• Por que gostamos de determinadas musicas?

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIAS

ESCOLA DE MUSICA E ARTES CENICAS

MUSICOTERAPIA – BACHARELADO

ACADÊMICA: LÉA ANDES RUFINO VAZ

Data: 10/09/2012

LEVITIN, Daniel. A MÚSICA NO SEU CÉREBRO – Meus Favoritos. Tradução: Glória Marques. Rio de janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2010

• Por que gostamos de determinadas musicas? (pag.251 à 275)

O sistema auditivo do feto se completa cerca de vinte semanas depois da concepção. Alexandra Lamont constatou através de experimento feito com gestantes e depois com seus bebes, que o feto ouve quando ainda está no útero. O liquido amniótico é um dos fatores que auxiliam a audição, pois passam ao bebe as vibrações dos sons produzidos pela mãe, como o ritmo cardíaco, a respiração e a voz da mãe. Porém foi constatado que o feto ouve também sons externos: como ruídos, conversas e musica. A pesquisadora mostra que “um ano depois do nascimento do bebe, as crianças preferem e reconhecem as musicas que ouviram enquanto estavam no útero”.

Mais de que maneira descobrir dentre dois estímulos qual é o preferível por um bebe em estado pré-verbal? Os pesquisadores utilizaram uma técnica conhecida como procedimento provocativo de captação da atenção- desenvolvido por Robert Fantz e Peter Jusczyk. Este procedimento é realizado em um laboratório de experimentação onde dois autofalantes são instalados ao lado do bebe e quando ele olha para cada um deles, sons e musicas diferentes são emitidos de cada um. Logo o bebe aprende que pode controlar o que esta sendo tocado através do olhar. Lamont constatou que os bebes tendiam a olhar mais para os autofalantes que tocavam as musicas que eles tinham ouvido no útero, confirmando a tal experiência. Mas o grupo de bebês que não haviam sido expostos a um estímulo sonoro durante a gestação no demonstrou tal preferencia, constatando assim que nada nas musicas em si levava a preferencia, mas a relação anterior com a música enquanto estava no útero. Lamont também verificou que em condições gerais, bebes preferem músicas animadas e rápidas a musicas tristes.

Há indicações de que no caso da musica, até mesmo as experiências pre-natais ficam codificadas na memoria, podendo ser acessadas na ausência da linguagem ou da consciência explicita da memoria. Alguns estudos afirmaram que ao ouvirmos Mozart por aproximadamente 10 min. estaríamos aumentando nossas condições de raciocínio, atenção e atividade espacial imediatamente após a audição. O fato é que o estudo apresentava muitas falhas do ponto de vista científico. Fazia afirmação corretas, mais pelos motivos errados. “Parecia que a musica não precisava ser estudada por suas qualidades extrínsecas, mas apenas se ajudasse as pessoas a si sair melhor em outras funções, “mais importantes””(pag. 253). Revelou-se ao final que o problema com o estudo “a musica torna mais inteligente” era perfeitamente claro: os controles experimentais eram inadequados, pois quando os voluntários encarregados recebiam o mais leve estimulo mental- ouvir a leitura gravada de um livro, ler e etc., a audição de musica não apresentava qualquer vantagem. Outro problema era não apresentar um mecanismo plausível para que funcionasse: como poderia a audição musical melhor o desempenho espacial?

Gleen schellenberg frizou a importância de salientar os efeitos de curto e longo prazo da musica. O “efeito Mozart” referia-se a um efeito de curto prazo da musica, mas efetivamente outra pesquisa revelou os efeitos a longo prazo da atividade musical. O ato de ouvir musica alerta certos circuitos neuronais, inclusive a densidade das conexões dendriformes no córtex auditivo primário. Schaulg mostrou que a parte frontal do corpo caloso é significamente maior nos músicos, especialmente naqueles que começaram sua formação em idade prematura. A ideia de que as operações musicais tornam-se bilaterais com a intensificação do treinamento, aumentando a conexão das estruturas neuronais entre os dois hemisférios cerebrais. Também foi constatado micro-alterações, como aumento de sinapses, cerebelo de maior tamanho e com maior concentração de matéria cinzenta. Foi demonstrado que a audição de musica e a musicoterapia ajudam a superar toda uma serie de problemas psicológicos e físicos.

