A FUGA DE VANDRÉ

Na noite da sexta feira treze de dezembro, no instante em que o Brasil tomava conhecimento da edição do AI-5, o cantor e compositor paraibano Geraldo Vandré fazia o último show artístico de sua carreira, na cidade goiana de Anápolis.

Sua próxima apresentação estava agendada para o dia seguinte, às vinte e uma horas no Iate Clube de Brasília, conforme noticiou o Correio de Braziliense, na mesma edição em que anunciava o AI-5. Teve que ser cancelada. Terminado o show, Vandré e os músicos que o acompanhavam, participaram de uma festa na casa de um amigo em Anápolis, onde ficaram até às quatro horas da manhã, quando soube da notícia que transformava o Brasil numa ditadura oficializada. Seu empresário lhe deu ciência do que estava ocorrendo, inclusive prevenindo-o de que sua residência no Rio de Janeiro já teria sido invadida pela polícia que estava a sua procura para capturá-lo. Vandré era considerado inimigo da “Revolução”.

Nosso conterrâneo entrou em pânico. Montaram então a estratégia de fuga. Impossível sua ida para Brasília porque lá seria preso, já que se sabia da sua apresentação, à noite, naquela cidade. O mais correto seria viajar num veículo desconhecido até São Paulo, por estradas menores, evitando as rodovias estaduais e federais. E assim foi feito. Nessa mesma madrugada, num veículo Impala, ele, Geraldo Azevedo, Naná Vasconcelos e Franklin da Flauta realizaram uma tensa e incômoda viagem que durou praticamente o dia inteiro.

Conta Geraldo Azevedo que Vandré, assustado, não queria descer do carro nem para se alimentar. Em determinado momento, quando pararam numa pequena cidade do interior paulista para abastecerem o veículo, o cantor teria manifestado o desejo de “ficar no mato e fazer guerrilha”. Contido pelos companheiros de viagem, deu sequencia à rota programada e ao chegarem a São Paulo, decidiram encaminhá-lo para o Rio de Janeiro, onde se escondeu na casa de Aracy Guimarães,viúva do escritor Guimarães Rosa. Lá permaneceu até fevereiro de 1969. Quando conseguiu fugir para o Chile com um passaporte falso.

Ferreira Gullar, anos depois, confessa que foi o Partido Comunista quem organizou o plano de saída dele do Brasil. Conseguiu atravessar a fronteira e só voltaria ao Brasil em 1973. Antes de sair do país, compôs, em parceria com Geraldo Azevedo, a música “Canção da despedida”. No entanto, jamais gravada por ele. Para que Elba Ramalho a gravasse, em fins da década de setenta, foi obrigada a tirar seu nome dos créditos de composição.

A noite do AI-5 marcou, portanto, não só o início do mais sombrio período da nossa história, como também a “morte” artística de Geraldo Vandré. Desde então, os palcos brasileiros ficaram sem a presença do seu talento.

• Do livro “1968 – O GRITO DE UMA GERAÇÃO”.

Rui Leitão
Enviado por Rui Leitão em 20/12/2017
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