EVANGÉLICOS ELEITOS - O RECADO DOS CRENTES

Apesar dos maus exemplos de muitos crentes no poder, representação política da Igreja Evangélica ganhou força nas últimas eleições municipais

Já virou lugar-comum criticar a participação dos evangélicos na política partidária. E, diga-se de passagem, a julgar por muitos parlamentares e governantes que se elegem “em nome de Jesus” e depois se deixam engolfar pela vala comum da improbidade, as críticas são mais que merecidas. Mas alguns crentes que ocupam cargos públicos têm sido bem avaliados, não apenas pelos irmãos na fé, como também por parte dos eleitores em geral. Senão, como explicar o fato de que, nas últimas eleições municipais, três prefeitos evangélicos conquistaram nas urnas o direito de permanecer administrando seus municípios? Pois Iris Rezende (PMDB), prefeito de Goiânia (GO); João Henrique Carneiro (PMDB), de Salvador, na Bahia; e Duciomar Costa (PT), em Belém (PA), são evangélicos que conquistaram, em outubro, o segundo mandato. Com um percentual cada vez maior de eleitores evangélicos – já capaz de decidir eleições –, eles sabem que manter uma conduta política em consonância com a fé que professam é fundamental para conquistar votos nas igrejas.

Em Salvador, as eleições apresentaram um fato um tanto quanto inusitado, mas que rendeu bons frutos aos vencedores. Na capital dos orixás – estima-se que haja mais de mil terreiros de candomblé só na capital baiana –, prefeito e vice têm credos bem distintos, para não dizer antagônicos. Enquanto João Henrique é membro da Igreja Batista da Graça, seu sucessor imediato, Evaldo Brito, é candomblecista, filho de Ogum e freqüentador do Gantois, um dos mais tradicionais centros de cultos afro-brasileiros do país. Para se reeleger, o candidato do PMDB passou por muitos percalços junto aos candomblecistas, incluindo uma batalha jurídica relativa à tributação do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), que antes de sua gestão não era cobrado dos terreiros. Contudo, apesar da discordância espiritual, quando o assunto é administração pública, a dupla esforça-se para falar a mesma língua. E quem ganha é a população da chamada “terra de todos os santos”.

Em outras capitais importantes como Curitiba, Recife, Manaus e Porto Alegre, os evangélicos também parecem ter aprovado a eleição dos respectivos prefeitos. Na capital paranaense, Beto Richa, que contou com o apoio da maioria dos jovens – por lá, criou-se até um grupo intitulado Juventude por um Ideal, presidido por seu filho Marcello Richa, para defender sua reeleição –, assumiu, como promessa de campanha, a criação da Coordenadoria e Ouvidoria Evangélica. Valdemir Manoel Soares, vereador e pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, foi um dos muitos líderes religiosos que manifestaram seu apoio ao tucano. “Ele demonstra no seu dia-a-dia que respeita os evangélicos, e anunciou que sua administração será próxima das igrejas”, aposta o pastor.

No Recife, durante sua campanha, o petista João da Costa destacou a importância dos evangélicos para a melhoria da capital pernambucana. “Hoje o povo evangélico cumpre um papel muito importante, pelo trabalho ministerial, espiritual e também social junto às comunidades”, elogia. Ele prometeu ainda dar continuidade ao trabalho que vinha sendo realizado pelo seu antecessor, mantendo uma boa relação com todas as religiões. Trocas de elogios e promessas também caracterizam a campanha política de Amazonino Mendes em Manaus (AM) e de José Fogaça, em Porto Alegre. Aliás, na capital gaúcha o tucano reeleito, embora não seja convertido ao Evangelho, chegou até a participar de alguns cultos. Não por menos, Eliseu Santos, que foi eleito seu vice mas desempenhará a função de Secretário Municipal da Saúde, é ministro evangélico da Assembléia de Deus e garante que os porto-alegrenses podem esperar uma administração tão boa quanto a do mandato anterior. “Em relação às igrejas, continuará havendo consideração, liberdade e também serão mantidas as reuniões de oração das terças-feiras, que já se realizam há quatro anos no meu gabinete”, promete.