“Os resultados obtidos por Lamont são importantes, pois, demonstram que o cérebro do recém nascido é capaz de armazenar lembranças e recupera-las em longas extensões de tempo”. (pag. 255). Ou seja, os resultados indicam que mesmo envolto pelo liquido aminiótico e do útero, o feto, desde que esteja com seu aparelho auditivo completo (a partir das 20 semanas), alcança as mesmas experiências auditivas que uma criança que esta no ambiente externo, afetando assim o seu desenvolvimento e sua preferencia musical. Sendo a semente da preferencia musical semeada ainda no útero, deve haver algo mais que ainda não conhecemos que explique a diferença do gosto musical entre mães e filhos, caso contrario, essas crianças gravitariam em torno do gosto musical aprendido. O que sabemos é que o gosto musical é influenciado, mas não pode ser determinado pelo que ouvimos no útero. Há também um longo período de aculturação, onde a criança absorve a musica da cultura em que nasceu. Há especulações que afirma que sem o processo de aculturação, todas as crianças prefeririam as musicas ocidentais às musicas orientais. Mas o que se sabe é que todos nós temos maior conforto com a consonância (predominante na musica ocidental), à dissonância (predominante na musica oriental).

Embora saibamos um pouco sobre o mundo auditivo do bebe, o desenvolvimento do cérebro requer meses ou ate anos para chegar à plena capacidade do processamento auditivo. Os bebes reconhecem as transposições de altura e tempo, o que indicam que são capazes de processamento relacional, algo que ate os mais avançados computadores ainda não fazem muito bem. Vários pesquisadores afirmam que alguns bebês podem dar sinais de ouvido absoluto, o que indica uma habilidade cognitiva ate então desconhecida: eles podem usar modos diversos de processamento- presumivelmente mediados por diversos circuitos neuronais- em função do que seja melhor para ajuda-los a enfrentar a situação do momento.

Trchub e Dowling e outros, mostram que o contorno musical é a característica mais evidente nos bebes. Por isso canções melódicas são tão utilizadas para acalentar bebes. Cabe atentar que o contorno diz respeito ao movimento ascendente o descendente da melodia, sem atentar aos graus de ascensão. A sensibilidade do bebe para o contorno musical equivale à sensibilidade que eles possuem aos contornos linguísticos. Devido à forma diferenciada em que os pais falam com seus bebes em relação a crianças mais crescidas, com entonação e contornos exagerados (fala infantilizada).

Trchub também demonstrou que os bebes são mais capazes de codificar intervalos consonantes como a quarta e a quinta justa do que os dissonantes como o trítono. Constatou que os espaços desiguais da nossa escala facilitam o processamento dos intervalos mesmo na mais tenra infância.

Estudos feitos mostram que parece ter ocorrido uma evolução paralela do nosso cérebro e das escalas musicas que usamos, onde não é por acaso que temos uma estranha e assimétrica disposição de notas na escala maior: é mais fácil aprender melodias com essa disposição, resultante da física da produção sonora (serie harmônica), os tons que usamos em nossa escala maior são muitos próximos, na altura, daqueles que constituem as séries harmônicas.

Crianças começam a manifestar preferencia pela música de sua cultura por volta dos dois anos, mais ou menos na mesma época em que começam a desenvolver o processo especializado da fala. Inicialmente gostam de canções bem simples, temas bem definidos e progressões harmônicas que resolvam de formas diretas, clara e facilmente previsíveis. À medida que amadurecem, começam a se cansar dessas musicas buscando manifestações mais complexas. Segundo Mike Posner, os lobos frontais e o cingulado anterior não estão totalmente formados na infância o que gera a incapacidade de prestar atenção a várias coisas ao mesmo tempo; as crianças evidenciam dificuldades de reagir a um estimulo na presença de variáveis de distração, o que explica por que crianças com menos de oito anos aproximadamente apresentam dificuldades para cantar certas cantigas.

Os pesquisadores consideram a adolescência o ponto de inflexão das preferências musicais. É por volta dos dez ou onze anos que a criança passa a ter real interesse pela musica, mesmo àquelas que até então não o haviam manifestado. Na idade adulta, a música de que costumamos sentir saudades, aquela que temos como a “nossa musica” é exatamente a que costumamos ouvir nesses anos. Provavelmente não existe um limite para aquisição de novos gostos musicais, mas na maioria das pessoas ela já foi definido por volta dos 18 / 20 anos.

A neuroplasticidade é a capacidade de auto reorganização do cérebro. Embora nos últimos 5 anos ocorridos impressionantes manifestações de reorganizações cerebral que eram consideradas impossíveis, o grau que se pode verificar na maioria dos adultos é muitíssimo menor que aquele viável em adolescentes e crianças.

