IDEOLOGIA INSTRUMENTAL

A ideologia não é imprescindível à vida em sociedade, mas é um estímulo a ela. Como um corpo de idéias propulsoras de desejos e vontades, a ideologia serve de ópio à humanidade, ora manipulando as pessoas rumo a um querer dominante, ora servindo de estimulo aos espíritos revolucionários, para levantar “bandeiras libertadoras”.

Qualquer que seja a hipótese, uma dose de ideologia é sempre um plus envolvedor, por isso aglutinador e arregimentador de “rebanhos humanos” que, “convencidos” por um conjunto de idéias talhadas, deflagram entre si, utilizando as mais eficientes formas de persuasão, as suas mais profundas convicções, e direcionam o pensamento de comunidades inteiras para deleitarem-se na satisfação dos desejos e na realização das necessidades prometidas por tais idéias.

A ideologia é o canal de fluição das idéias rumo a um ideal. Foi o francês Destutt de Tracy, no século XVIII, o criador do vocábulo ideologia, para designar uma teoria de estudo no campo das idéias.

Compreendendo a força que emana de uma ideologia, Karl Marx a discutiu como ingrediente eficaz na condução das “massas humanas”. Adolfo Hitler e Mussoline utilizando-se desse instrumento puseram em prática suas ideologias e quase submeteram o mundo.

A força ideológica, especificamente nas sociedades divididas em classes, é um fenômeno comum na disputa pelo domínio. É nesse campo que entram as armas, ora armas bélicas, com resultados mais complexos e bilaterais; ora pelo poder de convencimento que trás o conjunto das idéias e a sua forma de propagação.

Entre nós, todos os métodos de manutenção do domínio foram experimentados. Desde a formação embrionária da sociedade brasileira. Em face de diversidade cultural do seu corpo e a indefinição de propósitos dos seus dirigentes, nenhuma experiência foi bem sucedida. Embora se pudessem ver em certos momentos da nossa história, alguns ensaios ideológicos com relativo poder de convencimento, tais fenômenos não apresentaram força capaz de mover grandes massas e acabaram se diluindo pela própria inconsistência e insegurança dos seus idealizadores.

No Brasil, as ideologias políticas não têm demonstrado a mesma eficácia como apresentam, exemplarmente, de forma estrita, o capitalismo e a vertente de estimulação ao consumismo desordenado. A força ideológica oculta numa propaganda de tênis ou de um refrigerante, não tem encontrado a mesma eficácia para convencer o povo das “boas” intenções das políticas implementadas.

Em estágio recente da nossa história, refiro-me ao período que antecedeu ao golpe militar, a elite brasileira (a classe artística e os intelectuais), pareciam viver um momento de êxtase. E adormecidos na ilusão das drogas e do rock’n roll, ensaiaram adesão à ideologia socialista/comunista, numa versão inadaptável à nossa realidade. A ocasião, as circunstâncias, a vulnerabilidade política e o encabeçamento das idéias deslanchado por personalidades de grande prestígio artístico, soou como o desabrochar de uma nova vida e como perspectiva de uma sociedade ideal.

Seguindo essas ideologias, a sociedade brasileira acordou sem saber ao certo onde estava e nem onde queria ir, apenas seguia a banda. A direção era ditada pelas cabeças ditas “pensantes”, que tinham suas orientações deflagradas por intermédio de metáforas românticas, codificadas em “hinos” de protestos, e alcançavam mais repercussão através das abomináveis censuras, que do seu próprio conteúdo.

Houve um momento de euforia social, adesiva de uma ideologia ainda sem parâmetros definidos e de resultados desconhecidos. A sociedade levantou-se de um “crepúsculo epiléptico”, e movida pela ordem da intelectualidade insatisfeita, juntou-se à “boiada”, desprovida de qualquer solidez ideológica.

