música caipira: estudos, memórias

MÚSICA CAIPIRA: ESTUDOS, MEMÓRIAS.

ILZA RIBEIRO GONÇALVES

RESUMO

Este trabalho tem como tema a música caipira. Este gênero foi escolhido em função de sua importância no âmbito da cultura brasileira, sendo relevante para se compreender a relação do passado e presente. As letras das canções podem ser entendidas como elementos históricos contextualizados e de que é necessário discutir quais as formas adequadas de se incorporar à música nas aulas de arte. O objetivo foi pesquisar e analisar a história da música caipira no Brasil, desde a sua origem até a sua difusão no meio social, buscando entender o que é, e como a mesma poderá ser trabalhada no processo escolar, para que o educando possa conhecê-la como parte de sua cultura.

PALAVRAS-CHAVE: Música Caipira, Estudos, Memórias.

INTRODUÇÃO

A memória, no seu sentido primeiro da expressão, é a presença do passado, de um indivíduo inserido em um contexto social, familiar e nacional. Seu objetivo mais imediato é garantir a continuidade do tempo e permitir assim a resistência às rupturas que de certa forma são o destino de toda vida humana. Este trabalho tem como objetivo sugerir atividades com a música caipira, e comprovar que a mesma pode contribuir para que os educandos possam reconhecer suas raízes através do patrimônio cultural e artístico no bojo da música caipira. Segundo Maurice Halbwachs as memórias são construções dos grupos sociais, embora sejam os indivíduos que lembram, no sentido literal da expressão, são os grupos sociais que determinam o que é “memorável” e as formas pelas quais será lembrado. Portanto, os indivíduos se identificam com os acontecimentos públicos relevantes para com o seu grupo. Partindo-se dessa premissa é necessário observar como varía de lugar para lugar, ou de um grupo para o outro e como se transformam na passagem do tempo. Dessa forma devemos trabalhar para que a memória coletiva sirva para libertação e não para a servidão humana.

Reconhecer na música caipira um gênero artístico com função socialmente definida, refletindo mais especificamente sobre aquelas que propagam, de alguma forma parte da cultura local, identificando e interagindo na construção discursiva e ideológica que subjaz à formação das imagens do caipira, homem da roça que canta suas lembranças através do eu líricas nas canções

A música caipira com um gênero musical estabilizada, histórica e socialmente situada tem existência concreta expressa através das letras e canções para explicar como se manifestam comportamentos, atitudes e condutas inspiradas consciente e inconscientemente.

O movimento rural é uma forma de manifestação cultural baseada em usos e costumes populares e regionais, retratando a vida e o pensamento da população do campo e ou do interior do país. Tal manifestação cultural não sofreu, em suas bases, influências outras que não a dos habitantes da terra descoberta e de seu colonizador.

Assim, a música da terra, como toda manifestação artística, surgiu de uma necessidade da sociedade rural de expressar através das canções, suas aventuras e desventuras, alegrias e tristezas, prazeres e dores. Lógico que os temas estão vinculados à sua realidade de vida, seus modos e costumes, bem como os seus princípios éticos, religiosos e morais. É possível afirmar que suas raízes são genuinamente nacionais e sua proximidade ao country americano se dá, justamente, por estas razões, pois lá como aqui, o movimento está intimamente ligado a terra e a regionalismos, resultante da caminhada em direção ao interior, em busca de melhores condições de vida, de riquezas. De maneira que, quem se aventurou, em passado longínquo, pelas terras virgens do Brasil e por aqui se estabeleceu, acabou sendo responsável pela formação de uma cultura própria, típica e regional.

A leitura e interpretação da música caipira podem contribuir para que os educandos possam se reconhecer como sujeitos e que estão atrelados às raízes familiares, em determinada época, valorizando assim as memórias do tempo e de sua gente.

O CAIPIRA NA CULTURA BRASILEIRA

O caipira foi estigmatizado por Monteiro Lobato conheceu apenas o caipira caboclo, tomando-o como paradigma e protótipo de todos os caipiras.

O cineasta Amácio Mazzaropi criou um personagem, nos anos de 1950, que fez muito sucesso no cinema brasileiro: O Jeca inspirado no caipira branco porque tinha ascendência italiana.

