A Trilha Sonora de Skyrim, Uma Obra-prima

Não é de hoje que se observa a crescente qualidade nas trilhas sonoras de jogos eletrônicos. Vasculhando os anos dourados, encontramos temas eternizados na cultura pop: Top Gun, Super Mario World, Golden Axe, Zelda, Final Fantasy e tantos outros. No entanto, pensando em evolução técnica, esse aspecto unidimensional das trilhas tornou-se limitado. Atualmente, a recorrente densidade e complexidade dramática presente nos roteiros dos títulos mais aclamados, vem demandando não apenas sofisticadas tecnologias de captação de movimentos ou sistemas mais imersivos de jogabilidade, mas também uma Soundtrack à altura. Eternizar a identidade sonora, hoje, é incluir peças que desenham personagens, dramas ou batalhas, tudo para entregar uma experiência cada vez mais genuína.

E neste post, falarei da obra musical presente no jogo The Elder Scrolls V: Skyrim (2011), título desenvolvido pela Bathesda Game Studios.

A tarefa de compor a trilha sonora deste quinto episódio foi destinada ao experiente conhecedor de mundos fantásticos: Jeremy Soule, o mesmo compositor dos dois antecessores de Skyrim - Morrowind e Oblivion. À qualquer perspectiva preguiçosa, a criatividade de Soule poderia ser taxada como calejada para com o mundo de Tamriel, levando-o a entregar mais do mesmo - Não indo além dos pontos-seguros. De fato, e é meu dever salientar isso, há semelhanças rítmicas e estruturais claras com os trabalhos anteriores. Porém, tão claras quanto as semelhanças é a qualidade e, porque não, a originalidade de Skyrim.

E é sobre elas que vocês vão ler.

The Elder Scrolls V: Skyrim é um RPG medieval de proporções épicas, situado num mundo fantástico repleto de dragões, dungeons, magias e neve. Essas características geralmente tentam o senso comum a investir numa trilha focada em percussões fortes e dilaceradoras, progressões arrepiantes e um ritmo mais acelerado - Confira o álbum Archangel do estúdio Two Steps From Hell para ter uma noção. Jeremy Soule, no entanto, é hábil em dar solenidade e delicadeza às suas obras. Ele trabalha com maestria no arranjo de notas suaves, principalmente com instrumentos de cordas e sopro, construindo uma melancolia deliciosa aos ouvidos e nostalgia. Obviamente, existem faixas épicas dignas de batalhas Tolkienianas durante a trilha, que funcionam, ao meu ponto de vista, como uma a catarse do autor e do próprio mundo retratado. Mundo este vasto e aberto para o jogador explorar, cada vila, montanha e caverna. A contribuição de Jeremy, então, à tal experiência foi oferecer profundidade, camadas, para Skyrim - Através de sua música com um estilo capaz de fagulhar sentimentos. Certamente, é o que este autor faz de melhor.

Ao todo, são 53 músicas divididas em quatro CDs/Álbuns e sendo o 4º deles detentor de uma única faixa especial chamada "Skyrim Atmospheres" - Onde é possível ter uma experiência sonora totalmente fiel ao mundo de Skyrim, e isto inclui soundeffects e até uma progressão (como se você estivesse caminhando pelo cenário) quase imperceptível, tudo durante 42 minutos de duração. Quanto às demais faixas, há um festival de obras memoráveis que são provas do culto à esta trilha. É claro que eu tenho o poder em meus dedos de tornar este Post entediante caso me aprofunde em TODAS as músicas. Não farei tal tolice. Me limitarei à citações para aquelas faixas que se destacaram na minha opinião, comentando brevemente as características delas.

"Believe, believe. The Dragonborn comes."

1. Dragonborn - A música tema do jogo. Jeremy Soule recicla a melodia base de Nerevar Rising (Morrowind) e Reign of the Septims (Oblivion) e adiciona algumas características novas para montar uma faixa grandiosa. Enquanto suas irmãs não possuíam um coro, Dragonborn não só traz vozes ressoantes, e predominantemente masculinas, como uma letra em língua draconiana, que fala sobre aqueles que podem absorver as almas de Dragões; Enquanto em Morrowind, o tom era de aventura e Oblivion, de dramaticidade, Skyrim traja-se de um teor épico potencializado pela saliência às percussões e progressões soberbas. No final do CD Nº 3 há uma variação desta faixa chamada Sovngarde que possui um arranjo mais rústico constituído de percussão e coral, basicamente. Eu, Matheus, prefiro a variação, mas é inegável a qualidade orquestral de Dragonborn. Uma forma digna de convite para embarcar numa aventura, com certeza.