Piedade ou oportunismo? – Todavia, a mesma harmonia vivida entre evangélicos e políticos em algumas capitais está longe de existir em Fortaleza (CE) – a segunda cidade mais populosa do Nordeste a e quinta do país. Lá, além dos problemas que se acumulam – alta taxa de desemprego, falta de moradia e saneamento básico e favelização, além de todos os transtornos característicos dos grandes centros urbanos –, a petista Luizianne Lins, reeleita, terá ainda que enfrentar a fúria dos evangélicos. É que ela comprou uma briga ferrenha com o bispo Shelley Macedo da Costa, presidente da Convenção dos Ministros das Assembléias de Deus Unidas do Ceará (Comaduec), que promoveu uma campanha contra a reeleição da candidata devido ao veto à disponibilização, por parte da prefeitura, de bíblias nas escolas municipais. Em entrevista antes das eleições, Luizianne, que se diz ecumênica, chegou a chamar o religioso de impostor e fez questão de lembrar que ele responde a mais de 30 processos. “Acredito que Deus seja o primeiro a querer desmascarar o bispo”, fuzilou. Indignado, o religioso entrou com um processo de calúnia contra a prefeita. A briga promete render.

Historicamente, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais sempre desempenharam grande influência na política do país. As capitais dos três estados mais ricos da Federação são como “jóias da coroa” que qualquer político almeja, já que costumam servir de trampolim rumo a vôos eleitorais mais altos – dependendo é claro, de um bom desempenho como administrador público e da habilidade na costura de alianças partidárias. Na maior cidade brasileira, Gilberto Kassab (DEM), que era um obscuro vice-prefeito de José Serra, de quem herdou a prefeitura em 2006, conquistou a reeleição com uma folgada margem de 60% dos votos, desbancando a petista e ex-prefeita Marta Suplicy. Ao término do primeiro turno, pesquisas realizadas pelos mais diversos institutos já apontavam a vitória do democrata. O Datafolha apurou que 57% dos evangélicos – entre pentecostais e tradicionais – votariam pela reeleição de Kassab, números que se traduziram nas urnas no segundo turno.

Ciente da importância do apoio dos crentes, Kassab não perdeu tempo e, durante a campanha, participou de vários eventos e compromissos envolvendo pastores e líderes ministeriais, como a abertura da Expocristã, feira destinada ao lojista e consumidor cristão, realizada anualmente em São Paulo. O comprometimento do político com os evangélicos chegou a um ponto em que, num culto realizado no mês de setembro na Igreja Comunhão Plena, o então candidato teria se ajoelhado e pedido perdão a Deus pelos pecados cometidos, e ainda prometeu uma celebração de ação de graças caso fosse reeleito. Se ele realmente se converteu ou se o gesto não passou de uma estratégia política, somente o tempo poderá dizer.

Na capital mineira, a comunidade evangélica também foi muito focada durante a campanha, principalmente em virtude do candidato derrotado, Leonardo Quintão, ser cristão declarado – e, segundo seu rival reeleito Márcio Lacerda, usar do subterfúgio religioso para ludibriar os crentes. Segundo ele, que afirmou em campanha não temer qualquer tipo de rejeição por parte dos eleitores do adversário, a religião é necessária para a vida em comunidade, mas não pode ser usada como manobra para a conquista do poder político.

Temas polêmicos – No início da campanha eleitoral para a prefeitura do Rio de Janeiro, a capital com a maior porcentagem de crentes – cerca de 20% da população carioca se declaram seguidores do Evangelho – e o segundo maior colégio eleitoral do país, a projeção era que o senador Marcelo Crivella (PRB), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, chegasse ao segundo turno. Contudo, a rejeição que a igreja liderada por Edir Macedo provoca em boa parte da sociedade e a arrancada do verde Fernando Gabeira liquidaram as intenções eleitorais do religioso. Já no segundo turno, que se configurou na mais acirrada disputa eleitoral da história da cidade, Gabeira sucumbiu diante do peemedebista Eduardo Paes por margem mínima – menos de 2% dos votos, cerca de 50 mil. Pesaram contra Gabeira insinuações de que, caso eleito, o deputado federal do PV liberaria o casamento gay, o aborto e o uso de maconha – evidentes despropósitos, já que não cabe a um prefeito decidir sobre esses temas. Mas o discurso alarmista teve eco em muitas igrejas e a vitória foi mesmo de Paes.

Aliás, a eleição no Rio, como sempre, foi marcada por fatos insólitos. Um deles foi a suposta briga, maximizada por boa parte da imprensa, entre Gabeira e a candidata a vereadora pelo PSDB Lúcia Helena Amaral Pinto, a Lucinha. O candidato do PV teria menosprezado a vereadora, que concorria ao quarto mandato consecutivo, por sua origem suburbana. Logo no início da campanha pelo segundo turno, Gabeira e Lucinha fizeram questão de esclarecer o ocorrido, mas o PMDB usou o fato contra o candidato do PV. “Gabeira sempre foi meu candidato a prefeito e surpreendeu os cariocas com sua maneira ética de conduzir a campanha”, elogia. Outro episódio que pesou muito no resultado foi o fato de o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, correligionário de Paes, ter antecipado o feriado do funcionalismo público para a segunda-feira imediatamente posterior ao domingo das eleições. Com a manobra, Cabral aumentou consideravelmente o índice de abstenção de eleitores, que preferiram aproveitar o feriadão a comparecer às urnas. Desgastado com os funcionários públicos, o governador sabia que a categoria votaria maciçamente em Gabeira. Pelo que se viu, o ardil foi bem sucedido.

