COISA DE BAIANO

Recentemente, um dos mais eloquentes exemplos de que o garimpo de talentos é fundamental em toda ação social veio, exatamente, da Bahia, onde aliás decidi instalar em 2009 a Oficina de Talentos (não é ONG), que na verdade é uma usina produtora de toda e qualquer manifestação artística, com ênfase para a música. Só exijo disciplina e personalidade. O resto é por minha conta.

Esse exemplo ao qual me refiro é de Salvador, de onde embarcou para a Europa a Orquestra Sinfônica Juvenil da Bahia – OSJB – dirigida e regida pelo pianista e maestro Ricardo Castro, cuja carreira acompanho há anos com muita admiração. Os jovens talentos estão na Alemanha, onde abriram em Berlim a 11ª edição do Young Euro Classics, com ingressos esgotados desde abril. A orquestra é uma das pérolas do NEOJIBA (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia), projeto do governo baiano inspirado no famoso “El Sistema”, da Venezuela. O mais importante nesse projeto é a oportunidade que cria para jovens talentosos das comunidades carentes, agregando um fator social ao interesse musical. No país de Hugo Chaves (mas não necessariamente na sua gestão), “El Sistema” resultou na Orquestra Juvenil Simón Bolivar que recentemente encantou o Rio de Janeiro em memorável concerto, com o maestro Gustavo Dudamel , egresso do mesmo projeto e hoje regente titular da Orquestra Filarmônica de Los Angeles, nos Estados Unidos.

O conceituado jornal “Sunday Times”, de Londres, classificou os jovens instrumentistas baianos de “o orgulho do Brasil” após a apresentação da orquestra na capital inglesa no diálogo com um fenômeno pianístico chinês, Lang Lang.

Antes de retornar à Bahia, os meninos ainda tocarão em Genebra, no “Victoria Hall”, na programação do “Musiques em été”.

E foi também um talentoso violista baiano de 22 anos, Allan Resedá, o indicado para símbolo do Festival na Alemanha e de alcance mundial, ilustrando a campanha de divulgação do evento. O rosto de um talentoso baiano nas principais capitais do mundo.

Pela primeira vez, o Brasil recebeu convite para participar, cabendo esse pioneirismo aos instrumentistas baianos da Orquestra Sinfônica Juvenil. De onde? Da Bahia. Tocando o que? Peças de Chopin, Liszt, Villa-Lobos e, dentre outros gênios, o compositor contemporâneo baiano, Wellington Gomes, que adiciona toques da rica e farta percussão morena à música orquestral. Aliás, o mix do repertório clássico tradicional com a música contemporânea e regional é a característica do “Young Euro Classics”, aberto pelo escancarado e ensolarado brilho baiano do talento dos nossos brilhantes meninos. Meninos baianos.

Exemplos assim me estimulam a continuar dando palestras e escrevendo sobre motivação, criatividade, responsabilidade política de ação e direção social, força interior, solidariedade, excelência na aplicação dos talentos eficazmente desenvolvidos, atitude positiva e exemplar de quem tem o poder de melhorar o baiano para a Bahia, e não simplesmente preparar um Estado para o baiano que ainda está para nascer. Em todos os meus artigos – que são, sim, do interesse da coletividade - está a experiência de uma pessoa que não admite o desperdício do talento, que não se conforma em ver os jovens a deriva esperando que o futuro venha a eles como o respingo fecal de algum urubu errante.

Quando algo sai errado por aqui ou se um fato provoca reações de estranheza, costuma-se dizer: “é coisa de baiano”. Nada pode ser mais injusto que isso, servindo como prova os aplausos da nata europeia aos nossos infantes baianos, da mesma forma que servem como prova as manifestações de talento com as quais esbarro a todo momento em minhas intermináveis andanças não apenas na Bahia, mas concentradamente nela. A questão é que o poder está mais preocupado em melhorar a Bahia para os turistas, quando devia estar focado em melhorar o baiano para ambos. Passo a passo, compreendido ou não, apoiado ou não, faço a minha parte. Os pessimistas que vão comer caranguejos, enquanto existirem é claro. No mesmo tempo em que os negativistas trituram com raros dentes as peludas perninhas do nojento crustáceo, os jovens baianos talentosos e como tal prestigiados se deliciam com suculentos salmões nos melhores restaurantes do mundo. E revelam uma Bahia que todos desejam, mas que poucos ajudam a alcançar porque não alcançam nem a si mesmos.

FERNANDO VOLPI
Enviado por FERNANDO VOLPI em 04/11/2012
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