2. Awake - Uma das faixas introdutórias ao mundo de Skyrim, Awake é competente em nos fascinar pelo seu tom atmosférico e gentil. Mas vale lembrar que esta música é uma ponte entre Dragonborn e From Past To Present - No começo é possível ouvir alguns esporádicos sons de tambores ao fundo, os mesmos presentes no tema, casados com a melodia contemplativa formada por violinos, carrilhão e a sempre recorrente trompa.

3. Dragonsreach - No alto de Whiterun, atingindo as nuvens, encontra-se este local que um dia aprisionou um dragão. Nesta faixa, Jeremy optou pelo uso de um coral de vozes profundas seguindo as notas instrumentais. Elas são complementadas por suaves acordes de violino que progridem em 2º plano, formando uma homogeneidade tão interessante quanto os mistérios que Dragonsreach detém.

4. Under an Acient Sun - Este é um bom exemplo da serenidade recorrente nesta trilha sonora. Aqui, uma progressão suave se estende por toda a música, que periodicamente se intensifica com graves ao fundo, gerando uma ansiedade inconsciente por algum estouro rítmico. Porém, o tom pacífico se mantém firme, fazendo-a cumprir sua missão nos momentos em que ocorre - O vislumbre elevado de um horizonte montanhoso, por exemplo.

5. Steel on Stell - O Dovahkiin está a explorar um calabouço que forja de seu silêncio e penumbra perigos incertos. De repente, cordas de violinos são arranhadas euforicamente e tambores, súditos à marteladas, ecoam através do ambiente. Basta 1 minuto e 45 segundos para Soule produzir uma peça épica que sustenta, com facilidade, a ação presente em certas batalhas durante o jogo.

6. Far Horizons - As notas de trompa nesta faixa são competentes em desenhar a vasta profundidade nos horizontes de Skyrim. Não saberia deduzir com exatidão se há uma camada de coral feminino conduzindo as progressões ou apenas instrumentos imitando vozes humanas para enfatizar a beleza rítmica do arranjo geral. A música não oferece variações expressivas, mas possui uma "ponte" limpa e belíssima de flautas (corrijam-me se eu estiver errado). E mais uma vez ressalto o uso de trompa aqui, é o que faz esta música ser um dos grandes highlights de toda a trilha.

7. One They Fear - É chegada a hora, guerreiro, a hora de matar o seu primeiro dragão. A base desta música reside na canção tema, Dragonborn, mas as camadas adicionadas, como notas aceleradas, instrumentos de sopro e percussão pulsantes, conferem uma roupagem inédita, alimentando a ousadia de destemer o fogo draconiano. Para o final, o autor recolhe o tom épico e retoma a serenidade, com a intenção de aumentar a carga dramática a cerca do desafio superado.

8. A Chance Meeting - Com uso de flautas e percussão em notas simples num arranjo bastante artesanal, temos aqui uma das músicas com maior característica medieval de toda a trilha - também vale citar as faixas Around the Fire, The Bannered Mare e Out of the Cold, sendo estas últimas um brilhante trabalho de cordas do autor. Tocada regularmente em Tavernas, é o tipo de som que gostaríamos de ouvir enquanto nos aquecemos ao redor de uma fogueira. Nota-se, aliás, apesar do caráter medieval, uma semelhança sonora com as músicas de povos nativos americanos. Jeremy Soule nasceu numa cidade do estado de Iowa chamada Keokuk, nome de um antigo chefe da tribo Sauk que guerreou ao lado dos americanos. Enfim, escolho acreditar que esta música é o resultado, e homenagem, do autor ao ambiente de onde ele veio.

9. Blood and Steel - A percussão pulsante casada com o coral agudo transpassam uma tensão barulhenta e interessante. Na segunda parte, quando o ritmo dos tambores acelera e a solenidade da trompa substitui os vocais é possível perder o fôlego e nos trinta segundos finais, a serenidade de Jeremy reaparece para você recuperá-lo.