Essas experiências não representavam firmemente qualquer ideologia e nem poderiam prosperar por que os líderes do movimento não sabiam o que desejavam e nem tinham, na verdade, convicções das suas idéias. Tanto podemos afirmar isto que hoje nos encontramos num estágio de abertura democrática institucionalizada, e presentes ainda estão quase todos os protagonistas daquelas ideologias, entretanto, nenhum deles tece qualquer opinião atual sobre os mesmos problemas sociais daquela época; sobre as mesmas mazelas daquele tempo, acrescidas significativamente por uma onda de corrupção, de violência e ausência de políticas públicas, que representam o mesmo objeto das reivindicações de outrora, todavia, não desperta mais interesse para aquele grupo ideológico.

O que deve ter ocorrido? Nada mudou! É que atualmente vige uma outra ideologia: a da satisfação dos grupos dominantes e manipulação, por qualquer meio, daqueles que podem ser potenciais críticos das políticas sociais de hoje, ou seja, um cargo para cada um e todos se calam.

Cadê a ideologia desses nossos líderes? Simplesmente mudaram de lado, aderiram a outra ideologia, a da satisfação individual.

Agora entendemos a ideologia como um o conjunto de idéias que pode ter substrato para uma finalidade a ser idealizada, entretanto, nos resta examinar o conteúdo das idéias, seus idealizadores, e mais que tudo, tomar parte na consecução dos ideais.

No nosso caso, a ideologia serve como instrumento para manter o status co. Não estamos diante de uma ideologia em experimentação? A da inércia. Precisamos mesmo de uma ideologia para viver? Qual?

A ideologia pode ser um instrumento eficaz para a promoção de mudanças. Mas que mudanças promoverem? As idéias necessitam de discussão; a ideologia precisa de exaustivo exercício de persuasão, assim como os ideais reclamam essencialmente, o poder de ação, para a consecução dos objetivos idealizados. As ações a serem desenvolvidas devem partir de uma significante parcela do corpo e igualmente atingir o maior número possível de pessoas, o que somente é possível se a ideologia tiver consistência e propósitos comuns.

Os critérios modernos de administração exigem a participação de todo o corpo social, integrado no conjunto das ações, tanto para desenvolvê-las quanto para fiscalizá-las. Não há como adotar o critério de atribuição de tarefas a um determinado setor (ou órgão), especialmente no Setor Público, e responsabilizá-lo unicamente, pelos resultados. Também não é viável uma rede de fiscalização interna para policiar as ações, vez que estes entes não demonstraram eficiência nem isenção, e a subordinação direta ao órgão central pode permitir o surgimento de vícios e eleição de interesses não comuns.

Assim sendo, o ideal é a convocação social para a consciência de co-responsabilidade pelos resultados das ações. Como sabemos, o homem é gerador e destinatário de toda a sua capacidade produtiva, logo, não pode ficar de fora da responsabilidade pelos resultados.

Com base nesse entendimento, é mister que se desenvolvam as forças individuais, não só para a consecução das ações, como também, e especialmente, para o acompanhamento de todo o curso dessas ações, fazendo com que se desenvolvam com a mais absoluta regularidade e apresentem excelência de resultados.

Ao mesmo tempo em que o Estado se agiganta e apresenta uma sede voraz para aglutinar mais poder, tenta se desviar da sua finalidade e se desvencilhar das suas responsabilidades, especialmente daquelas que justificam a sua existência.

Ideologicamente, houve um descarrilamento das idéias, pelos trilhos dos ideais, e o Estado passou a ter interesse próprio e dirigir suas ações sem atender aos interesses dos outorgantes das idéias e destinatários dos ideais. É preciso retomar o trilho e estabelecer uma reengenharia do Estado, para podermos cumprir o princípio maior da ordem constituída, que diz: “Todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido”. Precisamos ser o centro das ações do Estado. Ou uma utopia?

Professor José Ribeiro de Oliveira
Enviado por Professor José Ribeiro de Oliveira em 27/05/2010
Reeditado em 27/03/2011
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