O cartunista Mauricio de Souza também tem um personagem caipira nas histórias da Turma da Mônica que é o Chico Bento, o qual representa o confronto da cultura caipira com a urbanização do Brasil.

O pintor José Ferraz de Almeida Júnior retratou com precisão e maestria em sua obra-prima “caipira picando fumo” e “violeiro”.

O maior estudioso do caipira foi Cornélio Pires que compreendeu, valorizou e divulgou a cultura caipira nos centros urbanos do Brasil. Registrou inúmeras letras de músicas caipiras, em especial Sambas e Cateretês que ouviu em suas viagens, e que, sem esta obra, teria caído no esquecimento. Registrou também a influência da imigração italiana entrando em contato com o caipira. Cornélio Pires registrou os termos caipiras mais usados em seu Dicionário do Caipira publicado na obra “Conversas ao pé do fogo”. Foi o primeiro a lançar em discos de 78 Rpm, a música caipira, hoje chamada de “música de raiz”, em oposição à música sertaneja produziu cerca de 500 discos em 78 rpm. É dele a idéia da divulgação desta música, através de um Teatro Ambulante. Por volta de 1914, Cornélio Pires dedicava-se a organizar espetáculos pelo interior de São Paulo, para divulgar a arte caipira e apresentar artistas sertanejos: as chamadas Conferências de Cornélio Pires. Este conheceu a música caipira, no seu estado original, nas fazendas do interior do Estado de São Paulo e assim a descreveu em seu livro “Conversas ao pé do Fogo”.

Cornélio Pires é natural da cidade de Tietê, Estado de São Paulo, nascido no dia 13/07/1884 e sua paixão pela arte da música iniciou em São Paulo, sua morte no dia 17/02/1958 deixou muitas saudades.

Homem de uma personalidade inconfundível, e admirado pelos “sábios” dessa época pelo seu gosto incontrolável pela música e pelo talento que possuía.

Suas obras ficaram registradas e jamais esquecidas: “Musa Caipira”, Versos Velhos, Cenas e Paisagens de minha Terra, Monturo, Quem conta um Conto, Conversas ao Pé do Fogo, Estrambóticas Aventuras de Joaquim Bentinho Tragédia Cabocla, Patacoadas, Seleta Caipira, Almanaque do Saci, Mixórdias, Meu Samburá, Sambas e Cateretês, tarrafas, Chorando e Rindo, de Roupa Nova, Só Rindo, Ta no Bocó, Quem conta um conto e outros contos..., Enciclopédia de Anetodas e Curiosidades, além de dois livros espíritas, Coisas do outro Mundo e Onde Estás, ó Morte?

Tornou-se Espírita por não concordar com certas idéias da igreja Presbiteriana, freqüentado-a até seus últimos dias.

ORIGEM DA MÚSICA CAIPIRA

O caipira surgiu de uma denominação tipicamente paulista; vinda da primeira miscigenação entre o branco e o índio. “Kaai pira” que na língua indígena significa o que vive afastado, (kaa-mato) (pir-corta mata) e (pira-peixe). Também do índio surgiu o cateretê, dança religiosa na qual os mesmos batiam palmas, seguindo o ritmo das batidas dos pés, assim vindo a nascer a “catira”. Esta passou ser adotada pelos caboclos. Com a exploração em terras Matogrosense e Paranaense os brancos, e a cultura caipira foi junto, levada pelos tropeiros.

Hoje o termo “caipira” se generalizou tornando-se uma figura estereotipada. Infelizmente alguns intelectuais passaram de modo errôneo a imagem do caipira. A única lembrança que temos dessa época vem nas festas juninas que acontecem nas escolas e nas cidades anualmente. Figura esta que já não retrata o verdadeiro caipira nato. Foi criada uma deturpação do que o povo brasileiro possui de mais profundo e encantador em suas raízes.

O falar errado do caipira não é proposital ele trazia consigo tudo o que era de mais “nobre”, que poderia existir nessa época, e que isso hoje ficou no passado, muitas vezes ele é taxado de analfabeto. O verdadeiro caipira conhece as horas apenas olhando pelas sombras das árvores ou de sua própria sombra. Sabe se no dia seguinte virá chuva ou não, usa chá de ervas para cada doença, uma simpatia para cada doença...

