DAS TITULAÇÕES (haicai)

Mas, quem foi que disse

Que, pois, haicais não têm títulos?!

Têm. G. de A. predisse.

(NAZAREZINHO-PB)

*i.e.: G. de A. – Guilherme de Almeida –. (vê 55 haicais deste e alguns de outros poetas:

O PENSAMENTO

O ar. A folha. A fuga.

No lago, um círculo vago.

No rosto, uma ruga.

HORA DE TER SAUDADE

Houve aquele tempo...

(E agora, que a chuva chora,

ouve aquele tempo!)

CARIDADE

Desfolha-se a rosa.

Parece até que floresce

O chăo cor-de-rosa.

SILÊNCIO

Uma tosse rouca,

Lã male. O "store" que bole,

A noite opaca e oca.

A INSÕNIA

Furo a terra fria.

No fundo, em baixo do mundo,

trabalha-se: é dia.

MOCIDADE

Do beiral da casa

(ó telhas novas, vermelhas!)

vai-se embora uma asa.

HISTÓRIAS DE ALGUMAS VIDAS

Noite. Um silvo no ar.

Ninguém na estação. E o trem

passa sem parar.

INFÂNCIA

Um gosto de amora

comida com sol. A vida

chamava-se "Agora".

LEMRANÇA

Confete. E um havia

de se ir esconder, e eu vir

a encontrá-lo, um dia.

O POETA

Caçador de estrelas.

Chorou: seu olhar voltou

com tantas! Vem vê-las!

CIGARRA

Diamante. Vidraça.

Arisca, áspera asa risca

o ar. E brilha. E passa.

GAROA

Por um mundo quase

aéreo, há um vago mistério.

Passa o Anjo de Gaze.

CIGARRO

Olho a noite pela

vidraça. Um beijo, que passa,

acenda uma estrela.

NÓS DOIS

Chão humilde. Então,

riscou-o a sombra de um vôo.

"Sou céu!" disse o chão.

CONSOLO

A noite chorou

a bolha em que, sobre a folha,

o sol despertou.

VELHICE

Uma folha morta.

Um galho, no céu grisalho.

Fecho a minha porta.

CHUVA DE PRIMAVERA

Vê como se atraem

nos fios os pingos frios!

E juntam-se. E caem.

MEIO-DIA

Sombras redondinhas

Soldados de pau fincados

sobre rodelinhas.

NOTURNO

Na cidade, a lua:

a jóia branca que bóia

na lama da rua.

MERCADO DE FLORES

Fios. Alarido.

Assaltos de pedra. Asfaltos.

E um lenço perdido.

N. W.

Dilaceramentos.

Pois tem espinhos também

a rosa-dos-ventos.

EQUINÓCIO

No fim da alameda

há raios e papagaios

de papel de seda.

O SONO

Um corpo que é um trapo.

Na cara, as pálpebras claras

são de esparadrapo.

JANEIRO

Jasmineiro em flor.

Ciranda o luar na varanda.

Cheiro de calor.

DE NOITE

Uma árvore nua

aponta o céu. Numa ponta

brota um fruto. A lua?

QUIRIRI

Calor. Nos tapetes

tranqüilos da noite, os grilos

fincam alfinetes.

PASSADO

Esse olhar ferido,

tão contra a flor que ele encontra

no livro já lido!

FILOSOFIA

Lutar? Para quê?

De que vive a rosa? Em que

pensa? Faz o qué?

UM SALGUERIO

A asa. A luz que pousa.

O vento... É o estremecimento

vão por qualquer cousa.

UM RITMO DA VIDA

O berço vai e vem.

Mas vai com a quê? – Um ai.

E vem? – Sem ninguém.

OS ANDAIMES

Na gaiola cheia

(pedreiros e carpinteiros)

o dia gorjeia.

TRISTEZA

Por que estás assim,

violeta? Que borboleta

morreu no jardim?

PERNILONGO

Funga, emaranhada

na trama que envolve a cama,

uma alma penada.

PESCARIA

Cochilo. Na linha

eu ponho a isca de um sonho.

Pesco uma estrelinha.

OUTONO

Sistema nervoso,

que eu vi, da folha sorvida

pelo chão poroso.

VENTO DE MAIO

Risco branco e teso

que eu traço a giz, quando passo.

Meu cigarro aceso.

FRIO

Neblina? ou vidraça

que o quente alento da gente,

que olha a rua, embaça?

OUTUBRO

Cessou o aguacerio.

Há bolhas novas nas folhas

do velho salguerio.

O BOÊMIO

Cigarro apagado

no canto da boca, enquanto

passa o seu passado.

FESTA MÓVEL

Nós dois? - Não me lembro.

Quando era que a primavera

caía em setembro?

ROMANCE

E cruzam-se as linhas

no fino tear do destino.

Tuas mãos nas minhas.

O HAIKAI

Lava, escorre, agita

A areia. E, enfim, na bateia

Fica uma pepita.

NOROESTE

Dilaceramentos...

Pois tem espinhos também

A rosa-dos-ventos.

