O Presidente da República pode alterar a alíquota do IOF?

Após sofrer uma derrota no Congresso Nacional, com o fim da CPMF, o governo federal se viu em meio a um enorme problema. A CPMF representava uma enorme parcela da receita tributária da União e, não mais que de repente, desapareceu. O que fazer? "Precisamos compensar essa perda!"-pensou o governo. Voltar com a CPMF através de uma lei não seria possível, pois o Legislativo, principalmente o Senado Federal, pressionado pela opinião pública e pensando nos futuros votos, já havia se manifestado contra.

Então alguém teve a brilhante idéia de compensar essa perda aumentando um outro imposto. Mas teria um problema. O princípio de Legalidade no Direito Tributário diz que todo tributo só pode ser criado ou majorado através de lei.

E agora? O que fazer? Não tem problema. Como tudo nessa vida tem exceção, o princípio da Legalidade também tem. O artigo 153 da Constituição Federal, no seu parágrafo 1º, permite que alguns impostos possam ter suas alíquotas alteradas pelo Poder Executivo, sem necessidade de lei. Pronto! Encontrada a brecha que o governo precisava! O Presidente então editou o Decreto 6339 de 2008 e aumentou a alíquota do IOF, compensando a perda.

Agora, voltando à pergunta título desse artigo:

O Presidente da República pode alterar a alíquota do IOF?

A resposta é... depende da finalidade.

Realmente, a própria Constituição Federal permite isso, no artigo acima aludido, mas agora é que entra uma coisa importantíssima em direito, o elemento teleológico ou a finalidade. O que quis o legislador constituinte, quando redigiu o parágrafo 1º do artigo 153 da Constituição? Tal parágrafo diz que são 4 os impostos que o Poder Executivo pode alterar sem a necessidade de lei: o imposto sobre importação de produtos estrangeiros (II), o imposto sobre exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados (IE), o imposto sobre produtos industrializados (IPI) e o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF). O que esses quatro impostos tem em comum? Uma coisa chamada EXTRAFISCALIDADE!

A maioria dos impostos tem característica fiscal, arrecadatória mesmo. Eles só servem para gerar caixa para o governo. Porém, alguns impostos, não tem apenas essa característica. Eles tem outras funções, como corrigir "distorções" do mercado, estimular ou reduzir exportações/importações, estimular a economia, etc. Ou seja, esses impostos tem uma característica especial, eles são extrafiscais, a sua finalidade não é apenas arrecadatória.

Após essa pequena explanação, voltemos à discussão em tela.

O Presidente da República majorou a alíquota do IOF, através do Decreto 6339 de 2008, para compensar a perda arrecadatória que sofreu com a extinção da CPMF. Você poderia me perguntar: "E qual o problema? O IOF não um dos impostos que a Constituição Federal permite ser alterado pelo Poder Executivo? Então! Não tem nenhum problema com o Decreto 6339!" Aí eu te digo: "TEM SIM!

Perceba que os quatro impostos que a Constituição considera uma exceção ao princípio da Legalidade (II, IE, IPI e IOF) têm algo em comum. O que é? A EXTRAFISCALIDADE! Todos eles são impostos extrafiscais!

Voltando à questão do elemento teleológico, o que o legislador constituinte pretendia quando permitiu essa exceção ao princípio da legalidade era que o Poder Executivo, diante de uma crise econômica, problemas no comércio externo ou outras "distorções" do mercado, tivesse uma maior agilidade para corrigir o problema. A finalidade do constituinte foi permitir que o governo não precisasse entrar com um projeto de lei toda vez que precisasse corrigir uma falha de mercado aqui, outra crise de setor econômico ali. E não que o governo pudesse aumentar tais impostos para compensar uma falta de "receita", que foi exatamente o que ocorreu com o fim da CPMF.

Tanto é que os quatro impostos que permitem isso são impostos extrafiscais!

Voltemos a frase supramencionada:

O Presidente da República majorou a alíquota do IOF, através do Decreto 6339 de 2008, para compensar a perda arrecadatória que sofreu com a extinção da CPMF.

A primeira parte da frase está perfeita! Nenhum problema! Agora a segunda contém um vício de finalidade que, na minha humilde opinião, torna tal decreto inconstitucional: um imposto extrafiscal sendo majorado para compensar a perda causada pela extinção de um imposto fiscal. Finalmente, chegamos ao ponto onde eu queria chegar!

O Governo não pode usar um imposto extrafiscal com finalidade exclusivamente arrecadatória, como o que motivou esse decreto. Não entendo como o STF não enxergou isso ainda!

Se quer compensar a perda do fim da CPMF, que compense com outros impostos arrecadatórios. Mas como tais impostos estão desprovidos do privilégio dos impostos extrafiscais, ou seja, só se mexe neles através de lei, o governo preferiu usar o manto da exceção à legalidade e majorar o IOF, sem ter que passar pelo crivo do Legislativo.

Esse Decreto 6339 de 2008 está contaminado de inconstucionalidade pois usa um imposto que é extrafiscal para uma finalidade estritamente fiscal. Houve um grave desvio de finalidade aqui. Espero que o STF corrija esse equívoco, até mesmo, para que isso não venha a se tornar uma prática comum. E que o elemento teleológico da exceção ao princípio da Legalidade seja preservado.

Jack Cannon
Enviado por Jack Cannon em 24/04/2010
Reeditado em 09/06/2021
Código do texto: T2216781
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