Do índio herdou a familiaridade com a mata, o raro pela caça, a cura das ervas o encantamento das lendas. Do branco a língua, costumes, crenças e a viola vindo a ser um dos símbolos de sua resistência pacifica. Muitos são os ritmos executados pela viola, companheira do peito canta suas esperanças, tristezas, sentimentos do nosso país.

MEMÓRIAS NA MÚSICA CAIPIRA

Conforme Napolitano (2005), há muitas citações do século passado, sobre o interior do Brasil, comenta-se sobre diversos tipos de festas musicais típicas, bem como sobre manifestações musicais associadas aos condutores de boiadas ou tropeiros. Essas cantigas e desafios, sempre em tom de alegria, consistiam em interpelações de um boiadeiro para outro e era uma derivação de dois gêneros tipicamente portugueses. A cantiga (do latim canticula – cançãozinha) remonta ao século XIII, com acompanhamento de instrumento de cordas, chamado no século XVIII de "poesia cantada", formada de redondilhas ou de versos menores que estas, dividida em estrofes iguais, com andamento melancólico e concentrada.

O desafio, sempre representou em Portugal, um gênero musical baseado no canto de improviso e alternativo, com outras pessoas provocando o desafiante, até que se proclamasse o vencedor. Este tipo de arte, muito divulgado entre nós, caindo no agrado popular, acabou se alastrando pelo país, de norte a sul.

Já no século passado, muitos narradores testemunharam várias formas de gêneros musicais oriundos do campo. Assim são as descrições sobre as “vésperas de São Pedro,” quando todos os que possuíam um Pedro na família se sentiam na obrigação de acender uma fogueira diante da porta e soltar rojões, disparar pistolas, morteiros ou mosquetes. Tratava-se, também, de uma manifestação adaptada da tradição portuguesa, acompanhada de acordeona, viola, e machete (antecessor do cavaquinho). A dança cantada dava-se o nome de cururu (ou caruru), cujo acompanhamento instrumental se fazia através de uma viola e de um pandeiro basco. Esta manifestação ainda existe em alguns locais no interior de Mato Grosso, Goiás e São Paulo e é uma espécie de desafio, com a diferença que o provocador fica de fora, instigando contendores ao litígio, até que saia um vencedor.

No início do século XX, a literatura sobre o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país começa a mencionar danças como o recortado (derivado do cateretê), o fandango (de origem ibérica e com várias coreografias) e a toada (forma livre de cantiga, ligada à pura forma musical e não à disposição poética). Era à força da música rural, criativa, evolutiva, diversificada, contrapondo-se aos modismos musicais das capitais, sempre importados do exterior, principalmente da Europa.

A música brasileira forma um enorme e rico patrimônio histórico e cultural, uma das grandes contribuições para a cultura da humanidade.

Nesse sentido, valorizar as diferentes culturas é resgatar memórias das pessoas mais “velhas”, relacionando-as com o lugar onde vivem. Tendo assim a chance de ter contato com outras gerações e com isso sentir-se parte da comunidade.

A história e memória passaram a se revelar cada vez mais complexas. Lembrar o passado é escrever sobre ele não se apresentam como atividades inocentes que julgávamos até bem pouco tempo atrás. Tanto as histórias quanto as memórias não mais parecem ser objetivas.

Nos dois casos, passa a ver o processo de seleção, interpretação e distorção como condicionado, ou pelo menos influenciado, por grupos sociais. Não é obra de indivíduos isolados. (BURKE,2000, p.69-70).

A música caipira pode apresentar através de seu contexto o tempo passado e o seu ambiente, relacionando-os com o tempo presente e o ambiente do próprio educando.

Partindo-se da premissa de que a memória social, como a individual, é seletiva, faz-se necessário identificar os princípios de seleção e observar como os mesmos variam de um lugar para outro ou de um grupo para outro. “As memórias são maleáveis, e é necessário compreender como são concretizadas, e por quem, assim como os limites dessa modalidade”. (BURKE,2000,p.73).

Jacques lê goff confirma que:

A memória, onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para libertação e não para a servidão dos homens”. (LE GOFF, 1994,p.477).