PACAEMBU

Chuva e sol. Repara

nas giestas atrás das frestas

das persianas claras.

PROGRESSO?

Enorme canhão,

o arranha-céu acompanha

o voo do avião.

CARRILHÃO

Assusta-se e foge o

enorme tempo que dorme

no velho relógio.

SABEDORIA

Uma ave, pousada

no pára-raios, olha para

o céu. E há trovoada.

INTERIOR

Havia uma rosa

no vaso. Veio do ocaso

a hora silenciosa.

BOLHA DE SABÃO

Dirás, quando a vires:

“A bola de vidro rola

debaixo do arco- íris".

POETAS

Tive uma irmã gêmea.

Sonhou com o céu. Chorou.

Nuvenzinha boêmia.

CAMPOS DO JORDÃO

Vão duas meninas

de suéter de lã. Cheira a éter.

Ondas de colinas.

O "LOGO DAS HAICAIS"

Esvoaça a libélula.

Esponja verde. Uma concha.

O logo é uma pérola.

MARCHA NUPCIAL

Ventos leves bolem.

Têm lerdos gestos os cedros

ao vôo do pólen.

ÁRVORES NO OUTUBRO

Na casca, a ferida

é como mercurocromo.

A folha esquecida.

PRESSENÇA

Hora sem ninguém.

No manso ondear do balanço

de lona está alguém.

Dois de Abel Pereira:

DESABAFO

Para contar mágoas,

inclina-se a haste franzina

no espelho das águas.

O OCASO

No rio profundo,

o sol parece outro sol

a emergir do fundo.

Dez de Afrânio Peixoto:

EMULAÇÃO

Quando um galo canta

Os outros todos respondem:

Nenhum quer faltar.

COMPARAÇÃO

Um aeroplano

Em busca de combustível...

Oh! é um mosquito.

PERFUME SILVESTRE

As coisas humildes

Têm seu encanto discreto:

O capim melado...

DISPARIDADE

Derrete-se o gelo.

Porém se resfria a água:

Ela fria, eu ardo...

ARTE DE RESUMIR

O ipê florido,

Perdendo todas as folhas,

Fez-se uma flor só.

ANCH'IO...

Na poça de lama

Como no divino céu,

Também passa a lua.

CRÍTICA A CRIAÇÃO

O boi come a grama

E nós o boi. Deus não teve

Imaginação.

HERANÇA

Ele pó, modesto,

Ela neve, pura: deram

Um pouco de lama.

MALLARMÉ OU VALÉRY

Fiz uma charada:

Não sabia que isto é hoje

A poesia pura.

SEU COLAR DE PÉROLAS

No céu do seu colo

As estrelas fazem ronda,

Adorando o rosto...

Três de Corinne Marian:

SEGUNDO PESCADOR

A linha do horizonte

segura o anzol:

pescando o mar

RITMO

Na campina

dançam estrelas:

vaga-lumes piscam

DELICADEZA

Ternos ruídos:

borboletas celebram

a primavera

Dois de Cyro Armando Catta Preta:

SONO

Incorpóreo fujo,

sonhando me libertando

do meu caramujo.

FOTOGRAFIA

Entre adeuses a ais,

a saudade de outra idade

que acena: jamais...

Oito de Delores Pires:

GEADA

Nas manhãs de frio

a paisagem, tiritando,

se veste de branco.

ESQUILO

Veloz, irrequieto,

saltita na melodia

do cricri dos grilos.

ORQUESTRA

Natural orquestra

toca no quente verão:

canto de cigarra.

CREPÚSCULO

Luz de fim do dia.

E a tua imagem flutua...

Vaga nostalgia!

MUDANÇA

Cheia de neblina

a cidade, em verdade,

foge da rotina.

ACENTUAÇÃO

Em torno de si

o guarda-chuva coloca

o pingo nos ii.

SIMPLICIDADE

Singela e formosa

Num torvelinho de espinho

Desabrocha a rosa.

SOLITUDE

Silente, à tardinha,

desliza ao sabor da brisa

gaivota sozinha.

Três de Edival Perrini:

INFÂNCIA

Um sótão

dois dedos de céu

cisterna de mistérios.

TERRA

Na via-láctea,

um poço.

Existe algo mais plural?

VÉRTICE

Homem em pé sobre a canoa

pesca a manhã de cada dia,

noventa graus de poesia.

Um de Eduardo Feijó Neto Machado:

COMPANHEIRO

Você vem comigo

mesmo onde eu não for

e me leva?

Um de Eno Teodoro Wanke:

DEPOIS DA CHUVA

O sol, apressado

espalha a dourada toalha

pelo chão molhado.

Dois de Eunice Arruda:

TELEGRAMA

Mamãe morreu

Ficamos

Envergonhados

PAISAGEM

o sol se

põe

Girassóis olham o chão

Um de Fabiano Calixto:

DIVINA LOUCURA

Um tombo escorre

Do olho que não escolho

E a noite morre.

Dois de Gil Nunesmaia:

ARREBOL

No dorso azulado

dos montes distantes cresce

uma poeira de ouro

CREPÚSCULO

Vai morrendo o dia.

