclusão de que o escravo teria cometido o homicídio por motivo de vingança, executando a sua própria dona.

Julgamento e execução do acusado

Baseado nos argumentos da motivação do crime por vingança, sem ter direito de defesa e de um julgamento justo, Aleixo, que passou a ser considerado como um monstro, foi acusado, preso e condenado à pena capital.

O triste espetáculo aconteceu na manhã do dia 14 de abril de 1851.

A procissão da morte encabeçada pelo carrasco conduzindo o condenado, pelo capelão, que não parava de rezar, pelo delegado e por outras autoridades, seguidas de perto por populares, desfilava da cadeia pública para a praça principal da vila, onde ocorreria a execução.

Vestido com uma túnica mortuária e com as mãos amarradas para trás, abatido moralmente e com o olhar fixo no chão, o pobre escravo, chorava e jurava inocência.

Apesar de calar fundo no peito da maioria da população da vila, que em peso assistia aquela crueldade, o pranto do rapaz não comoveu o carrasco, que puxava a corda amarrada ao seu pescoço e o arrastava com violência para a forca improvisada em um dos galhos de uma árvore frondosa situada na área central do Largo da Matriz, atual Praça da Graça.

Nem mesmo o pedido de clemência do Frei Brito, capelão da Milícia, que administrara a extrema-unção ao condenado e o acompanhava, rezando e lendo em voz alta passagens da Bíblia, não abrandou a ira do carrasco, que sorrindo para as autoridades e para a plateia, cumpriu seu papel, enforcando solenemente o pobre escravo.

Enquanto os passarinhos piavam tristemente nas outras árvores ali próximas e atraídos pelo mal cheiro das carcaças de boi abandonadas na região do Porto Salgado, os urubus sobrevoavam o espaço aéreo daquele local, chamando à atenção das pessoas compadecidas, que lacrimejavam ao ver aquela cena, o capitão Miranda, vestido com a farta de gala da Guarda Nacional, aplaudia fortemente aquele ato brutal.

Enquanto ele e as outras autoridades presentes se regozijavam, o corpo do condenado, com um palmo de língua de fora, ficou estrebuchando dependurado na corda da forca adredemente improvisada naquela árvore situada em frente à igreja matriz, de onde, postada no altar-mor, através da porta principal, totalmente escancarada, a imagem de Nossa Senhora Mãe da Divina Graça, padroeira da vila, testemunhou aquela terrível cena, que para ela, mesmo em menor escala, só poderia ser comparada com a crucificação de Jesus, ocasião em que, na qualidade de mãe, assim como a de Aleixo, não pode fazer nada pelo filho, a não ser rezar.

Com a execução do escravo, o caso foi dado por encerrado, no entanto não afastou a suspeita de um possível feminicídio, que na época ainda não tinha essa denominação modernosa.

Referências bibliográficas

CARVALHO, Afonso Ligório Pires de – Terra do Gado, a conquista da capitania do Piauí na pata do boi, Thesaurus Editora de Brasília, Brasília, DF, 2007.

MAVIGNIER, Diderot – Um crime em 1842: O assassinato do coronel Antônio Raimundo Dias de Seixas e Silva na Parnaíba, Portal de Piracuruca, de Francisco Gerson, 26/01/2021.

MENEZES, Maria Luíza Motta de – José Francisco de Miranda Osório e seus Descendentes, Editora Henriqueta Galeno, Fortaleza, CE, 1980.

MIRANDA, Reginaldo - Coronel Simplício Dias da Silva – Diálogos com a História, Portal Entretextos, de Dílson Lages Monteiro, Teresina, PI, 01/12/2017.

MIRANDA, Reginaldo – Manuel Antônio da Silva Henriques - Diálogos com a História, Portal Entretextos, de Dílson Lages Monteiro, Teresina, PI, 30/06/2017.

PASSOS, Caio – Parnaíba, Cada rua Sua História, Edição do autor, Parnaíba, PI, 1982.

SILVA, Vicente de Paula Araújo - História da Região da Parnahiba, 1699 a 1799 – Villa de Nossa Senhora de Monserrathe da Parnahiba e Villa de São João da Parnahiba, Sieart, Parnaíba, PI, 2021.

Adrião Neto – Dicionarista biográfico, historiador, poeta e romancista com vários livros publicados. É o autor da ideia da inclusão da data histórica da Batalha do Jenipapo (13 de março de 1823) na Bandeira do Piauí e da proposta exitosa para homenagear, com estátuas, os vaqueiros e roceiros no Monumento Nacional do Jenipapo, em Campo Maior (PI), onde a Academia Campomaiorense de Ciências, Artes e Letras afixou duas placas alusivas a esses eventos, incluindo citação do seu nome.