Para Ribeiro (2006), o Brasil do descobrimento tinha ao que se suponha uma população indígena de cerca de dois milhões de habitantes, com os quais teriam os descobridores de se defrontar, no processo de povoação ou colonização. Na manifestação musical, apesar da influência do colonizador marcou presença a cultura indígena, através dos urucapés, graús, parinaterans e tocandiras, de origem guaicuru, xavante, guarani ou bororo.

Dentre as tantas leituras que tive acesso posso relatar que, Anchieta, o apóstolo do Brasil, teria se valido de uma dança religiosa indígena, o caateretê, para tentar convertê-los ao cristianismo. Teria, ainda, introduzindo esta dança nas festas de Santa Cruz, Espírito Santo, Conceição e Gonçalo, um hábito que até hoje persiste nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Pará e Amazonas, sob a nomenclatura de catira, cujos elementos rítmicos da viola, do sapateado e do palmeado, foram indexado ao longo dos tempos. Sendo cantado em versos, o caateretê propicia o surgimento de cantores e trovadores populares.

Quando os portugueses e negros proporcionaram o surgimento de outras manifestações musicais oriundas de suas próprias culturas, já existiam por aqui gêneros resultantes do cruzamento cultural portugês-índio.

Desta miscigenação surgiram grupos distintos, sendo que entre os caboclos concentrados nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, inúmeros traços de semelhança física e cultural são notáveis, generalizando o que se convencionou chamar de caipira, uma denominação tipicamente paulista.

A palavra cultura tem origem no latim colere que aplicado à natureza refere-se à ideia de cultivar, preservar o cultivo agrícola, a plantação, ou seja, aquilo que foi plantado que cresce naturalmente deve ser cultivado pelos seres humanos. Isso torna seu significado bastante amplo e complexo.

Outra forma de conceber o termo é relacioná-lo à preservação da memória,através do culto aos deuses, no caso de Roma Antiga. Neste caso, a palavra deriva também do latim cultus (culto, cultuar) que pode ser relacionado a expressões simbólicas como a música, a dança, o canto etc., preservando dessa forma tradições construídas no cotidiano. Raymond Williams reconhece a existência da palavra cultura com o significado de “civilidade com base em suas raízes etimológicas, depois no século XVIII civilização”, conforme o espírito geral do iluminismo, significando um processo geral de progresso intelectual, espiritual material. Mas ao final do século XIX, segundo o mesmo autor, “a partir do idealismo alemão a cultura assume algo do seu significado moderno de um modo de vida característico” (EAGLETON, 2005, p. 23)

Ao estudar os vários significados da palavra cultura na língua inglesa, Williams ressaltou três categorias ou níveis que dão um novo sentido à palavra. Em primeiro lugar a “ideal”, a cultura vivida pelo ser humano, segundo o qual a cultura é vivida em determinado tempo e lugar somente por aqueles que ali residem. Em segundo lugar a categoria de cultura “documental”, ou seja, aquela registrada, gravada pelo pensamento humano em suas múltiplas experiências (música, pintura, letras etc). Em terceiro e último lugar, há o conceito “social” de cultura em que esta passa a determinar um modo particular de vida, uma cultura particular sem, no entanto se afastar dos interesses comuns da sociedade. Esses três níveis de cultura não devem, segundo Williams, ser tratados cada um em particular e sim como um todo, um completando o outro.

CULTURA BRASILEIRA E A CONSTRUÇÃO DA CULTURA DO CAIPIRA

No Brasil, pouco antes das discussões que ocorreram na Inglaterra sobre os estudos culturais, já havia uma preocupação em apontar algumas considerações sobre a formação e a cultura do povo brasileiro, com algumas diferenciações.

Enquanto no Brasil surgia uma intelectualidade pautada no atendimento a uma classe média em ascensão, como é o caso da fundação da Universidade de São Paulo -1934 (USP), que atendiam naquele momento a um projeto modernizador da elite paulista, na Inglaterra o surgimento dos estudos da cultura, atendia aos trabalhadores marginalizados e empobrecidos do segundo pós-guerra. Isto, é claro, não impedia que no Brasil também se formasse uma estrutura que.tivesse a preocupação de analisar, sob a ótica da cultura, o seu tempo, interpretando ou reinterpretando o Brasil e a realidade nacional que entraria, a partir da década de1930, num processo acelerado de industrialização das cidades, conduzindo um país predominantemente rural a uma nova realidade urbana e de modernização.