O equilíbrio entre simplicidade e complexidade na musica também influencia nossas preferencias. Naturalmente a complexidade é um conceito absolutamente subjetivo o que uma pessoa acha deliberadamente insípido e terrivelmente simplório, pode ser muito difícil para outra, em função de diferenças de formação, experiência, compreensão e esquemas cognitivos. Esquemas constituem o arcabouço do nosso entendimento, forma o sistema na qual situamos os elementos e interpretações de um objeto estérico eles informam nossos modelos e expectativas cognitivos. Tendemos a não gostar de uma peca demasiadamente simples, considerando-a trivial, ou por demais complexa, considerando-a imprevisível, não nos parece associada a algo familiar. A música, ou qualquer forma artística de real interesse precisa encontrar o equilíbrio entre a simplicidade e a complexidade para ser apreciada. Simplicidade e complexidade têm a ver com familiaridade, e familiaridade é simplesmente outro nome para o esquema. Quando a musica é por demais previsível, quando o resultado é muito garantido e a “jogada” de uma nota musical ou acorde não apresente qualquer elemento surpresa, achamos a musica simplista e nada interessante.

Enquanto a musica é ouvida o cérebro processa quais são as diferentes possibilidades quanto à nota seguinte, e como a musica seguirá, sua trajetória, a direção em que esta voltada e o ponto onde terminará. O compositor precisa nos atrair para um ponto de confiança e segurança, onde nos proporcionará um numero pequenos de recompensas, realizações de expectativas, para assim termos uma sensação de localização e ordem.

Alguns compositores apresentam em suas obras estruturas que exigem de um “ouvinte novato” uma curva de aprendizado íngreme, isso dificulta a certeza de que valerá apena o esforço para investir no novo aprendizado. Pode-se ouvir milhares de vezes que Schoenberg era brilhante, mais se não conseguir entender oque acontece no primeiro minuto de uma das suas pecas, acabara se pergunta se o resultado compensará o esforço feito para chegar lá. E a sua reação será a zona de saída, simplesmente pular para próxima faixa do Cd na expectativa de entender o que vai ocorrer na próxima musica. A tentativa de entender e apreciar novas músicas, é próxima a experiência de fazer novas amizades, na medida em que leva tempo, e que nada podemos fazer para acelerar o processo. À nível neural, precisamos ser capazes de encontrar alguns marcos para invocar o esquema cognitivo. O processamento estrutural é uma fonte de dificuldade para entendermos uma nova peca musical. Não entender a forma- sinfônica, forma-sonata, ou a estrutura AABA de um padrão jazzístico é o equivalente na audição musical, a dirigir numa autoestrada sem sinalização, nunca sabemos onde estamos, nem quando chegaremos ao destino.

Cada gênero musical tem suas regras e suas formas, quanto mais ouvimos, mais a regras impregnam na memoria. Quando não há familiaridade com a estrutura, pode decorrer frustação ou simplesmente falta da real apreciação. Conhecer um gênero ou um estilo significa ter efetivamente uma categoria construída ao seu redor e ser capaz de distinguir novas canções como membros dessa categoria ou alheias a ela.

A altura pode influenciar a preferencia, alguns não suporta os batidões do hip hop, outros não aguentam os gemidos agudos de um violino. A questão pode ser, em certa medida, de fundo fisiológico. Ouvidos diferentes podem literalmente, podem transmitir partes diferentes do espectro de frequência, fazendo com que certos sons pareçam agradáveis, e outros, repugnantes. Também podem ocorrer associações psicológicas positivas ou negativas com diferentes instrumentos. O ritmo e padrões também influenciam nossa capacidade de apreciar determinado gênero ou peca. Assim como o timbre, muitas vezes temos reações estranhas a ele, mais acabamos por nos familiarizar.

Assim como as demais preferencias, as musicais são influenciadas pelo o que já vivemos, pelas experiências tidas anteriormente, e pelos resultados dessas experiências terem sido positivas ou negativas. Os tipos de sons, ritmos, texturas musicais que consideramos agradáveis geralmente são extensões de experiências musicais positivas que tivemos anteriormente. A segurança é um fator levado em conta por muito de nós nas escolhas musicais. Em certa medida nos rendemos à musica ao ouvi-la, decidimos confiar no compositor e músicos, deixamos que a musica nos leve para algum lugar fora de nós mesmos. Mesmo quando não nos transporta à um lugar de transcendência emocional, ela pode alterar nosso estado de espírito. É compreensível assim que lutemos em baixar a guarda, em desarmar nossas defesas emocionais.

As preferencias começam com as experiências, e cada um de nós tem o seu quociente de “disposição para o risco”. Ou seja, uma disposição para a entrega, para a vulnerabilidade emocional, no que diz respeito ao grau da zona de afastamento da zona de segurança musical a que aceite expor. As preferencias musicais tem também um forte componente social, baseado em nosso conhecimento do cantor ou musico, naquilo que é apreciado por nossa família, amigos assim como no que a musica representa.

Myrror
Enviado por Myrror em 15/09/2012
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