Como uns abutres famintos

pairam, descem sombras

Dois de Inês Mafra:

VERÃO

Milhares, milhões de sóis acesos

um barco branco

ancora no céu

INVERNO

Sonhando com fogo

O corvo adormece

Sobre a chaminé.

Dois de Lêdo Ivo:

NOITE DE DOMINGO

Acabou-se a festa.

Resta, no silêncio,

o rumor da floresta.

O LAGO HABITADO

Na água trêmula

freme a pálida

anêmona.

Quatro de Leila Míccolis :

NOSTALGIA

Ainda há marcas do nosso idílio:

pegaste doença

e eu peguei filho...

POSIÇÃO

Injustiça e veneno

é dizer que só me deito sobre os louros.

Também sob os morenos...

HORÁRIO DE VERÃO

Mas que tempo interessante:

nos dá uma hora a mais

e um verão três meses antes...

CLIMA DE MONTANHA

Não há poluição

nem manhãs foscas.

Só moscas.

Um de Mônica Banderas:

CLONE

Clone por clone

melhor o meu:

sou clone de Deus...

Quatro de Oldegar Vieira:

UM FILÓSOFO

Um velho coqueiro

– interrogativamente –

mira -se no brejo.

O VENTO NAS PORTAS

O vento batendo

as portas; lembranças mortas

vão revivendo.

REVOADAS

Revoadas brancas

sobre os rochedos escuros:

gaivotas e espumas.

ALVORADA

Pouco a pouco vai

o canto claro dos galos

clareando o dia.

Dois de Paulo Roberto Cecchetti:

ARCO-ÍRIS

Chuva de verão,

traz arco-íris no céu:

gotas de cristal!

GIRASSÓIS

Sol de primavera,

brilho da manhã na relva:

Girassóis, tão sóis...

Dois de Primo Vieira:

CREPÚSCULO

A luz sem alarde

definha. A última andorinha

risca o céu da tarde...

PAZ

– Que inveja me dás,

ermida no monte erguida

comungando paz!

Um de Simão Pessoa:

SAUDOSISMO

Cinema novo? Grande idéia:

uma câmera na mão

e mil moscas na platéia

Três de Urhacy Faustino:

CONCORRÊNCIA

O pontilhismo pode ser obra cara,

mas não tão rara

quanto as joaninhas.

FLORAL

Traiu minha confiança

quando, ao primeiro vento,

despetalou-se.

COLIBRI

Toca em mim,

dou flores

precoces.

Um de Valnei Andrade:

HAIKAI PARA AS GUEIXAS

roliças as coxas

como hortaliças

aos pêlos eriçam

Dois de Waldomiro Siqueira Jr.:

URRO

Fato assaz inglório:

rajada de gargalhada

durante um velório.

ONDAS

O branco singrando

as águas do lago. Mágoas

sangram até quando?

Um de Zemaria Pinto:

AS MÃOS DA AMADA

conduzem a fala

na luz rubra da manhã

- papoulas ao vento

*FORMA

Forma poética do haicai, três versos: o primeiro, de 5 sílabas; o segundo, 7; o terceiro, 5 (origem oriental); contudo, tendo em vista a silabaçăo diferente nas diversas línguas, pode-se ter um verso mais curto, outro mais longo, outro mais curto. Nas traduçőes de Bashô, podemos encontrar haicais com dois versos apenas. Os de origem, via européia ou ocidentais, versos de 2, 3 ou 4 versos. Contudo, prevalece, ou é a forma mais aceita, a estrofe composta por três versos nos quais o poder de síntese, a imagem, o vislumbre săo requisitos primordiais.

Pontuaçăo inexiste na forma japonesa; na oriental-brasileira e ocidental-brasileira, é opcional. O Gręmio Ipę de Haicai (oriental-brasileiro), faz uso da pontuaçăo. Guilherme de Almeida e sua escola também pontuam essa micro-poesia.

A rima năo acontece na forma oriental; na ocidental, é aceitável como acontece nos haicais guilherminianos (Guilherme de Almeida).

Titulaçăo - Năo há titulaçăo no haicai oriental; no ocidental, latino-americano ou brasileiro pode haver ou năo.

Pode-se dizer que Ocidente e América Latina construíram a sua síntese poética, aos moldes das origens, mas com um sabor de novidade, "um sabor de amoras/ comida com sol/ a vida chamava-se agora" como no dizer de G.A. em INFÂNCIA.

Esquema do haicai bashoniano (oriental-brasileiro):

5 sílabas _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

7 sílabas _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

5 sílabas _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

Esquema do haicai moderno (ocidental brasileiro): silabaçăo livre

14 sílabas _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

5 sílabas _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

3 sílabas _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

Ou outras silabaçőes, conservando-se porém os três versos, sendo dois mais curtos e um mais longo, preferencialmente, os 1ss e 3ss mais curtos e os 2ss (centrais) mais longos.

(Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre)

Francisco Ohannah Oleanna Osannah Galdino
Enviado por Francisco Ohannah Oleanna Osannah Galdino em 27/11/2022
Código do texto: T7659017
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