Essa produção intelectual em formação no Brasil, a partir da década de 1930, tinha como princípio fazer a interpretação da realidade nacional brasileira a partir da crítica da sociedade pela cultura, a exemplo do que a “New Left” inglesa faria a partir de 1950. Antônio Cândido lembra que:

Os homens que estão hoje um pouco para cá ou um pouco para lá dos cinqüenta anos aprenderam a refletir e a se interessar pelo Brasil, sobretudo em termos de passado e em função de três livros: Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire, publicado quando estávamos no ginásio; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, publicado quando estávamos no curso complementar; Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior, publicado quando estávamos na Escola Superior (HOLANDA, 1997, p. 9).

Para Antônio Cândido, essas obras tiveram o mérito de explicar o Brasil numa perspectiva de mudanças, pois “(...) traziam a denúncia do preconceito de raça, a valorização do elemento de cor, a crítica dos fundamentos ‘patriarcais’ e agrários, o discernimento das condições econômicas, a desmistificação da retórica liberal” (HOLANDA, 1997, p. 11).

As obras citadas por Antônio Cândido são, de maneiras distintas, trabalhos de recuperação de uma identidade cultural brasileira que até aquele momento havia sido construída sob a marca da cultura de uma elite agrária. A obra de Freyre teve como referência a discussão acerca do modo de vida da colônia, a cultura presente na vida do senhor patriarcal, mas, sobretudo a importância do escravo na formação do povo brasileiro, evidenciando aspectos antropológicos da sociedade brasileira em construção.

Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda constrói uma visão dialética de momentos históricos distintos, que se entrecruzam de maneira a entender a estrutura política brasileira, a herança, as raízes, como lembra o próprio título. Sem deixar de lado a estrutura social, o autor remete a um mundo em transformação, destacando as origens rurais e a formação de um mundo oposto àquela sociedade rústica, “atrasada” para os moldes de uma urbanidade em formação, sobretudo a partir dos capítulos “Herança rural” e “O semeador” e o “ladrilhador” em que Holanda analisa a transição da escravidão já em crise e a formação de uma mentalidade urbana que significava aquilo que existia de mais moderno.

A chegada dos bandeirantes ao Brasil a partir do século XVI marcaria não só um novo ciclo de dominação e “descobertas”, mas também a formação de uma nova cultura, a caipira. Na medida em que os bandeirantes avançavam rumo ao interior do Brasil, criava-se uma fronteira entre dois mundos distintos, o “civilizado,” representado pelos descendentes brancos, e o “atrasado”, representado pelos nativos da mistura entre esses dois mundos surgia o caipira, mescla de branco e índio com pouco de sangue negro (SOUZA, 1986).

A partir dessa ocupação, outras áreas foram surgindo, como as vilas, fazendas e arraiais. O universo desse homem simples, cercado pela miséria que as condições lhe impunha, não crescia na mesma velocidade que outras localidades. O homem caipira mantinha-se portador de peculiaridades marcantes como a religiosidade, literatura, comida, dança e a música.

A música, segundo José de Souza Martins, estava sempre associada a rituais religiosos, ao trabalho ou lazer, demonstrando dessa forma o universo em que viviam os primeiros caipiras, que tinham nesse tripé o elo de sua sociabilidade com o mundo exterior.

Um outro aspecto que não pode deixar de ser enfatizado: é o homem caipira, ao longo do período colonial (e hoje, no século XXI), sempre foi marcado por significados negativos: homem atrasado, despido de uma cultura clássica. Seu primeiro espaço social, o sertão, também era visto como espaço vazio, atrasado, terra de variados tipos como os criminosos, os degredados e, às vezes, espaço de moradia de próprio demônio (SOUZA, 1986, p. 59). A cultura caipira foi então, ao longo dos séculos, considerada como uma cultura rústica, sem valor social.