10. The Gathering Storm - Há um aspecto sedutor na tristeza de Skyrim. O mundo parece tão vazio, frio, inóspito e ao mesmo tempo tão vivo, rico e dono de uma beleza irresistível. As músicas em Skyrim são atmosféricas, elas parecem falar mais sobre os lugares do que sobre personagens ou dramas. Talvez a ausência de temas direcionados para personagens possa conferir uma faceta enjoada e desinteressante neles, temo admitir. Mas The Gathering Storm tem tanta versatilidade dramática que funciona à qualquer âmbito narrativo, abraçando coisas que vão além até mesmo de seu próprio jogo.

11. The Streets of Whiterun - Nesta, Jeremy constrói um delicado trabalho de piano ornado com tristes acordes de instrumentos de cordas. Feita para apreciar as belezas de Skyrim, o arranjo foca em camadas sutis e deixa de lado as variações na melodia, pois as notas se repetem por quase toda a extensão da faixa. Isso ajuda na hipnose que nos é provocada quando saboreamos este encanto em jogo. Não é nada fácil querer descrever esta música, é talvez a obra mais honrosa de toda a trilha. Ouça-a e sinta-a, apenas.

12. Journey's End - O lamento emitido pelas notas remetem Nostalgia, anunciam o fim da jornada e a contemplação da angústia por não conseguir voltar para o passado. É engraçado observar como Jeremy é capaz de tratar com total beleza os sentimentos mais tristes e conseguir transformar isso em peças quase palpáveis ao ouvinte. Experimentar esta química durante o jogo é perceber que Skyrim tem níveis de sonoridade, além dos soundeffects, que são vívidos, que complementam a magia deste mundo. E se eu não vigiar, filosofarei ainda mais sobre Journey's End, embora o meu foco seja destacar os méritos do áudio na imersão visual como experiência de entretenimento. Repito, ouça-a e sinta-a.

Não é exagero dizer que a trilha sonora de Skyrim é um componente importante para a singularidade que é jogar este game. Importante, porém não o principal, pois de nada serve uma trilha memorável se o jogo não se esforça em fazer o mesmo. Mas sem me perder em minhas frases, o que estou tentando dizer com o post é que este trabalho é o marco da competência de um autor experiente e merecedor de mais atenção. A relevância que as músicas de Soule alcançaram na cultura pop, em especial na cultura de mundos fantásticos, é digna de aplausos. Como ilustradores que enxergam tais mundos e dão forma gráfica a eles (Alan Lee e Ted Nasmith, por exemplo), Jeremy dá sonoridade e, porque não (de novo), o que eles mais necessitam para serem únicos: Magia.

Segundo o Wikipedia, The Elder Scrolls V: Skyrim's Soundtrack ganhou 4 prêmios e 4 nomeações em 2012.

Menções honrosas:

- Standing Stones - Acredito que Jeremy admira o trabalho do compositor Jon Brion ao ponto de referenciá-lo, nos últimos 50 segundos, com os mesmos acordes que introduzem a música Stanley-Frank-Linda's Breakdown do filme Magnolia, compare as duas obras e veja como é gritante a semelhança;

- The Jerall Mountains - Obra com notas praticamente idênticas a Silt Sunrise de Morrowind;

- Masser - Mais um primoroso trabalho de vocal como base rítmica.

- Dawn;

- Death or Sovngarde;

- Shattered Shields;

- Aurora;

Outros Trabalhos Relevantes de Jeremy Soule:

- Icewind Dale (2000);

- The Elder Scrolls III: Morrowind (2002);

- The Elder Scrolls IV: Oblivion (2006);

- Guild Wars 2 (2012).

N.T.: Para os interessados em Análises de trilhas sonoras de jogos eletrônicos, recomendo o site GSoundtracks (em inglês) - Uma de minhas principais fontes para montar este texto.

Post retirado do meu blog. Caso queira conhecê-lo, fique a vontade:

"Mãe, quero ser cineasta!"

Um forte abraço

E ouça mais trilhas sonoras.

Matheus F Machado
Enviado por Matheus F Machado em 07/05/2015
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