Câmaras mais crentes

Médico e pastor da Igreja Comunidade da Graça na Vila Carrão, zona leste de São Paulo, Carlos Bezerra Jr (veja entrevista nesta edição) está prestes a assumir seu terceiro mandato na Câmara Municipal de São Paulo, e com números para lá de expressivos. Os mais de 50 mil votos fizeram do vereador do PSDB o evangélico mais votado do país – levando-se em conta, é claro, o tamanho do eleitorado da capital paulista. Quem também se deu muito bem na eleição municipal de São Paulo foi a evangélica Marta Maria Freire da Costa – ou simplesmente Marta Costa, filha do pastor José Wellington Bezerra da Costa, presidente da Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil (CGADB). A assembleiana, eleita pelo DEM, se mostra entusiasmada com a continuidade do trabalho que vem sendo realizado pelo prefeito e correligionário Gilberto Kassab e acredita em boas perspectivas para os evangélicos que residem na cidade. “O prefeito é uma pessoa que respeita, acima de tudo, os princípios e os ideais cristãos. Não tenho dúvida alguma que, com sua reeleição, a comunidade evangélica tem muito a progredir, principalmente no que diz respeito a uma população mais unida”, afirma.

Outros crentes que vão compor a bancada evangélica paulistana na legislatura 2009-2012 são os cantores Marcelo Aguiar e Noemi Nonato; o bispo Atílio Francisco, da Iurd; Carlos Apolinário, empresário e candidato ao governo do Estado nas últimas eleições; além da médica Sandra Tadeu. Mesmo que sejam de denominações diferentes e tenham opiniões distintas em relação à política, o que parece ser unanimidade entre os eleitos é a possibilidade da comunhão entre a fé e a política: “Apesar de terem características peculiares, política e religião podem ser trabalhadas em conjunto, o que não quer dizer um emaranhado sem definição própria. Ambas as áreas devem ser respeitadas e o respeito mantido, de maneira humana e cristã”, opina Marta Costa.

Força evangélica – Faz coro à opinião o vereador Edivaldo Holanda Junior, de São Luis (MA) “É uma mistura perigosa e não é correto. Mas, como ciência e fé, política e religião não são antagônicas. Pelo contrário, os cristãos devem ser conscientes e politizados, participando sempre do processo político como pessoas engajadas e comprometidas com a sociedade”, salienta, lembrando que seus eleitores não são, essencialmente, evangélicos. “O voto não tem cor religiosa; tenho uma relação muito forte com a comunidade em geral”, garante.

Membro da Igreja Batista Central, Edivaldo foi o único vereador eleito em São Luis a ultrapassar a marca dos 10 mil votos – ou 2,16% dos votos válidos, percentual alto para o cargo. Além da experiência do mandato anterior, o político, de 29 anos, parece seguir os passos já trilhados pelo pai – o cantor gospel e atualmente deputado estadual Edivaldo Holanda. “Somos complemento um do outro. Meu pai faz um ótimo trabalho na Assembléia Legislativa e tem dado uma grande contribuição para o Maranhão. Sem dúvida, sua participação foi fundamental na minha campanha”, reconhece.

A força do voto evangélico também se fez sentir, nestas eleições, na capital acreana, Rio Branco. Lá, três das 13 cadeiras da Câmara Municipal foram abocanhadas por candidatos crentes. Um deles, Jessé Santiago levou 2,4% dos votos válidos e se tornou o vereador mais votado do Acre. Ele terá a companhia dos irmãos na fé Astério Moreira e Luiz Anute.

Por sua vez, os curitibanos elegeram quatro crentes para a Câmara, que tem 38 cadeiras. Além do pastor Valdemir Soares, que vai para o terceiro mandato como o segundo mais votado da cidade, elegeram-se também a cantora Mara Lima, que faz parte da Assembléia de Deus, assim como Noemia Rocha; e o adventista Dirceu Moreira. Para Soares, o aumento da bancada evangélica reflete a força que a Igreja tem na capital paranaense.

Fonte: Revista Eclésia - Edição 129

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José Donizetti Morbidelli
Enviado por José Donizetti Morbidelli em 02/12/2008
Reeditado em 14/05/2010
Código do texto: T1315077
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