A PRESENÇA DA MÚSICA CAIPIRA NAS AULAS DE ARTE

No caso específico da música caipira, entendida no sentido de uma cultura comum, os alunos mostram o reconhecimento de sua presença na cultura de suas famílias e identificam o gosto de seus pais e outros parentes em ouvir esse gênero. Portanto, trata-se de um elemento que está presente em sua cultura primeira e que, a partir do contato do jovem com outras formas de produção cultural, acaba por ser rejeitada como algo “jurássico”, como “caipira”.

Excluída também pela escola, por meio dos manuais didáticos que se constituem em poderoso recurso nas aulas, o gênero caipira acaba sendo considerado como algo absolutamente distante tanto dos seus gostos e preferências, quanto da cultura elaborada. Desse ponto de vista, o trabalho com música caipira nas aulas de arte comprova indícios de uma atitude menos preconceituosa dos jovens com relação a MPB, gênero que nos livros didáticos examinados é frequentemente utilizado para mostrar a resistência aos governos autoritários no Brasil. Entende-se que essa valorização, pela escola, afeta a relação que os jovens estabelecem com a MPB. Mesmo não agradando como música para ser ouvida, há uma compreensão do valor que ela tem na cultura.

A música caipira fica mais próxima de seu entendimento e passa a ser reconhecida como memórias de um tempo embora passado, mas que foi de grande importância culturalmente. A música caipira, a exemplo de outros gêneros que os professores utilizam em suas aulas, também é reconhecida como portadora de saberes, muitas vezes popular, e que devem ser sistematizadas pela cultura escolar, sendo incorporadas aos currículos das mais variadas áreas do conhecimento, em especial à Arte.

A música de forma geral, enquanto uma expressão cultural está presente nos diversos segmentos sociais, seja como entretenimento seja como formadora de uma consciência histórica.

Dessa forma é possível entender que no campo da arte, a discussão da idéia de que o gênero caipira deve ser trabalhado é para a compreensão de diversos temas ligados à política, à economia, à cultura e também para estimular um tipo de relação dos jovens com o passado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desse trabalho foi afirmar a importância da música caipira em trabalhos de sala de aula, na disciplina de arte. Sua relevância foi mostrar que a escola como instituição de ensino sistematizado deve apresentar em seus currículos o gênero caipira, como integrante do contexto de leitura de mundo dos educandos.

Através da revisão de literatura comprovou-se que a música caipira faz parte da história do cotidiano das pessoas, de suas memórias, seus sentimentos, seu “paraíso perdido”. Foi possível com tais leituras entender a formação do gênero caipira no Brasil, seu contexto de formação cultural rural, sua arte interiorana, suas lembranças de décadas de composições de canções que, relatam o dia a dia de indivíduos simples, e que viviam uma vida de sabores e amores experienciados no cotidiano da roça.

O trabalho foi árduo, porém recompensador pelas leituras e entendimentos de como a música caipira pode ser inserida no contexto escolar, como ela pode ser analisada pelos alunos e reconhecida como parte da cultura e memória de um povo, de um país. Nessa direção, o reconhecimento pela escola da existência de uma pluralidade na sociedade brasileira e que necessariamente inclui os elementos da cultura caipira, pode contribuir também para que os jovens alunos tenham acesso a experiências de outros grupos que compõem tal pluralidade.

A música de forma geral, enquanto uma expressão cultural está presente nos diversos segmentos sociais, seja como entretenimento seja como formadora de uma consciência histórica. Por isso que o trabalho com a música caipira deve ser entendido como resgate de memórias históricas de uma cultura e passado de geração a geração como forma de reconhecimento da história dos sujeitos.

Portanto, é preciso levar para a sala de aula as novas concepções e entendimentos sobre a relação entre a arte e a música caipira na contemporaneidade. Pode-se, assim, abordar em sala de aula a questão de que por meio das letras de músicas caipiras é possível, hoje, encontrar outras leituras do passado, criadas a partir da imaginação.

7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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WILLIANS, Raymond. Cultura e sociedade: 1780-1950. Trad. Leônidas H.B. Hegenberg et al. São Paulo, ed. Nacional, 1969.

Ilza Ribeiro Gonçalves
Enviado por Ilza Ribeiro Gonçalves em 19/05/2012
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