Favela - orgulho e laser?

Caetano cantou que alguma coisa acontecia quando ele cruzava a Ipiranga com a Avenida São João. Algo acontece no meu coração quando entro no IFCS e olho aquelas escadas majestosas, uma em cada lado. Dois caminhos, dois pensamentos e um reencontro no patamar acima. A pomposidade das escadas chama atenção, mas é todo o conjunto que encanta, o chão de taco, os detalhes dourados, as cadeiras antigas, as cortinas aveludadas num tom vermelho que lembra as usadas nos teatros, até o cheiro de mofo remete ao contexto histórico, as paredes mostrando marcas do tempo...dá para fantasiar as tantas vidas que já passaram e viveram o IFCS. O aspecto físico lá dentro parece conservado e fora um mundo agitado circula mostrando que o tempo não pára.

E refletindo os tempos que o Colóquio Aspectos Humanos da Favela Carioca: ontem e hoje, organizado pelo LeMetro (Labortório de Etnografia Metropolitana/IFCS-UFRJ) se propõe debater nos três dias (19,20 e 21 de maio) de evento. Contando com presenças de pesquisadores, arquitetos, urbanistas, jornalistas e um público diversificado, tem uma sua programação um vasto debate sobre as favelas. O debate começa com questões relacionadas às favelas e políticas públicas, passa pela imagem e estereótipos, formas e direitos, trás questões de segurança pública e prossegue com genealogias de pesquisa urbana.

O debate sobre direito à moradia não é de hoje, atravessa o modelo de ocupação desordenada, favelas, e a falta de infra-estrutura básica. O direito a moradia é indissociável dos direitos humanos, como diz Ubiratan de Souza (UFRJ). Mas quais moradias queremos? Barracos de madeira, alvenaria, blocos de cimento? É preciso um planejamento que assegure o direito a moradia e a liberdade de espaço. Fazer favelas verticais com pensamento de reduzir gastos não vai ampliar a construção de mais moradias. Segundo Luís César (UFRJ), as favelas deixaram de ser um direito a cidade, para se tornarem um problema de ordem pública. Vista como espaço da desordem, da violência e da precariedade a mesma é encarada como um mal que precisa ser exorcizado. O economista Bessa em entrevista para Revista Veja disse que as favelas deixarão de ser favelas quando os territórios hoje ocupados por bandidos, forem ocupados pelo Estado. Oh céus! Ver a favela como espaço de bandido já é um erro, é uma zona de risco, isto é fato, mas há muito mais que bandidagem, há história! E o Estado com suas políticas públicas não conseguem ultrapassar as favelas, simplesmente desmonta as mesmas. Isso já ocorre desde 1952, quando em nome da reestruturação da cidade acabaram com a favela do Morro do Santo Antônio, como pode ser apreciado no magnífico trabalho de Mauro Henrique Amoroso (FGV), onde conseguiu recolher fotografias jornalísticas da época que tratam o desmonte do Morro do Santo Antônio como aspecto positivo para cidade e não trabalha em nenhum momento com a idéia de erradicação de uma favela.

Dentre tantas coisas que foram comentadas no primeiro dia de evento, o que me chamou atenção foi a fala de Maurício Wilson Camilo da Silva, de Guiné-Bissau, que reside no Rio de Janeiro há mais de 3 anos. O graduando de Arquitetura e Urbanismo (UFRJ) e Gestão Ambiental (Universidade Estácio de Sá), questionou a composição da mesa, onde haviam teóricos problematizando as favelas, mas não havia um mensageiro, morador ou representante da associação de moradores, este destacou a importância dos moradores de favelas terem acesso ao espaço acadêmico para dialogar.

Tenho acompanhado os eventos no âmbito acadêmico que tratam do tema favela, dificilmente conseguimos ver o espaço das universidades abertos de fato para a comunidade e tão pouco chamando pessoas que moram nas favelas ou representantes de movimentos para dialogarem. Creio que além de refletir e promover políticas públicas voltadas para favelas, também precisamos refletir e promover uma universidade aberta de fato. Que favela não seja vista pela universidade somente como um campo de pesquisa, que haja de fato uma parceria. Que a favela não seja desmontada, removida ou erradicada, mas sim urbanizada e com condições para que as pessoas que residem nelas possam viver gozando de um direito básico que é a moradia, pois o que vemos nestes espaços é uma sobrevivência em meio a esgotos, falta de água encanada, desordem na ocupação etc.

Alguma coisa acontece no meu coração, quando eu cruzo o Dendê, a Maré ou o Alemão e vejo que favelas fazem parte da nação.

H.F.